Arquivo da categoria: Pandemia de Coronavírus

A pandemia do novo coronavírus e a luta dos trabalhadores

Eduardo Stotz
Sociólogo e historiador, pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz
e membro do Centro de Estudos Victor Meyer

 

Capa: Striking Miners’, de John Langley Howard (1902-1999)

 

Resumo

O texto analisa a emergência, dinâmica e desafios postos pela pandemia do novo coronavírus à luta dos trabalhadores. A intervenção dos estados nacionais tem o papel de “salvar” as economias capitalistas e manter o máximo possível de trabalhadores em atividade. Mesmo com a vacinação contra Covid-19, a pandemia deve continuar e a economia permanecerá sujeita a maiores ou menores restrições, o que constitui uma forma de avaliar o grau de exploração operária pela burguesia. No Brasil, a imposição de medidas estatais e das empresas como a suspensão do contrato de trabalho e de redução de salário e jornada permite aos capitalistas avaliar a produtividade e a intensidade do trabalho no processo de produção em termos de extração de mais valia; identificar as áreas ou postos de eficiência/ineficiência; e verificar o quantitativo de trabalhadores a ser contratado/demitido. No contexto do capitalismo mundial, a pandemia pode ser o “novo normal” em que está colocada a possível resistência dos trabalhadores como classe, de modo a superar a profunda, prolongada e ampla defensiva em que se encontram as forças do trabalho frente ao capital. As mobilizações e organizações operárias dotadas de independência política de classe terão de ser reconstruídas, uma possibilidade presente nas  conjunturas em que os trabalhadores nunca deixaram de defender suas reivindicações específicas e as contradições do capitalismo continuam a se desenvolver.

 

Introdução

A pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) constitui um evento sanitário, social e político da época contemporânea superado apenas pelas tragédias das duas guerras mundiais e a da gripe espanhola, todas no século XX.

Contudo, vale perguntar se a pandemia atinge a todos da mesma forma. Porque afinal há quem possa retirar-se da convivência e isolar-se fisicamente em sua residência, enquanto outros se encontram na contingência de continuar a trabalhar, em grande medida de modo mais intenso e a deslocar-se por meio de transporte coletivo na maioria das vezes superlotado, como acontece nas grandes cidades brasileiras.

Desde a expansão mundial da pandemia, em janeiro de 2020, o elevadíssimo número de casos e mortes, a brutal retração da atividade econômica e o desemprego em massa foram, entre outros aspectos, causas de pânico e de revolta em várias partes do mundo.

O presente ensaio analisa a emergência, dinâmica e desafios postos pela pandemia do novo coronavírus na conjuntura de uma história do tempo presente, compreendido entre a segunda quinzena de dezembro de 2019 e a segunda quinzena de maio de 2021.

Após apontamentos sobre a abordagem adotada, o ensaio considera, no tópico “Determinação e origens”, as formas de organização da produção capitalista no surgimento dos vírus mortais.

O desvendamento da natureza da relação entre as dimensões sanitárias e as econômicas e políticas presentes na situação de emergência global do capitalismo em sua fase atual constitui o objeto desenvolvido nos tópicos “Breves registros históricos e aspecto político da pandemia” e “Capitalismo, quarentena e vacinas”.

Por ultimo, no tópico “Pandemia, economia e política: o caso brasileiro” e nos seguintes abordamos a interconexão entre as dimensões sanitárias, econômicas e políticas no Brasil e analisa-se especialmente a situação dos trabalhadores sujeitos à intensificação do trabalho e simultaneamente à maior exposição de sua saúde. leia mais

Fatos & Crítica nº 28: Brasil: o percurso de um Titanic sanitário

Ou como chegamos a este morticínio.

 

Não há nada mais parecido a um fascista do que um burguês assustado.
(Bertolt Brecht)

 

O sol esquentava o cemitério
Onde o soldado jazia em paz
Até que uma noite chegou ao front
Um médico militar
Tiraram então o soldado da cova
Ou o que dele sobrou
E o médico disse
“Tá bom pro serviço
ainda tem muito pra dar!”
(Idem)

 

O homem, meu general, é muito útil:
Sabe voar, e sabe matar
Mas tem um defeito
– Sabe pensar
(Idem)

 

 

Prelúdios de uma longa noite de terror

O primeiro caso da Covid-19 foi confirmado no dia 26 de fevereiro de 2020. Um homem de 61 anos, morador de São Paulo, contraiu o coronavírus numa viagem à Itália entre os dias 9 e 21 de fevereiro. Passado um ano de seu início, a pandemia do coronavírus no Brasil alcançou hoje, 11/03/2021, a marca simbólica e estarrecedora de mais de 270 mil mortos, o equivalente a 3,4 Maracanãs lotados.

