Eder Sader
Textos de autoria de Eder Sader.
Extraído de “Memória: Eder Sader – O Futuro sem este Homem”, por Marco Aurélio Garcia.
(…) Eder Sader, nascido a 7 de agosto de 1941, nos deixou a 21 de maio último. Ele foi um dos tantos que experimentaram esta dura convivência com a morte de pessoas próximas e queridas. Como hemofílico, desde criança enfrentara pessoalmente situações de risco extremado. Mais tarde, teve claro que, se caísse um dia nas mão dos aparelhos repressivos, teria poucas chances de sobrevivência. Esta possibilidade se configurou como ameaça real pelo menos duas vezes em sua atividade de militante político: em 1970, quando, procurado pela polícia, foi obrigado a passar para a clandestinidade e buscar refúgio no exterior, e posteriormente, em 1973, quando foi preso pelos militares chilenos, no momento do golpe de Estado de Pinochet, sendo então confinado na Ilha Quiriquina.
Tendo superado tantas dificuldades em sua vida, é cruel pensar que viesse sucumbir de AIDS, adquirida provavelmente em 1985, em uma das transfusões de sangue que periodicamente era obrigado a fazer. Este fato quem sabe forneça um argumento adicional para explicar nossa inconformidade com sua morte, resultante não da fúria contrarrevolucionária dos órgãos de repressão, mas da irresponsabilidade criminosa das autoridades sanitárias do país, absolutamente paralisadas diante de mais este flagelo que se abate sobre nossa sociedade.
No dia de seu enterro, seus amigos, colegas e companheiros expressaram seus sentimentos com um demorado e comovido silêncio, antes que seu corpo fosse retirado para ser sepultado. As palavras faltaram ou se tomaram incapazes de traduzir naquele momento o verdadeiro impacto que todos sentimos ao ver retirado de nós um pouco de nosso passado, mas, igualmente, de nos vermos amputados de parte de nosso futuro.
Hoje talvez já seja possível recobrar a fala e, retraçando a trajetória de Eder Sader, inventariar a dimensão de nossa perda. Mais do que isso: é chegado o momento de oferecer aos que com ele conviveram, mas dele tiveram uma percepção apenas fracionada, uma visão mais abrangente de sua vida, na qual se confundem permanentemente a figura do intelectual e a do militante político.
Primeiros passos
Eder e seu irmão Emir começaram sua atividade militante ainda na escola secundária. Nesse período ele sofre a influência de seu tio, o sociólogo Azis Simão, autor de um clássico do pensamento social brasileiro, Sindicato e Estado. Azis, uma personalidade fascinante, aliava sua condição de arguto observador do movimento operário a uma indisfarçada simpatia pelas ideias libertárias, que abraçara desde sua juventude.
Este tipo de influência e, mais tarde, o contato com intelectuais e militantes de esquerda de várias tendências devem ter pesado para seu engajamento na Liga Socialista, um pequeno grupo influenciado pelas ideias de Rosa Luxemburgo. Um peso significativo na constituição de seu pensamento político deve ser creditado a Eric Sachs, um refugiado austríaco, que estivera próximo de Augusto Thalheimer, dirigente anti-stalinista do Partido Comunista Alemão, e do revolucionário russo Nicolai Bukharin, tendo militado durante a guerra civil espanhola no POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista).
Como Eric, Eder esteve presente na formação, em 1961, da Organização Marxista Revolucionária Política Operária, a Polop, grupo que teve uma influência significativa nas esquerdas brasileiras durante os anos 60 e parte da década seguinte, apesar de nunca se ter constituído numa organização de grandes dimensões nem de implantação social nas classes trabalhadoras.
Na Polop ele vai se destacar como crítico severo das posições então hegemônicas na esquerda brasileira e que tinham no Partido Comunista Brasileiro (PCB) o seu principal centro de irradiação. Em meio à agitação social do período que antecede ao golpe de Estado de 1964, Eder denunciava as ilusões da maioria da esquerda sobre a possibilidade de que transformações “nacionalistas e democráticas” da sociedade e do Estado brasileiros pudessem vir a ser obtidas através de uma aliança do proletariado, do campesinato e da pequena-burguesia com uma burguesia nacional supostamente interessada na consecução de reformas “anti-imperialistas” e “antifeudais”.
Com o golpe, a audiência da Polop cresceria enormemente na esquerda. Eder conheceu sua primeira experiência de clandestinidade, de vez que teve seu nome indiciado em Inquérito Policial-Militar, já em 1964.
Com a crise do Partido Comunista e o início da formação de várias dissidências, a Polop se funde com uma cisão do PCB no sul, dando nascimento ao Partido Operário Comunista, o POC, do qual Eder será dirigente até 1970. Nesta época, já em meio a um refluxo importante do movimento de massas e com a derrota política e militar das esquerdas praticamente consumada, Eder é obrigado a abandonar o país. O POC se dividira, a Polop se reconstituíra, mas um e outro grupo encontravam-se reduzidos a um estado de fragilidade política e orgânica profundo. (…)
O texto na íntegra encontra-se a seguir.
- Eder Sader – o futuro sem este homem
- O Chile entre a legalidade e a Revolução
- Cordón Cerrillos
- Complemento ao texto O Chile entre a legalidade e a revolução
- Os ensinamentos de Mao e a guerra revolucionária no Brasil
- Carta de Eder para Erico Sachs. Montevideo 1970
- Para um balanço da PO
- A crise do reformismo e a formação do Partido Revolucionário
- A burguesia entre o populismo e o militarismo
- La militarización del Estado en America Latina
- Luchas obreras y táctica burguesa en Brasil
- Poder constituinte e democracia no Brasil