A pandemia do novo coronavírus e a luta dos trabalhadores

Eduardo Stotz
Sociólogo e historiador, pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz
e membro do Centro de Estudos Victor Meyer

 

Capa: Striking Miners’, de John Langley Howard (1902-1999)

 

Resumo

O texto analisa a emergência, dinâmica e desafios postos pela pandemia do novo coronavírus à luta dos trabalhadores. A intervenção dos estados nacionais tem o papel de “salvar” as economias capitalistas e manter o máximo possível de trabalhadores em atividade. Mesmo com a vacinação contra Covid-19, a pandemia deve continuar e a economia permanecerá sujeita a maiores ou menores restrições, o que constitui uma forma de avaliar o grau de exploração operária pela burguesia. No Brasil, a imposição de medidas estatais e das empresas como a suspensão do contrato de trabalho e de redução de salário e jornada permite aos capitalistas avaliar a produtividade e a intensidade do trabalho no processo de produção em termos de extração de mais valia; identificar as áreas ou postos de eficiência/ineficiência; e verificar o quantitativo de trabalhadores a ser contratado/demitido. No contexto do capitalismo mundial, a pandemia pode ser o “novo normal” em que está colocada a possível resistência dos trabalhadores como classe, de modo a superar a profunda, prolongada e ampla defensiva em que se encontram as forças do trabalho frente ao capital. As mobilizações e organizações operárias dotadas de independência política de classe terão de ser reconstruídas, uma possibilidade presente nas  conjunturas em que os trabalhadores nunca deixaram de defender suas reivindicações específicas e as contradições do capitalismo continuam a se desenvolver.

 

Introdução

A pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) constitui um evento sanitário, social e político da época contemporânea superado apenas pelas tragédias das duas guerras mundiais e a da gripe espanhola, todas no século XX.

Contudo, vale perguntar se a pandemia atinge a todos da mesma forma. Porque afinal há quem possa retirar-se da convivência e isolar-se fisicamente em sua residência, enquanto outros se encontram na contingência de continuar a trabalhar, em grande medida de modo mais intenso e a deslocar-se por meio de transporte coletivo na maioria das vezes superlotado, como acontece nas grandes cidades brasileiras.

Desde a expansão mundial da pandemia, em janeiro de 2020, o elevadíssimo número de casos e mortes, a brutal retração da atividade econômica e o desemprego em massa foram, entre outros aspectos, causas de pânico e de revolta em várias partes do mundo.

O presente ensaio analisa a emergência, dinâmica e desafios postos pela pandemia do novo coronavírus na conjuntura de uma história do tempo presente, compreendido entre a segunda quinzena de dezembro de 2019 e a segunda quinzena de maio de 2021.

Após apontamentos sobre a abordagem adotada, o ensaio considera, no tópico “Determinação e origens”, as formas de organização da produção capitalista no surgimento dos vírus mortais.

O desvendamento da natureza da relação entre as dimensões sanitárias e as econômicas e políticas presentes na situação de emergência global do capitalismo em sua fase atual constitui o objeto desenvolvido nos tópicos “Breves registros históricos e aspecto político da pandemia” e “Capitalismo, quarentena e vacinas”.

Por ultimo, no tópico “Pandemia, economia e política: o caso brasileiro” e nos seguintes abordamos a interconexão entre as dimensões sanitárias, econômicas e políticas no Brasil e analisa-se especialmente a situação dos trabalhadores sujeitos à intensificação do trabalho e simultaneamente à maior exposição de sua saúde.

 

Abordagem adotada no estudo

Cada forma de organização produtiva e social conhecida na história da humanidade comporta uma dinâmica específica de relação entre populações humanas e microorganismos, com a correspondente expressão dos fenômenos coletivos de morbi-mortalidade. Esta dinâmica implica a existência de representações sobre a doença, a morte e as formas de lidar com estes eventos, sempre determinados pelos conflitos sociais fundamentais de cada uma destas formas de organização.

