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1968: A greve geral e a revolta estudantil na França

ESPECIAL CVM 1º DE MAIO !

 

Para a comemoração do 1º de maio de hoje, o CVM publica uma série de artigos sobre a luta da classe trabalhadora contra o Capital e seu Estado.

O artigo “1º de maio de 68: os trabalhadores expulsam governador e pelegos da praça” foi publicado no periódico Movimento Operário – Jornal de Luta dos trabalhadores – nº 4, em maio de 1968 pelo POC , Partido Operário Comunista (1968-1970). Registra a manifestação operária na Praça da Sé no passado recente em nosso país, numa demonstração de que os interesses dos trabalhadores não se misturam com os dos patrões. Um gesto na direção oposta da conciliação de classes que tanto as lideranças neopelegas acenam para os trabalhadores nos dias de hoje. O 1º de maio de 68 foi marcado também pela grande greve dos metalúrgicos de Minas, que naquele momento rasgou na prática a “lei trabalhista” feita para cercear a luta por aumento salarial.

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Parte 1: Desenvolve-se uma situação revolucionária

Por Peter Schwarz
23 de junho de 2008

O seguinte artigo é o primeiro em uma série de quatro artigos.

http://www.wsws.org/pt/2008/jun2008/port-j23.shtml

É provável que não haja um evento histórico que tenha chamado tanto a atenção do público quanto o aniversário dos levantes de 1968. Nas últimas semanas, centenas de artigos, entrevistas, documentários e filmes foram lançados sobre os protestos estudantis e sobre as lutas operárias que ocorreram naquele ano. Certamente, na Alemanha, o aniversário teve mais cobertura do que qualquer outro a que se compare.

Como se explica este interesse pelos eventos de 1968?

A resposta tem menos a ver com o passado do que com o presente e o futuro. O ano de 1968 não foi caracterizado apenas por meras “revoltas estudantis” que balançaram os EUA, Alemanha, França, Itália, Japão, México e muitos outros países. Ele foi o prelúdio da maior ofensiva da classe trabalhadora internacional desde o fim da Segunda Guerra. Esta ofensiva durou sete anos, assumindo em diversas ocasiões formas revolucionárias, forçando a renúncia de governos, trazendo abaixo ditaduras e abalando o sistema de dominação burguesa em suas bases.

Isto foi mais visível na França, onde em maio de 1968 dez milhões de trabalhadores tomaram parte em uma greve geral, ocuparam fábricas e levaram o governo do General Charles de Gaulle a ficar de joelhos. Em 1969, as chamadas greves de setembro aconteceram na Alemanha, e a Itália sofreu um “outono quente” de confrontos industriais. Os EUA presenciaram imensas passeatas do movimento de direitos humanos contra a guerra e rebeliões em guetos urbanos. Na Polônia e Tchecoslováquia – a Primavera de Praga – trabalhadores se revoltaram contra a ditadura stalinista. Nos anos 70, ditaduras de direita foram derrubadas na Grécia, Espanha, e Portugal. Durante o mesmo período, o exército americano sofreu uma derrota humilhante no Vietnã.

O pano de fundo destes eventos era a primeira crise profunda da economia capitalista desde a Segunda Guerra. Em 1966 uma recessão abalou a economia mundial. Em 1971, o governo americano quebrou o lastro existente entre o dólar e o ouro, despindo, assim, a base do sistema monetário inaugurado em Bretton Woods em 1944, que havia estabelecido os moldes para o boom do pós-guerra. Em 1973, a economia mundial afundou-se ainda mais na recessão.

A onda de protestos, greves e revoltas internacionais deixou sua marca. Em uma série de países os salários e as condições de trabalho melhoraram, muitas vezes em níveis consideráveis. O movimento de 68 também deixou rastros na esfera cultural e na vida social como um todo. Varreu a atmosfera sufocante e claustrofóbica dos anos 50 e 60,

trazendo melhorias importantes nos direitos das mulheres e das minorias. Universidades foram expandidas e se abriram a camadas mais amplas da sociedade. Porém, o domínio capitalista e as relações de propriedade mantiveram-se intactas. A burguesia foi forçada a fazer concessões políticas e sociais, mas manteve-se no poder.

