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60 anos do golpe militar e a afronta da extrema-direita no Brasil

Eduardo Stotz
em Encontraponto

 

 

Em 31 de março próximo completar-se-ão 60 anos desde que um golpe militar derrubou o governo burguês reformista de João Goulart e instituiu uma ditadura aberta exercida pelo Alto Comando das Forças Armadas.

Para o diplomata e ministro das relações exteriores da ditadura militar, Vasco Leitão da Cunha, ao contrário da pretensa revolução que os golpistas afirmavam instaurar, o que se pôs em marcha dos quartéis para as ruas teria sido uma contrarrevolução preventiva. Porque se tratava de bloquear a emergência de uma “república sindicalista”, um passo decisivo para o avanço da “subversão” na América Latina.

Mas nada havia de revolucionário no governo Goulart. O problema era a radicalização das lutas dos trabalhadores pela melhoria dos salários e das suas condições de vida e pelo fim do latifúndio no Brasil, impulso que o presidente tentava canalizar para suas reformas de base. Impedir esse avanço e destruir o “esquema sindical-parlamentar” de Goulart foi a razão do golpe que, no final, contou com a unanimidade das classes dominantes.

Na Apresentação do Relatório da Comissão Municipal da Verdade de Petrópolis, publicado pelo coletivo em 2018 [1], escrevemos:

Qual o sentido de se fazer uma narrativa de fatos e processos ocorridos há mais de 50 anos numa cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro, como Petrópolis? De imediato podemos apontar o problema da permanente “intervenção militar”, ou para ser mais exato, da tutela militar da democracia no Brasil desde 1985, quando o Alto Comando das Forças Armadas transferiu o exercício do poder aos civis. Mais grave é, porém, o apoio político de massa à emergência e vitória de candidaturas de extrema-direita no presente ano eleitoral, oriundas do meio militar. Em outros termos, nossa resposta à questão proposta é: porque o passado ainda não é o capítulo de um livro cujas páginas possam ser viradas.

Quatro anos depois, em novembro de 2022, a ultradireita sofreu um revés eleitoral, com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva sobre Jair Bolsonaro. Nem por isso deixou de tentar golpear o novo governo de Lula, em 8 de janeiro de 2023.

A tomada da Praça dos Três Poderes em Brasília por uma violenta massa bolsonarista seria o pretexto para uma intervenção das Forças Armadas para evitar o caos político. O insucesso da tentativa em forçar Lula a aplicar a Lei de Garantia e Ordem na capital federal em 8 de janeiro e, portanto, do prosseguimento do ato golpista sob o aparente manto da legalidade, teve como razão o fato de que burguesia brasileira e o governo dos EUA opuseram-se ao golpe. leia mais

Gaza, ano zero: as raízes do Holocausto palestino [parte 2]

Bernardo Kocher
Prof.  História Contemporânea
Universidade Federal Fluminense
Rio de Janeiro

A pretensa superioridade tecnológica e democrática de Israel foi viabilizada pela inserção mais que privilegiada da economia sionista na economia mundial

 

Na Palestina o fim da 1a. Intifada (1987-1993) marcou o início do “ajuste” local com a correlação de forças delineada no final da década de setenta, incorporando a agenda do islã político no interior da sua vida social; esta corrente político-religiosa diferia das forças já existentes por retomar uma visão belicosa para a solução do problema palestino, além da inspiração da religião como inspiração na condução da ação política.

O fim da URSS (1989) também contribuiu para criar um vazio de opções para a situação local, já que o encerramento da bipolaridade das superpotências também pôs fim à “Guerra Fria Árabe”, entre Estados adeptos do pan-arabismo e as “monarquias”. No novo contexto surgido no início da década de 1990, a primeira projeção para a situação palestina era de que o problema foi causado pela sua imersão no interior das tensões da bipolaridade, e, com o fim desta, tornou-se consenso a avaliação de que a paz seria finalmente possível.  Mas esta teoria não logrou êxito na busca da solução através da implementação da fórmula dos “dois Estados”, como ficou claro na fracassada tentativa de encaminhar o problema em negociações conduzidas pela Organização da Libertação da Palestina para a implementação dos Acordos de Oslo, no início dos anos 1990.