Na sociedade organizada com base no modo de produção capitalista a busca do controle dos processos epidêmicos implicou, durante o século XIX, uma divisão entre os defensores e opositores do contagionismo. Para os primeiros, impunha-se a quarentena das pessoas e das mercadorias, medida muito antiga já em vigência desde os tempos da pandemia da peste negra na Europa do século XIV, reconhecida como indispensável para deter o surto epidêmico e sua expansão. Os anticontagionistas defendiam como alternativa a limpeza das comunidades urbanas e se opunham à quarentena. Terris (2005) transcreve uma passagem bastante esclarecedora de Erwin Heinz Ackernecht sobre a relação entre ciência, política pública e interesses econômicos, que aqui reproduzimos:

As quarentenas significavam, para a classe rapidamente crescente dos comerciantes e industriais, uma fonte de perdas, uma limitação à expansão, uma arma do controle burocrático que eles não queriam mais tolerar, e esta classe estava muito naturalmente, com sua imprensa e deputados, seus recursos materiais, morais e políticos, por trás daqueles que mostravam que o fundamento científico da quarentena não existia, os quais, de qualquer jeito, eram geralmente filhos dessa mesma classe. O contagionismo se tornou, através de sua associação com as velhas forças burocráticas, suspeito para todos os liberais que tentavam reduzir a interferência do estado a um mínimo. [1]

Apesar dos interesses em jogo, as doenças eram vistas sempre sob um ponto de vista externo ao processo de acumulação de capital. Exceção deve ser feita aos pensadores da Medicina Social (Virshow, Guérin, Villermé) que propuseram reformas sanitárias durante o período revolucionário de 1848, defendendo o princípio da relevância dos efeitos das condições econômicas e sociais sobre a saúde e a doença e que, em consequência, as medidas para combater a doença deveriam ser tanto sociais como médicas (Rosen, 1994). Mas esta posição foi derrotada junto com as revoluções democrático-burguesas na França e na Alemanha.

Quando um ponto de vista contrário à teoria miasmática da doença – e da concepção aristotélica de geração espontânea de vida que lhe era inerente – surgiu com a bacteriologia, a unidade entre capital e ciência tomou forma e se tornou hegemônica. O começo da era da medicina científica em que ainda nos encontramos teve seu expoente em Louis Pasteur. Contudo, ele não era o único. Latour (1988) pergunta sobre as razões do sucesso de Pasteur e responde com sua teoria de “ciência em ação”. Assinala uma rede de forças operando na direção em que ele se encaminhava, a saber, o movimento de saúde pública, os médicos e os interesses coloniais. Acrescentemos: e os interesses capitalistas.

A bacteriologia, com aplicação de vacinas para combater agentes etiológicos específicos, centrada numa compreensão unicausal, permitiu a prevenção das doenças, solução técnica para problemas sociais e de legitimação do Estado. Contudo, a emergência de novas doenças infecciosas, reemergência de doenças que se acreditava erradicadas e o crescimento das doenças crônicas não infecciosas acentua o reducionismo da tradição científica dominante na Saúde Pública, sustentada na Epidemiologia, centrada na identificação, compreensão e intervenção sobre elementos isolados (agentes etiológicos) e fatores de risco no nível individual deslocados das mudanças e circunstâncias históricas que determinam os modos de produção e reprodução humana e as alterações nas relações com patógenos, vetores e o ambiente (Levins, 2000). Em que pese a derrota política da Medicina Social em 1848, os reformistas sociais e médicos continuaram ativos na Europa e América. As lutas dos operários ingleses para reduzir a jornada de trabalho e a proteção das mulheres e das crianças nas fábricas têxteis na década de 1850 obtiveram apoio desses reformistas e as reivindicações conseguiram transformar-se em leis, de modo que é válida a suposição de que a saúde era (e continua a ser) luta.

Quando se pensa o processo saúde-doença em termos de prevalência e distribuição na sociedade é fundamental entender a relação de tal processo sanitário com o modo de exploração da força de trabalho e o papel desempenhado pelo exército de reserva para a acumulação de capital. Na medida em que estamos a falar deste tipo de relação social, teremos de admitir seu caráter conflitivo. A determinação da saúde e da doença pelo capital é sempre sobredeterminada pela luta de classes. Evan Stark (1977) aponta este aspecto com bastante clareza, ao observar como as epidemias tensionam a relação entre capital e trabalho e levaram à intervenção do Estado.

A problemática é recolocada sempre que o contexto de infecções epidêmicas obriga a estabelecer medidas de controle sanitário. O enfrentamento da pandemia reside no campo da política e esta, por sua vez, implica a percepção pública dos riscos à saúde acarretados, de um lado, pelas condições da atenção à saúde (sobretudo hospitalar) e, por outro, pela defesa dos interesses dos distintos grupos sociais numa sociedade de base capitalista. Stark (1977) afirma que medidas de enfrentamento da crise sanitária são adotadas conforme os conflitos políticos implicados no curso das epidemias.