Que o coronavírus foi o agente etiológico dessa doença que causou o alto número de óbitos ocorridos até agora, disso não há a menor dúvida. Mas para chegar a essa dimensão monstruosa de mortes, o vírus contou com a enorme colaboração dos comandantes desse verdadeiro “Titanic sanitário” em que vivemos: o país é um navio afundando por negligência de seu comando político e econômico, e tal como o histórico Titanic, escapar vivo do naufrágio é um privilégio da primeira classe. Chegamos até este ponto porque existem responsáveis por essas mortes desenfreadas. Não é obra apenas de um governo tresloucado, habitado por um presidente desequilibrado, seu rebotalho de políticos e de militares dissimulados em administradores. Este governo, antes de tudo, é a expressão dos interesses de uma classe, a burguesia que lhe dá sustentação. Sua espinha dorsal está no consensual programa econômico colocado em prática para aumentar o grau de exploração da classe trabalhadora, aniquilar seus direitos e reduzir investimentos sociais, tornando ainda pior as condições sanitárias precárias em que vive o proletariado brasileiro. leia mais

Contágios na Europa estão mais altos que no início da pandemia, diz OMS

Estadão de 17/09/2020

 

GENEBRA – O nível de transmissão da covid-19 na Europa está mais alto do que na primeira onda da pandemia, entre março e abril, afirmou nesta quinta-feira, 17, a Organização Mundial da Saúde (OMS), que se declarou preocupada com a redução do tempo de quarentena decidida ou planejada por alguns países, como a França.

Novos surtos da epidemia e a maior quantidade de testes, em comparação com a onda de março-abril, levaram o número diário de casos a algo entre 40 mil e 50 mil. Na primeira onda, o dia 1º de abril registrou o recorde de 43 mil contágios, de acordo com a OMS Europa.

 

Abe prometeu que o Japão ajudaria as mulheres a 'brilharem' – elas ainda esperam
Abe prometeu que o Japão ajudaria as mulheres a ‘brilharem’ – elas ainda esperam

 

“Os números de setembro deveriam servir de alerta para todos nós na Europa, onde o número de casos é superior aos registrados em março e abril“, declarou em Copenhague o diretor da OMS no continente, Hans Kluge. leia mais

Sindicato por empresa – a ameaça de um novo atrelamento ao Estado burguês

Ataques aos direitos dos trabalhadores continuam

Coletivo CVM

 

 

A grave crise política, econômica e sanitária não mexeu um centímetro na disposição do governo Bolsonaro para atacar os direitos dos trabalhadores. É notório que a cada momento em que se vê ameaçado pela ação de impeachment, Bolsonaro se ancora no ministro da Economia, Paulo Guedes, um bálsamo para a burguesia por representar o seu programa econômico de consenso. Embora o Congresso viva aparentemente às turras, no jogo de pressões para arrancar vantagens do Executivo, de uma forma ou de outra, ambos acabam convergindo na agenda ultraliberal que visa o arrocho da classe trabalhadora. Toda vez que farsa de conflitos entre os poderes é amenizada pela aprovação de leis de interesse da classe dominante, os representantes do capital se apresentam em público para declarar que as instituições estão funcionando. E se as instituições burguesas estão funcionando, sem dúvida quem perde é o proletariado.

No início deste mês de julho, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, órgão do Ministério da Economia, reuniu o grupo de especialistas organizado com a tarefa de elaborar novos projetos para mudar as leis trabalhistas [1]. Criado no ano passado, o GAET (Grupo de Altos Estudos do Trabalho) é formado por ministros, desembargadores, juízes, advogados e economistas escolhidos a dedo pelos representantes do Capital e assumiu para si a reforma da legislação. Para os trabalhadores, chamar essas medidas de reforma seria a mesma coisa que chamar urubu de meu louro. Não passam de ataques a conquistas históricas de direitos da classe, que foram arrancadas com luta, suor e sangue. leia mais