Arquivo da categoria: Socialismo

Um sonho escuro, heroico e terrível (sobre a experiência socialista na antiga URSS)

Eduardo Stotz

 

Apresentação

 

O capitalismo é um “sistema” historicamente condenado por suas características predominantemente destrutivas: trata-se de um modo de produção que gera, pela exploração da força de trabalho assalariada, simultaneamente riqueza e miséria social; por desconhecer limites, a expansão do modo de produção capitalista ameaça a vida em escala planetária; a competição generalizada e cada vez mais violenta entre as gigantescas empresas monopolistas, garantida pelos respectivos estados nacionais, agrava a tendência à militarização e à guerra.

A necessidade de um novo modo de produção e de organização da sociedade, destinado a superar o capitalismo, significa falar de uma fase de transição – o socialismo – no qual a classe operária, tendo conquistado o poder e expropriado os meios de produção da burguesia, exerça o controle da produção em novas bases e transforme o Estado em instrumento da maioria dos trabalhadores, de modo a assegurar esta transição.

Contudo não se pode defender o socialismo, propagandeando-o como alternativa ao capitalismo sem considerar criticamente a principal experiência socialista que teve lugar na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), entre 1917 e 1991. A consciência dos limites desta experiência pela vanguarda dos movimentos da classe operária, única classe radicalmente interessada em levantar a bandeira socialista, constitui uma condição para que o desafio seja assumido e possa, assim, iniciar uma nova etapa na história da humanidade.

O texto disponível para leitura e download é um estudo histórico acerca desta experiência. Escrito como um capítulo da obra intitulada “O tempo no planetário e outros ensaios”, em edição do próprio autor publicada em 2002, foi revisto e atualizado em 2008 e agora em 2022, tendo em vista sua publicação neste portal.

LEIA ESTE TEXTO EM PDF: Um sonho escuro, heroico e terrível

◊◊◊◊◊◊◊◊◊◊◊◊◊◊

 

La revolución rusa es el acontecimiento más importante de la guerra mundial. Esta a frase inicial do exame crítico da revolução russa, por Rosa Luxemburgo, é o fio condutor da análise destinada a combater o oportunismo no meio do movimento operário alemão, dominado pela perspectiva social-patriota e que conduzira a humanidade à catástrofe. A teoria “doutrinária” de que a revolução, por acontecer num país atrasado e essencialmente agrícola, deveria limitar-se a objetivos burgueses – teoria sustentada por Kaustky na Alemanha e os mencheviques na Rússia – foi duramente criticada com o intuito de demonstrar o sentido internacional dessa limitação. Rosa deixa bastante claro que tal teoria tende a eximir o proletariado internacional de sua responsabilidade diante da revolução russa. Em decorrência,

La insurrección de octobre no representó solamente la salvación de la revolución rusa, sino también la rehabilitación del socialismo internacional. [1]

O exame crítico da revolução russa não impediu Rosa de identificar problemas e apontar erros, ainda que ela própria não estivesse isenta de cometer erros de avaliação, principalmente por causa de seu longo período na prisão. Assim, em que pese seus equívocos na análise das medidas do governo dos sovietes – especialmente no que diz respeito à reforma agrária e à defesa da autonomia nacional –, a obra de Rosa Luxemburgo revelou-se acertada quanto aos seus prognósticos. leia mais

O ano de 1793 – Rosa Luxemburgo

Extraído de um artigo que apareceu em julho de 1893 na revista polonesa Sprwa Robotnicza (A Causa Operária), publicado em Paris e divulgado clandestinamente na Polônia. Rosa Luxemburgo foi sua principal editora. Este texto, “escrito por ocasião do centenário de 1793”, encontrava-se inédito em francês até sua publicação no jornal L’Humanité em 15 de janeiro de 2009, graças ao historiador polonês Feliks Tych (Varsóvia), que o autenticou como escrito por Rosa Luxemburgo.

Tradução da versão francesa do Marxist Internet Archive

 

 

O ano de 1793! Cem anos se passaram desde os tempos que os inimigos do povo trabalhador, os czares, os reis, a nobreza, os príncipes, os donos de fábricas e todos os outros ricos (os capitalistas) ainda hoje não conseguem lembrar sem experimentar um terror. Suas almas estremecem só de ouvir a expressão: o ano de 1793!