 

Determinação e origens

As informações iniciais da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicaram as origens da epidemia relacionadas aos casos em trabalhadores vinculados ao mercado Huanan, em Wuhan. Mas os argumentos contrários levantados por Wallace (2020) em 29 de janeiro de 2020 sugerem uma determinação mais complexa. O autor, admitindo evidências epidemiológicas a favor da hipótese oficial, afinal uma parte pequena das amostras feitas no mercado Huanan (5,64%) foi positiva para Covid-19, observa que deste percentual apenas 41% provinha das ruas do mercado onde a vida selvagem estava alojada. Mais importante: “25% dos infectados originais nunca visitou o mercado de Wuhan ou esteve diretamente exposto. O caso mais antigo foi identificado antes de o mercado ser atingido.”

Muitos dos primeiros casos foram associados ao mercado de Huanan, mas um número semelhante de casos foi associado a outros mercados e alguns não estavam associados a nenhum mercado. Transmissão dentro da comunidade mais ampla em dezembro pode ser responsável por casos não associados ao mercado de Huanan, que, juntamente com a presença de casos iniciais não associados a este mercado, poderia sugerir que o mercado Huanan não foi a fonte original do surto.

Mais de um ano depois do artigo de Wallace (2020), o estudo sobre as origens do SARS-CoV-2, organizado pela OMS (WHO, 2021) e divulgado em 30 de março de 2021, incluiu as considerações acima sem, contudo, esboçar nenhum desenho conclusivo acerca do papel do mercado Huanan ou de outro mercado em Wuhan na origem do surto nem de como a infecção foi introduzida nestes mercados.

Com base em Wallace (2016) a explicação remete à relação da etiologia das epidemias recentes (como a da gripe aviária, em 2003, e a da gripe suína, em 2009) com o sistema capitalista em dois níveis: com o agronegócio (a organização capitalista da agricultura para o mercado em larga escala) e a expansão da fronteira agrícola e a indústria extrativista (como madeira e mineração). O autor destaca a importância da inter-relação entre esses níveis em países cuja paisagem rural é caracterizada por um agronegócio desregulamentado em que a relação entre grandes e pequenas fazendas tende a expandir a fronteira agrícola floresta adentro e funciona como uma “panela de pressão evolutiva” (Chuang, 2020) quando colocam em contato animais selvagens (reservatórios de vírus) e domésticos e propiciam a chamada transferência zoonótica para os seres humanos.

Segundo Wallace et al (2020), o foco nas áreas de surgimento do surto dificulta a identificação das relações compartilhadas pelo capital monopolista e financeiro em escala global que “moldam as epidemiologias”. Esse capital fomenta formas intensivas e extensivas da produção agroindustrial (como a de alimentos, por exemplo, a indústria de carnes, sobretudo, aves e suínos), induzindo alterações no uso da terra, especialmente pela expropriação e expulsão de grandes contingentes da população nativa, construção de estradas e avanço da urbanização com degradação ambiental, tudo favorecendo o surgimento de novos patógenos e doenças.

Preparar carne de caça e realizar enterros domésticos são duas práticas responsabilizadas pelo surgimento de novos patógenos. Traçar geografias relacionais, em contraposição, repentinamente transforma Nova York, Londres e Hong Kong, principais fontes de capital global, em três dos piores pontos de acesso do mundo. (Wallace et al., 2020)

É fundamental assumir o desafio de pensar a pandemia no contexto da produção capitalista, sobretudo, a agropecuária (WALLACE, 2020). Vozes nesta direção, ainda que sem todas as consequências necessárias, já se haviam manifestado anteriormente, mas voltaram a ser escutadas, em julho de 2020, quando o tema das causas da pandemia foi colocado em destaque. Uma referência é Delia Grace, epidemiologista e veterinária do Instituto de Recursos Naturais da Universidade de Greenwich, em Londres, e membro do Instituto Internacional de Investigações Pecuárias, com sede no Kenia. Ela é uma das responsáveis pelo Informe “Preventing the next pandemic: Zoonotic diseases and how to break the chain of transmission” (UNEP, 2020). Para Delia Grace, a menos que se identifiquem as causas da crise sanitária teremos mais pandemias.