No final da década de 70 começou a contra-ofensiva. Margaret Thatcher chegou ao poder na Grã Bretanha, Ronald Reagan nos EUA e Helmut Kohl na Alemanha. Concessões sociais foram revertidas e os ataques à classe trabalhadora intensificaram-se.

Hoje as nuvens negras estão no horizonte novamente e o abismo social é mais fundo do que nunca. Milhões estão desempregados ou trabalham em subempregos. No leste europeu e na Ásia um imenso exército de trabalhadores está sendo explorado com salários miseráveis. A recente crise financeira demonstra que um colapso do sistema bancário internacional é cada vez mais provável. As tensões entre as grandes potências são crescentes e as guerras imperialistas, como a do Iraque, estão mais uma vez na agenda internacional. O resultado inevitável será o de novos conflitos e lutas de classe.

Este é o principal motivo do atual interesse nos eventos de 1968. Eles podem se repetir sob uma forma diferente. Enquanto a classe dominante tenta se preparar para isso, os trabalhadores e a juventude também devem se preparar tirando as lições da experiência de 1968.

Esta série de artigos concentra-se nos eventos da França. Nela, a luta de classes irrompeu à superfície de forma explosiva em maio e desbancou por completo a tese da Nova Esquerda, de que a classe trabalhadora havia sido integrada com sucesso ao capitalismo através do consumo e da mídia. O que em janeiro parecia ser uma disputa relativamente inofensiva entre estudantes e governo transformou-se, dentro de poucas semanas, em uma situação revolucionária. O país estava paralisado, o governo impotente e os sindicatos haviam perdido o controle da situação. Ao final de maio, a classe trabalhadora não só estava na posição de forçar a renúncia do governo liderado pelo presidente de Gaulle, como também de derrubar o sistema capitalista e estabelecer seu próprio poder. Isto teria mudado fundamentalmente o curso dos eventos políticos ao redor da Europa, tanto no leste quanto no oeste.

Tal desenvolvimento foi barrado pelo Partido Comunista Francês (PCF) e sua central sindical aliada, a CGT (Confédération Générale du Travail), que se recusou estritamente a tomar o poder e usou de toda sua influência para estrangular o movimento de massas. O Partido Comunista recebeu um apoio adicional do Secretariado Unificado (SU) pablista liderado por Ernest Mandel e suas sucursais francesas (o Partido Comunista Internationalista, PCI, liderado por Pierre Frank e a Juventude Comunista Revolucionária, JCR, liderada por Alain Krivine). Por 15 anos os pablistas haviam atacado sistematicamente as tradições marxistas do movimento trotskista. Agora eles desorientavam e enganavam os estudantes que buscavam uma alternativa ao stalinismo ao fazer apologia a Che Guevara e ao ativismo de tipo anarquista como modelos de atuação.

A primeira parte desta série trata do desenvolvimento da revolta estudantil e da greve geral até seu ponto alto no final de maio. A segunda parte examina a maneira com a qual o Partido Comunista e a CGT ajudaram o General Charles de Gaulle a retomar o controle da situação. A terceira parte lidará com o papel dos pablistas e a quarta tratará da Organização Comunista Internacionalista (OCI), liderada por Pierre Lambert. A OCI, na época ainda seção oficial francesa do Comitê Internacional da Quarta Internacional, adotou uma posição centrista em 1968 e logo depois acabou seguindo atrás do Partido Socialista.

A França antes de 1968

A França nos anos 60 é caracterizada por uma profunda contradição. O regime político é autoritário e extremamente reacionário. Sua personificação é o General de Gaulle, que parece vir de outra era e representar inteiramente em sua pessoa a Quinta República. De Gaulle tem 68 anos de idade quando eleito presidente em 1958 e 78 quando renuncia em 1969. No entanto, sob o regime fossilizado do velho general, uma rápida modernização econômica está acontecendo, alterando fundamentalmente a composição social da sociedade francesa.