Por que isso? Porque naqueles anos o povo trabalhador da França, e especialmente de sua capital, Paris, se libertaram pela primeira vez do jugo secular e tomaram a iniciativa de tentar acabar com a exploração e começar uma vida nova e livre. (…) [NE: R.L. evoca os primeiros estágios da Revolução Francesa]

“Por que razão eu lutei? Por que eu derramei meu sangue?” questiona-se  o povo francês diante de suas esperanças traídas. Por que eu ofereci meu peito às balas dos soldados do rei? Apenas para trocar um opressor por outro? Para arrancar o poder e as honras da nobreza e transferi-los à burguesia?

E o povo de Paris começou uma nova luta. Foi a segunda revolução – a revolução popular – em 10 de agosto de 1792. leia mais

Verdades e mitos sobre o filme “O jovem Karl Marx”, de Raoul Peck

Do blog da Boitempo 

Por Michael Heinrich.

O jovem Karl Marx é um belo filme, realizado de maneira muito profissional por um admirável diretor de esquerda (o haitiano Raoul Peck) e com uma série de atores realmente bons. Ele abarca o período entre 1842, quando Marx era o editor-chefe da Gazeta Renana (Rheinische Zeitung), e início de 1848, quando fica pronto o Manifesto Comunista. O filme não foca apenas na amizade entre os dois rapazes, Karl Marx e Friedrich Engels, cujas teorias posteriormente tornaram-se enormemente influentes; ele trata também das relações desses dois homens com suas parceiras – Jenny von Westphalen e Mary Burns, respectivamente – e do importante papel que essas mulheres desempenharam. Comparado com algumas das produções mais antigas sobre Marx produzidas na União Soviética e na Alemanha Oriental, esse filme é, em qualquer aspecto, bastante superior.

No entanto, vale a pena não perder de vista que evidentemente nem tudo que aparece no filme são dados ou anedotas comprovadas. É certo que os fatos principais estão todos corretos: que Marx editava um jornal em Colônia, que ele viajou a Paris onde encontrou Proudhon e onde tem início sua amizade com Engels, que Marx e Engels se tornaram influentes na “União de Comunistas” etc. Entretanto, praticamente todos os detalhes são puramente fictícios. Não sabemos quando, onde e como Engels encontrou Mary Burns. Não temos conhecimento nem mesmo de uma única fotografia dela. A história contada pelo filme, de que Mary trabalhava em uma fábrica da qual o pai de Engels era parcialmente proprietário não passa de um bom conto-da-carochinha. (Aliás, o pai de Engels nunca nem dirigiu uma fábrica na Inglaterra, ele residiu a vida toda na Alemanha).

Sem dúvida, quando se quer produzir uma narrativa cinematográfica cativante, é preciso se valer de tais artifícios, é necessário inserir falas e montar cenas puramente fictícias para colocar determinados temas em evidência. Em certa medida, pode se dizer esse tipo de procedimento como tal é inerente a qualquer adaptação da matéria histórica em forma fílmica. No entanto, a forma pela qual certas coisas foram postas em evidência acabou deixando de fora um dos aspectos, a meu ver, mais fascinantes da figura de Marx. Vejamos.

Quando, no filme, Marx aparece pela primeira vez discutindo com o conselho editorial da Gazeta Renana e exigindo a adoção de uma linha mais radical contra o governo prussiano, a polícia já está esperando do lado de fora, batendo à porta, e finalmente prende o conselho inteiro do jornal. O problema não é nem que esse episódio não tenha nunca de fato ocorrido (o jornal foi censurado e eventualmente fechado pelo governo, mas ninguém chegou a ser preso). O problema é que já nessa cena inicial, o muito jovem Marx aparece retratado como um lutador radical contra as autoridades prussianas, que por sua vez revidam de maneira implacável.

A história verdadeira não é tão simples, mas é muito mais interessante. A Gazeta Renana foi fundada e financiada pela burguesia liberal da região do Reno e, na medida em não se tratava de um jornal católico, o Estado prussiano (que era protestante) tinha até certas simpatias pela publicação. Em 1842/43, Marx era um liberal e não um comunista. Nessa época, ele não era um opositor fundamental ao Estado prussiano. Em seus artigos, ele na verdade buscava demonstrar como o Estado prussiano, na condição de Estado moderno esclarecido, deveria agir. Foi somente depois da Gazeta Renana ter sido fechada que Marx começou a questionar sua posição anterior. Além disso, as autoridades prussianas dessa época também não eram tão hostis a Marx quanto o filme insinua: depois de terem fechado a Gazeta Renana, elas inclusive entraram em contato com ele e para lhe oferecer um cargo (oferta que Marx, aliás, recusou). leia mais

Sobre a Humanidade Socialista

Pode ser paradoxal falar em socialismo hoje, num contexto mundial caracterizado, de um lado, pelo baixo crescimento econômico e agravamento da miséria social seis anos depois da crise que afetou principalmente os países do centro do capitalismo; e, por outro lado, do deslocamento, nesses países, da correlação de forças sociais à direita, pois a luta de classes não encontra ainda um proletariado organizado em torno de uma alternativa revolucionária. 