Estendendo o período e os resultados de uma pesquisa realizada por Kate Jones et al. (2008), da University College of London, Delia Grace et al. (2012), afirmam que 75% das doenças infecciosas emergentes entre 1934 e 2011 são zoonóticas e tiveram como fonte animais selvagens, os quais lograram atingir seres humanos mediante a “ponte” dos animais domésticos, especialmente frangos, porcos e outros tipos de gado. O que impulsiona a emergência de pandemias como a do novo coronavírus, antecedida pelas chamadas gripes aviária e suína, afirma Delia Grace, consiste na demanda de proteína de origem animal, acarretando um aumento da pecuária em escala industrial. Animais que passam por seleção genética, pertencentes a mesmos tipos genéticos similares, vacinados, alimentados para crescer o mais rápido possível e estressados a tal ponto por estas condições de crescimento que sofrem uma vida de dor agonizante devido a lesões nas pernas e patas. E animais estressados sofrem, tem seus sistemas imunológicos debilitados e tal como os seres humanos, a baixa na imunidade favorece o adoecimento. Também o comércio de longa distância de suínos, com a transferência de animais nascidos ou criados em uma região e abatidos em outra, tanto no interior de um país como entre países (por exemplo, entre México, Estados Unidos, China e Europa) favorece a interação acelerada entre diversos vírus diferentes e a evolução com a formação de novos vírus pandêmicos. Ademais, em muitos países, como o México no caso da gripe suína (2009) e a China no da gripe aviária (2003), as medidas de biossegurança tem se mostrado bastante falhas, permitindo o contato e o transbordamento de vírus entre animais silvestres e animais de pecuária industrial e para os seres humanos. Um processo em curso também no Brasil como expresso no surgimento de uma nova variante (H1N2) da Influenza A com potencial pandêmico, identificada em junho de 2020 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a partir de um caso de uma operária de 22 anos de um frigorífico de carne suína do Paraná que adoeceu em abril de 2020 e se recuperou.

Esta explicação para a determinação das origens da pandemia, obviamente, foi recusada pelo establishment. Donald Trump, quando à frente do governo dos Estados Unidos da América, apontou a origem laboratorial do vírus, desencadeando polêmica com o governo da República Popular da China. A denúncia apresentada pelo governo americano de que o vírus pode ter escapado acidentalmente do laboratório de virologia em Wuhan foi descartada pelo estudo das características genômicas do SARS-CoV-2 realizado por pesquisadores das universidades dos Estados Unidos, Austrália e Reino Unido: “o SARS-CoV-2 não é uma construção de laboratório ou um vírus propositadamente manipulado” (Andersen et al., 2020), ou seja, recusando “qualquer tipo de cenário laboratorial” como explicação plausível para a origem do vírus. No entanto, embora a equipe internacional de pesquisadores, responsável pelo estudo organizado pela OMS (WHO, 2021), considerar a hipótese de incidente de laboratório “extremamente improvável”, no momento da divulgação pública do relatório, o diretor geral da OMS enfatizou que esta hipótese “requer uma investigação mais aprofundada”.[2] Em carta publicada na Sciense, Bloom e mais 17 pesquisadores (2021) reafirmaram esta posição do diretor-geral da OMS e concordaram com a declaração conjunta dos Estados Unidos e 13 outros países e com a declaração da União Européia por uma investigação mais ampla, transparente e independente sobre as origens da pandemia.[3] Por trás da exigência de pesquisa a respeito das origens da pandemia, prosseguem, agora com o governo Biden, os desdobramentos das disputas imperialistas entre EUA e China pela liderança econômica e o desenvolvimento das tecnologias 4.0 na produção com interface geopolítica e militar (Stotz; Pina, 2020a).

Na atual conjuntura internacional estes conflitos atravessam tanto o desafio político das medidas de enfrentamento da crise sanitária como a produção de conhecimento científico sobre a compreensão dos fenômenos no curso da pandemia.

 

Breves registros históricos e aspecto político da pandemia

Apesar da informação (rumores) da ocorrência de uma epidemia grave na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China (Chuang, 2020), oficialmente a OMS recebe alerta do governo daquele país somente no dia 31 de dezembro de 2019 a respeito de casos de pneumonia. Uma semana depois, as autoridades chinesas confirmam a identificação de um novo tipo de coronavírus. No final de janeiro de 2020 a OMS declara que o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional. O número de casos cresce rapidamente na China e na Ásia, expandindo-se para os Estados Unidos da América, Canadá e alcançando o continente europeu. No dia 11 de fevereiro de 2020 o vírus recebe o nome de SARS-CoV-2, sendo considerado responsável por causar a doença desde então conhecida pela sigla COVID-19. Então, somente em 11 de março a OMS declara a pandemia do novo coronavírus.