A Faixa de Gaza não é causa do conflito regional atual mas, antes, é produto de um confronto que não foi delineado pela História do povo palestino. Encurralada fisicamente (terra, mar e ar) por Israel e Egito, abandonada tanto pela solidariedade árabe (pan-arabismo) e/ou muçulmana (ummah) quanto pela orientação humanista/civilizatória do Ocidente (direitos humanos), inviabilizada politicamente pelo logro de várias resoluções não cumpridas da ONU favoráveis à melhoria das suas condições, restou à sua imensa população, concentrada num pequeno enclave contendo altíssima taxa demográfica, conviver com sua realidade material precária causada pela “prática social genocida” dos sionistas. A única instituição multilateral que presta efetivo apoio às necessidades da população é a UNRWA, criada pela ONU em 1949 para tratar especificamente da sobrevivência material da população palestina, ou seja, para mitigar uma situação criada pela própria instituição criadora! Sobre ela pesa a responsabilidade pela desastrosa proposta de partilha da Palestina, tornada velozmente letra morta pela violência dos sionistas, que implementaram a “sua” divisão territorial pelo uso indiscriminado da violência. A dificuldade deste órgão multilateral em estabelecer sua legitimidade na resolução da questão palestina deu-se desde a tênue tentativa de reformulação do projeto de partilha original, como foi exposto em artigo anterior a este, sobre o assassinato do Conde Folke Bernardotte. Este episódio teve êxito em inviabilizar reparos à Resolução 181. Nenhuma consequência adveio (nem mesmo por parte da própria ONU!) para os executores deste ato terrorista.

A crise atual possui um marco histórico conjuntural basilar: o voto majoritário que o islã político obteve em 2006 nas eleições legislativas. Tomamos em conta que o resultado não foi simplesmente uma opção pela afirmação da religião como condutora da vida pública mas, antes, uma primeira  votação definidora da representatividade política do povo palestino que se tornou plebiscitária, expressando claramente os fracassos de todos os envolvidos nas infrutíferas negociações para a implementação da fórmula dos dois Estados. A vitória do Hamas no pleito não ultrapassou os 45% dos votos, e a derrota do Fatah não foi inferior a 41%. Caso este resultado fosse indicado numa pesquisa de boca de urna, poderia ser considerado um empate técnico, se a margem de erro fosse de 2%. Mesmo considerando que na Faixa de Gaza a densidade eleitoral do Hamas foi mais expressiva do que na Cisjordânia, o pleito foi proposto para escolher representantes para o parlamento como um todo; talvez daí tenha surgido um ódio especial dos dirigentes sionistas para com a população de Gaza e a percepção distorcida que eles desenvolveram de que o islã político seria o marco definidor das perspectivas políticas da sociedade civil no enclave. Não, o resultado eleitoral refletiu uma resposta do eleitor palestino ao cotidiano de “negociações sem solução”, logo seguidas da brutal continuidade da “prática social genocida” sionista. Nesta clave o voto vitorioso do islã político neste pleito representou o “pelo menos eles querem lutar contra a ocupação do Estado de Israel e fazer algo pelos palestinos”, já que a OLP  a) desistiu da orientação de confrontar o sionismo; b) não construiu o Estado da Palestina; e, c) tornou-se um apêndice da política sionista de expansão dos assentamentos na Cisjordânia.  leia mais

Fatos & Crítica 44: O outubro palestino

 

 Notas sobre os quatro meses da guerra Israel-Palestina

 

Ao iniciar essas notas, Israel intensifica bombardeios sobre Rafah, cidade ao extremo sul da faixa de Gaza.  Mais de 50 anos de ocupação e 10 anos de bloqueio tornaram insuportável a vida de 2,1 milhões de palestinos que vivem dentro da Faixa de Gaza que hoje é uma das áreas mais densamente povoadas do mundo, com mais de 5.000 habitantes por quilômetro quadrado. A Faixa de Gaza é menor que cidade de Magé/RJ, mas abriga 8,5 vezes mais pessoas[1].

Em 07 de outubro de 2023 o cerco aos muros da fronteira fortificada e militarizada imposta pelo Estado de Israel à faixa de Gaza foi rompido por combatentes palestinos liderados pelo Hamas[2]. A ação causou cerca de 1.200 mortes e 130 sequestros da população israelense, entre civis e militares, e ganhou destaque na grande mídia, preparando a chamada “opinião pública” para a reação de Israel enquanto “país agredido”, o que viria a acontecer em seguida. Nessas circunstâncias, o retrato do dia 7 de outubro serviu para o Estado de Israel pousar de vítima. Sob o argumento da autodefesa e a perseguição aos “terroristas” do Hamas vemos nesses dias ataques brutais e indiscriminados à população palestina. Até este momento, quase 29 mil palestinos foram mortos, sendo que 70% são mulheres e crianças, contra cerca de 3 mil israelenses, na maior parte militares. Israel conta com um dos maiores poderios bélicos e militares do mundo: são 173 mil militares da ativa e 465 mil na reserva, já mobilizados, contra 20 a 25 mil integrantes das brigadas do Hamas[3].