Mas é exatamente em épocas como esta, na qual se vislumbra o horizonte da barbárie, que devemos levantar a bandeira do socialismo, única possibilidade de superação das contradições em que o capitalismo mergulha a humanidade. Significa também um chamamento do proletariado à resistência e a luta de classe.

A palestra Sobre a Humanidade Socialista, de Isaac Deutscher (1907-1967) serve a estes propósitos.(CVM)

 

Sobre a Humanidade Socialista

Isaac Deutscher 

 

Pediram-me para falar com vocês sobre a “Humanidade Socialista”. Este é um tema bastante amplo, a ponto de requerer tantas abordagens a partir de diversos ângulos, que devo pedir a vocês desculpas se o que vou dizer se assemelhar mais a uma conversa informal do que a uma conferência.

Os marxistas, em geral, têm sido renitentes em falar sobre a humanidade socialista; e devo confessar que eu mesmo senti algo desta resistência na primeira vez que esta conferência me foi proposta. Qualquer intenção de oferecer uma descrição da humanidade socialista, quer dizer, retratar o membro da futura sociedade sem classes, irá parecer tingido de utopia. Esse foi o domínio dos grandes visionários do socialismo, especialmente de Saint-Simon e Fourier, os quais, da mesma forma que os racionalistas franceses do século XVII, imaginaram que eles – e através deles, a Razão – finalmente haviam descoberto o homem ideal e que, uma vez feito este descobrimento, a realização deste ideal ocorreria a seguir. Nada mais distante de Marx e Engels e os principais marxistas das gerações subsequentes do que semelhante pensamento. Eles certamente não disseram à humanidade: “Aqui está o ideal, ajoelhe-se diante dele!” Em lugar de nos oferecer um esquema da sociedade futura, se dedicaram a produzir uma análise realista da sociedade tal qual era e é, a sociedade capitalista; e uma vez que as lutas de classes de seu tempo foram enfrentadas, se comprometeram de forma irrevogável com a causa do proletariado. Entretanto, ao responder as necessidades do seu tempo, não deram as costas para o futuro. Tentaram, no mínimo, de conjecturar a forma das coisas que estavam por vir; mas formularam suas conjecturas com fortes reservas e somente por acaso. Em seus volumosos escritos, Marx e Engels somente nos deixaram algumas poucas e dispersas alusões sobre o assunto que nos ocupa, alusões significativamente inter-relacionadas e que sugerem novos e imensos horizontes, mas são unicamente alusões. Sem dúvida, Karl Marx tinha a sua concepção da humanidade socialista, mas esta era a hipótese de trabalho de um analista, não a suposição de um visionário; e ainda que estivesse convencido do realismo histórico de suas previsões, as tratou com certa dose de ceticismo científico.

LEIA ESTE TEXTO NA ÍNTEGRA EM PDF:
SOBRE O HOMEM SOCIALISTA – ISAAC DEUTSCHER

leia mais

Lenin: Palestra sobre a Revolução de 1905

Vladimir Ilitch Ulianov Lenin

Palestra proferida em 22 de Janeiro de 1917, na Casa do Povo de Zurique, perante uma reunião de jovens operários suíços.

Jovens amigos e camaradas,

Comemoramos hoje o décimo segundo aniversário do “Domingo sangrento”, considerado com toda a justeza como o início da revolução russa.

Milhares de operários, não social-democratas, mas crentes, súditos fiéis do czar, conduzidos pelo padre Gapon, encaminharam-se de todos os pontos da cidade para o centro da capital, em direção à praça do Palácio de Inverno, para entregar uma petição ao czar. Os operários caminham com ícones, e Gapon, o seu chefe na ocasião, tinha escrito ao czar dando-se como garantia da sua segurança pessoal e pedindo-lhe que se apresentasse perante o povo.

A tropa foi alertada. Ulanos e cossacos carregam sobre a multidão com armas brancas; disparam contra os operários desarmados que ajoelhados suplicam aos cossacos que lhes permitam aproximar-se do czar. Segundo os relatórios da polícia, houve nesse dia mais de um milhar de mortos e mais de dois mil feridos. A indignação dos operários foi indescritível. leia mais