A relutância dos Estados líderes da economia mundial em adotar medidas de controle eficazes é destacada por Dardot e Laval (2020). Os autores ressaltam a onda de chauvinismo nacional e demonstram como cada país deu as costas uns para os outros para o deleite da extrema-direita europeia e global. Reconhecem assim o que a União Europeia tem sido: uma organização multinacional baseada na concorrência econômica generalizada entre países sob a hegemonia alemã. Revoltas, greves[4] e ameaça de colapso dos sistemas de saúde são necessárias para que medidas como a quarentena, distanciamento social e lockdown com interrupção de atividades econômicas sejam finalmente assumidas pelos governos.

Observamos então as características da dinâmica política das epidemias apontadas por Evan Stark (1977) no caso da febre amarela em New Orleans, no ano de 1853 por ele estudado: surto; negação pelas autoridades e fuga dos burgueses; colapso da autoridade e desafio da população trabalhadora, com a tentativa de reconstruir a saúde em seus próprios termos; declaração da epidemia pelas autoridades para restaurar a ordem burguesa, tornando a paralisação dos negócios oficial e instituindo as medidas governamentais de controle. Assim, ao final, a autoridade é reconstituída, inclusive com a oficialização das iniciativas populares menos ameaçadoras, absorvendo-as na ação estatal (Iturri, 1994) e a sociedade pode então voltar à “normalidade” de seu cotidiano opressivo.

A intervenção dos estados-nacionais tem o importante papel de evitar a falência das economias de modo a “manter o máximo possível de mão-de-obra ativa”, abandonando os escrúpulos quanto aos gastos públicos sem limites para “salvar” as economias. Wallace et al (2020) observam pertinentemente:

O fracasso em se preparar e reagir ao surto não começou apenas em dezembro, quando países ao redor do mundo não responderam quando o COVID-19 saiu de Wuhan. […] As falhas foram na verdade programadas décadas atrás, à medida que os bens comuns da saúde pública eram simultaneamente negligenciados e monetizados.

É o que também aponta Raquel Varela (2019), ao associar a paulatina crise do Welfare State, nascido em 1945, com o fortalecimento da União Européia, instituída em 1993, e a adoção do condicionamento financeiro, mediante “responsabilidade fiscal”, para a ampliação quantitativa e qualitativa da atenção à saúde provida pelos governos enquanto direito social.[5]

 

Capitalismo, quarentena e vacinas

A compreensão da natureza das intervenções sanitárias e sua relação com as medidas econômicas e políticas presentes na atual situação de emergência global somente é lograda quando situada no contexto do capitalismo em sua fase atual.

Conforme mencionado por Wallace et al. (2020), os “circuitos do capital” nas atuais formas de organização da produção e circulação de mercadorias just-in-time, estruturadas em cadeias globais de valor (CGV), constituem os meios de propagação acelerado da epidemia. Em poucas semanas o novo coronavírus se espalhou para aglomerados populacionais em grandes centros urbanos, e destes para cidades médias e o interior de cada país.

Projeções iniciais para os EUA apontavam a necessidade de medidas de distanciamento social intermitente até 2022 e a extensão da vigilância da doença até 2024 com a possibilidade de ressurgimento do contágio (Kissler et al., 2020). Esta projeção está assentada na estratégia de mitigação, indicada para “achatar a curva epidêmica” e evitar a sobrecarga do sistema de saúde, adotada pelos governos de países como da Europa e EUA.

As medidas orientadas pela mitigação mantêm a convivência com o vírus e prolonga a pandemia, expressão da incompatibilidade do capitalismo em empregar medidas não farmacológicas amplas e estritas nos moldes da supressão ou eliminação do vírus. Essa tipificação (mitigação e supressão) envolve graus variados de intervenção estatal com impactos diferentes na economia e no número de doentes e de mortos ao longo do tempo de duração da pandemia (Oliu-Barton et al., 2021). No entanto, Wallace et al (2020) advertem que qualquer tipo adotado acaba por deixar de lado a necessidade de que as causas estruturais também deveriam fazer parte das medidas emergenciais.