Inicialmente, podemos ressaltar alguns aspectos latentes desse conflito: do lado palestino, a rebelião armada da Faixa de Gaza foi como uma explosão de uma panela de pressão em reação à tirania sistemática com que o Estado de Israel vem submetendo há décadas a população palestina, e avançando os seus assentamentos sobre o território palestino, além de prisões em massa, inclusive de crianças, e um cerco econômico de meios básicos de vida. leia mais

A vantagem chinesa e o novo ataque do capital contra os trabalhadores na fabricação de Veículos Elétricos

Por Eduardo Stotz em Encontraponto  – 20/01/2024

 


A luta pelo contrato coletivo e a sindicalização dos trabalhadores no sul dos Estados Unidos, onde se concentra a fabricação de veículos com motor elétrico (VE), constitui a maior desafio a ser enfrentado pela United Auto Workers (UAW). Foi o que disse o seu presidente, Shawn Fain, durante a longa greve contra as 3 grandes da indústria automobilística, no final de 2023. Na recente paralisação contra a Tesla na Suécia, o desafio foi colocado no “imediatamente” e não no longo horizonte temporal de quatro anos, como encaminhado pelo dirigente sindical.

Na realidade, o problema está, no momento, situado em escala internacional, nos países onde se concentra o capital da Tesla na produção de veículos de motor elétrico, a saber, nos Estados Unidos, na Alemanha e na China. A empresa retoma a tradição da Ford Motors Company, que só aceitou o sindicato após décadas de luta, em meio à II Guerra Mundial. O presidente da Tesla é um sucedâneo de Ford, com sua alegada liberdade do capital contratar individualmente a força de trabalho em suas condições, oferecendo em troca um salário aparentemente mais elevado e acima da média vigente no mercado, em qualquer país. leia mais

Negociação e luta de classes: matérias do tempo adiante, por João Ferreira

Publicado no blog Encontraponto em 30/12/2023

Podemos afirmar que o espectro da luta de classes delineia-se novamente no horizonte temporal dos países do centro do capitalismo? A análise dos desdobramentos futuros da greve contra as 3 Grandes da indústria automobilística nos EUA[1], apresentada por Labor Notes, levanta esta perspectiva:

Todos os novos contratos propostos expirarão em 30 de abril de 2028. Com quatro anos e meio, eles são mais longos do que os acordos de quatro anos típicos dos contratos recentes das Três Grandes.

Fain disse que o UAW[2] quer dar tempo para que outros sindicatos alinhem os vencimentos de seus contratos com o UAW e entrem em greve juntos em 1º de maio de 2028 – Dia Internacional dos Trabalhadores. “Se quisermos realmente enfrentar a classe bilionária e reconstruir a economia para que ela comece a trabalhar em benefício de muitos e não de poucos”, disse Fain, “então é importante que não apenas façamos greve, mas que ataquemos juntos.”

Fain deu a entender que a luta por uma jornada ou semana de trabalho mais curta poderia fazer parte da campanha contratual do UAW em quatro anos e meio. Uma das exigências públicas do sindicato nesta ronda de negociações foi uma semana de 32 horas com pagamento de 40 horas. Os trabalhadores da indústria automóvel queixam-se frequentemente de serem forçados a fazer horas extraordinárias obrigatórias, incluindo 60 horas semanais (seis dias de 10 horas).

O Primeiro de Maio nasceu de uma intensa luta dos trabalhadores nos Estados Unidos para ganhar uma jornada de oito horas”, disse Fain. “Essa é uma luta que é tão relevante hoje como era em 1889.

Se a possibilidade da luta de classes está assinalada, não é contraditório deixar de apontar para um horizonte revolucionário em troca de um trabalhista, posto referir-se a uma campanha contratual dos operários com exigências colocadas ao grande capital? Por isso mesmo, talvez muitos venham a estranhar o título da presente publicação, uma vez que, num horizonte de ruptura com o capitalismo, negociação e luta de classes consistem termos antagônicos. O título deveria ser, assim, revisto para distingui-los por meio da conjunção “ou”.  Não, reafirmamos o título: negociação e luta de classes. Os motivos serão apresentados na análise a seguir, à luz dos possíveis desenvolvimentos da recente greve contra as 3 Grandes nos EUA que o trecho destacado acima procura ressaltar. leia mais