No final da Segunda Guerra, grandes regiões da França sustentam-se na agricultura, com 37% da população tirando seu sustento da terra. Nos 20 anos que se seguiram, dois terços dos fazendeiros franceses deixaram suas terras e mudaram-se para as cidades, onde – juntamente com trabalhadores imigrantes – adicionaram às fileiras da classe trabalhadora uma camada social jovem e politizada, difícil de ser controlada pela burocracia sindical.

Após o fim da Guerra da Algéria, em 1962, a economia francesa cresce rapidamente. A perda de suas colônias força a burguesia francesa a orientar sua economia mais fortemente em direção à Europa. Em 1957, a França já havia assinado o Tratado de Roma, documento fundador da Comunidade Econômica Européia, antecessora da União Européia. A integração econômica da Europa favorece a construção de novos ramos da indústria, que compensam o declínio das minas de carvão e de outras velhas indústrias além do esperado. Na área de automóveis, aeronaves, tecnologia espacial, armamentos e energia nuclear, com o apoio do governo abrem-se novas fábricas e companhias. Elas são normalmente localizadas fora dos centros industriais tradicionais e mais adiante estarão entre as fortalezas da greve geral de 1968.

A cidade de Caen na Normandia é exemplar neste sentido. O número de habitantes cresce entre 1954 e 1968 de 90.000 a 150.000, dos quais metade tem menos de 30 anos de idade. Saviem, uma parceira da automotiva Renault, emprega em torno de 3.000 trabalhadores. Eles decretam greve em janeiro, quatro meses antes da greve geral, ocupando a fábrica temporariamente e engajando-se em uma acirrada batalha com a polícia.

Nota-se uma radicalização também dentro dos sindicatos. A antiga central sindical católica, a CFTC (Confederação Francesa de Trabalhadores Cristãos), racha e a maioria dos membros se reorganiza em uma base laica na CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho), que reconhece a “luta de classes” e, no início de 1966, aceita agir em unidade com a CGT.

O estabelecimento de novas indústrias traz consigo um crescimento exaltado no setor educacional. Novos engenheiros, técnicos e trabalhadores especializados são requisitados com urgência. Somente entre 1962 e 1968, o número de estudantes dobra. As universidades estão lotadas, mal equipadas e, como as fábricas, controladas por uma administração patriarcal de valores antiquados.

A oposição às más condições de educação e ao autoritário regime universitário – dentre outras coisas, a proibição a moradores da residência estudantil de visitar residências do sexo oposto – é um fator importante na radicalização dos estudantes, que logo ligam tais questões a questões políticas. Em maio de 1966 ocorre a primeira manifestação contrária à guerra no Vietnã. Um ano depois, em 2 de junho de 1967, o estudante Benno Ohnesorg é morto a tiro pela polícia de Berlim, e os protestos estudantis alemães ecoam na França.

No mesmo ano os efeitos da recessão mundial são sentidos e têm um impacto de radicalização sobre os trabalhadores. Por anos, os níveis de vida e as condições de trabalho têm estado abaixo do ritmo do desenvolvimento econômico. Salários estão baixos, as horas de trabalho longas e dentro das fábricas os trabalhadores não possuem direitos. Agora o desemprego e a carga de trabalho são crescentes. As indústrias mineradoras, do aço e têxteis estão se estagnando.

A liderança dos sindicatos organiza protestos burocratizados, de cima para baixo, para não perderem o controle. Mas os protestos locais são construídos pela base e brutalmente reprimidos pela polícia. Em fevereiro de 1967, os trabalhadores da manufatura têxtil Rhodiacéta na cidade de Besançon são os primeiros a ocuparem sua fábrica, protestando contra demissões e exigindo melhores condições de trabalho.

Produtores rurais também protestam contra a queda em seus rendimentos. Em 1967 vários protestos rurais no oeste da França se transformam em batalhas nas ruas. De acordo com um relatório policial da época, os fazendeiros são “numerosos, agressivos, organizados e armados com vários projéteis: pregos, paralelepípedos, estilhaços metálicos, garrafas e pedregulhos.”

No início de 1968, a França parece relativamente calma em sua superfície, mas abaixo dela as tensões sociais estão fermentando. O país inteiro aparenta um barril de pólvora. Tudo que é necessário para causar uma explosão é uma faísca repentina. Esta faísca foram os protestos estudantis. leia mais