Com a mitigação, as medidas adotadas para enfrentamento da pandemia têm sido endurecidas ou abrandadas de acordo com a difícil equação entre a capacidade do sistema de saúde, o aumento ou diminuição do número de casos, internações e mortes e as exigências econômicas do capitalismo em diferentes países, com distintos interesses de classe envolvidos.

A pandemia e as medidas para seu enfrentamento não atingem a todos da mesma forma. Mantidos em atividade, circulação ou sem condições para efetivamente exercer o distanciamento social e dispor de grande parte das medidas de higiene necessárias, os trabalhadores são os mais expostos e os que mais adoecem e morrem por Covid-19. Vale registrar aqui o comentário de Flora Espejo, enfermeira do Centro de Saúde Buenos Aires, no bairro operário Vallecas, em Madri, na Espanha, num vídeo copiado por um internauta: nas imagens, diante da sobrecarga dos serviços da atenção primária em atender à população, Flora aponta, ao invés de responsabilizar os profissionais, em que consiste o verdadeiro problema ao perguntar: quem tem de trabalhar, quem precisa se locomover, quem está sem trabalho, quem deve viver numa família de seis a oito pessoas em 45 metros quadrados, quem são? A classe operária, responde ela. E ademais, os responsáveis pela gestão pública – uma referência à presidente da Comunidade de Madri, Isabel Díaz Ayuso, do Partido Popular, vista pelos comentaristas da notícia como defensora do “liberalismo y libre mercado com glamour” – não tem ideia do que eles estão sofrendo e como são maltratados.[6]

Outro exemplo, agora da França, é o do bairro de Saint-Denis, em Paris, mais conhecido do ponto de vista turístico por localizar o estádio Nacional construído pela FIFA para a Copa do Mundo de 1998 do que pela significativa população árabe do Magreb residente no que, antes de 1980, fora uma área operária. O elevado nível de trabalho informal e de desemprego, a criminalidade e a brutalidade policial entre a população imigrante na França conduziram os jovens a uma onda de distúrbios que em 2005 tiveram epicentro em Saint-Denis. A população do bairro continua a sofrer dos mesmos problemas, agravados na pandemia com uma das mais altas taxas de mortalidade por Covid-19 e agora tem sido, novamente, alvo da discriminação política. A propósito do confinamento desta população, Hamza Esmili, sociólogo e professor de Paris VIII, observou em abril de 2020 que a medida do confinamento, apesar de necessária para frear a pandemia, pressupunha uma realidade inalcançável:

El confinamiento es un concepto burgués. La idea es que todos tengamos una casa individual, un poco burguesa, en la que podamos refugiarnos cuando haya una pandemia o un desastre natural. Pero lo que veo en los barrios pobres no es para nada eso. Existe una realidad rodeada de condiciones insalubres, pero no solo eso. En este tipo de barrios, hay casas en las que viven cuatro o cinco personas por habitación, por ejemplo. También hay viviendas que no son habitables, en las que no puedes quedarte todo el día, porque prácticamente el espacio no se presta para ello.[7]

Qualquer semelhança com os nossos bairros populares e favelas não é mera coincidência: estamos falando da realidade social no capitalismo.

Neste contexto, a vacina contra Covid-19 representa o maior investimento dos governos dos principais países da economia global e, notadamente a partir de dezembro de 2020, passou a status de medida central para controlar a pandemia. Estados capitalistas como EUA, China, Reino Unido e os da União Européia dominam a pesquisa, desenvolvimento e a produção global de vacinas contra a Covid-19, bem como a cadeia de produção e distribuição dos insumos, ingredientes e matérias-primas necessárias a sua fabricação. Acentuando a onda de chauvinismo nacional, a vacinação como medida farmacológica de controle da pandemia também está inserida na competição entre os Estados líderes pela primazia em alcançar mais rapidamente o retorno do crescimento econômico. Além disso, sob o eufemismo de “diplomacia da vacina”, a utilização das vacinas inserida nas disputas produtivas, comerciais e geopolíticas, como pela ampliação das zonas de influencia e acordos em áreas tecnológicas, a exemplo do 5G, e por maiores espaços de poder global, notadamente entre China e EUA. A situação da pandemia de Influenza H1N1, em 2009, reproduz-se agora em escala ampliada e de maior acirramento interestatal.

O investimento público desde a pesquisa-desenvolvimento até a compra das vacinas contra Covid-19 somada a proteção conferida por esses Estados ao monopólio da indústria farmacêutica sobre a cadeia de produção e distribuição dos imunizantes assegura-lhes a contratação da maior parte da capacidade de fabricação disponível e a primazia no recebimento das doses, além de limitar a disponibilidade e dilatar o tempo de fornecimento das vacinas ou de insumos para fabricação aos demais países (Callaway, 2020).[8] Até 04 de maio de 2021, 769,37 milhões ou 64,6% das 1,19 bilhões de doses de vacinas aplicadas em todo mundo foram administradas nos EUA (247,77 milhões ou 20,8%), China (284,6 milhões ou 23,9%) e Europa (237,0 milhões ou 19,9%), enquanto apenas 79,43 milhões de doses ou 6,66% do total nos países da América do Sul e 19,01 milhões ou 1,59% nos da África.[9]

Além disso, a vacinação por si só não deve ser suficiente para controlar a pandemia, muito menos no curto prazo, devido à indisponibilidade de imunizantes para aplicação na grande maioria da população global, a desigual distribuição e aplicação das doses segundo os países, e mesmo internamente em cada país, a incerteza quanto à eficácia das vacinas para evitar a transmissão[10] e com relação ao surgimento de variantes de preocupação ou de novas cepas de maior virulência. Muitas ações simultâneas e combinadas de saúde pública ao longo do tempo, e não apenas a vacinação, são necessárias para controlar e conter um vírus, como ensina o exemplo histórico da erradicação da varíola (Bhattacharya, 2010). Estimativas para o Reino Unido apontam que a remoção antecipada de medidas de saúde pública como distanciamento social e uso de máscaras sem completar a vacinação pode acarretar novas ondas de infecções e mortes por Covid-19 (Moore et al., 2021).

A campanha de vacinação não está isenta de desigualdades e das clivagens de classes e estratificações socioculturais baseadas em classes. É o que podemos observar em Washington, capital dos EUA, centro político do capitalismo: considerando a mesma faixa etária e o mesmo período de aplicação, as regiões pobres – em que reside majoritariamente a população trabalhadora e negra, as mais atingidas pela pandemia – têm índice de vacinação mais baixo do que nas regiões de alta renda.

Isto nos conduz ao papel desempenhado pelo conhecimento científico no esclarecimento dos fenômenos da pandemia. Diversos cientistas têm manifestado a opinião contrária à visão reducionista do conhecimento e a forma simplificadora das ações de enfrentamento da pandemia. Richard Horton (2020), editor-chefe da prestigiosa revista científica The Lancet, criticou o simplismo da ideia de risco de adoecimento e morte associado a comorbidades para destacar a interação entre o vírus da Covid-19 e doenças não-transmissíveis no contexto social e ambiental marcado por “profunda desigualdade social”. Por isso dever-se-ia falar em “sindemia”, ao invés de pandemia, um neologismo que combina sinergia e pandemia, introduzido por antropólogos médicos (Singer; Clair, 2003) para explicar a interação mencionada por Horton (2020).

Na raiz da dificuldade de compreensão científica está a própria abordagem reducionista da qual as ciências, principalmente as da saúde, têm sido historicamente subsidiárias, isolando aspectos biológicos de sociais e tendendo sempre à especialização. Em contrapartida, devemos buscar uma aproximação dos fenômenos da pandemia baseada na complexidade, quer dizer, na totalidade concreta e histórica dos fenômenos em estudo, considerando diferentes níveis de determinação e sobre-determinação ou condicionamento e a sua diversidade, tal como apontada por Richard Levins (2000; 2016) e desenvolvida por Wallace (2020).

Contudo, o establishment resiste. E, apesar de todas as evidências contrárias, os interesses monopolistas da indústria da saúde e o olhar biomédico prevalecem. Talvez seja a razão pela qual o editor-chefe da Lancet faça uma declaração tão peremptória:

[…] não importa quão eficaz seja um tratamento ou proteção de uma vacina, a busca por uma solução puramente biomédica para COVID-19 fracassará. (Horton, 2020)

Mesmo com a vacinação a pandemia deve se prolongar e não há indícios claros de sua superação em futuro imediato. Assim, a dinâmica da pandemia supõe manter a atividade econômica sujeita a maiores ou menores restrições e interrupções. E a continuidade do trabalho em condições mais restritas constitui uma forma de avaliação da produtividade. O prolongamento da pandemia ou a pandemia como o “novo normal” significa que a burguesia precisa aprender a explorar a força de trabalho neste contexto indefinido e perene.

 

Pandemia, economia e política: o caso brasileiro

No Brasil, o governo federal declara a epidemia do novo coronavírus Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional no dia 3 de fevereiro de 2020. Até a conclusão da redação deste ensaio (18/05/2021), a estatística da Covid-19 no Brasil  mostra um painel evolutivo do primeiro caso confirmado em 26 de fevereiro e do primeiro óbito em 12 de março de 2020 para atingir 15.735.485 de pessoas infectadas e 439.379 mortas em 18 de maio de 2021.

A determinação desta tragédia social está delineada na história do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo no Brasil e caracterizada pela reprodução da aguda situação sanitária, especialmente dos trabalhadores, agravada nas últimas décadas e manifesta do ponto de vista da saúde nas epidemias de dengue, zika, chikungunya, febre amarela e das doenças cônicas não infecciosas, assim como pelas medidas adotadas (ou não) pelos governos federal, estaduais e municipais e pelas empresas. Esta caracterização se faz presente no curso da atual pandemia.

Nossa atenção no presente tópico está centrada na análise da dinâmica e desafios postos aos trabalhadores na conjuntura atual pautada, do ponto de vista governamental, pelo curso da pandemia.

A negação da pandemia foi assumida como política pelo governo federal. Em 16 de março o presidente Jair Bolsonaro faz uma declaração reveladora numa entrevista concedida à Rádio Band: “Se a economia afundar, afunda o Brasil”, disse. “Se a economia afundar, acaba o governo. Há disputa de poder nisso daí.” A última frase revela a intenção de jogar a responsabilidade da crise econômica sobre as medidas de restrição das atividades adotadas no mesmo mês por governos estaduais e municipais, naquele momento os principais focos da epidemia no país (São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus).

Embora tenha adotado inicialmente algumas medidas legais para o enfrentamento da emergência em saúde pública, como “isolamento” e “quarentena”, constantes no Decreto n. 10.212, de 30 de janeiro de 2020, e na Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, o governo federal abdicou coordenar uma resposta nacional com estados e municípios. Pelo contrário: atuou em sentido oposto à contenção da circulação e transmissão do vírus.

O próprio Luiz Henrique Mandetta, quando à frente do Ministério da Saúde (MS), que publicamente defendeu medidas recomendadas pela OMS para “achatar a curva epidêmica” como o distanciamento social implantado pelos estados e municípios, passou a preconizar sua flexibilização ainda em abril de 2020, em um momento de plena expansão da Covid-19 nestas regiões (AQUINO et al., 2020). A recomendação para flexibilizar e suspender o distanciamento social com base nos critérios definidos em 06 de abril pelo MS estão limitados à capacidade dos serviços de saúde, em particular leitos de UTI, sem considerar indicadores de vigilância epidemiológica como taxa de transmissão da Covid-19 (Rt), capacidade de testagem para diagnóstico e isolamento dos doentes e quarentena dos contatos, evolução dos casos e mortes em cada local do país (AQUINO et al., 2020).

Ocorre que a capacidade dos serviços de saúde também foi assumida como critério definidor nos planos de enfrentamento da pandemia lançados pelos governos estaduais e municipais. Inclusive por governantes que protagonizam um embate público com o governo federal na adoção de medidas de controle de pandemia. Nesse sentido, vejamos, por exemplo, o “Plano São Paulo” lançado pelo governo do estado no final de maio de 2020. As medidas de restrições ou liberação para o funcionamento do comércio e dos serviços, segundo a classificação da Região, estão definidas em termos de média da taxa de ocupação de leitos de UTI para pacientes com Covid-19, número de novas internações e o número de óbitos. Ou seja, capacidade dos serviços de saúde somente em termos de rede hospitalar. Não considera indicadores de vigilância epidemiológica nem menciona a atuação da atenção primária a saúde, dos agentes comunitários de saúde, e toda rede de saúde do SUS, enfraquecendo ainda mais as insuficientes ações de vigilância em saúde.

Nos planos governamentais, as medidas de restrições como distanciamento social não visam o efetivo controle da epidemia, e sim monitorar a disponibilidade dos serviços (leitos hospitalares) de saúde. E mesmo assim, a liberalização das tímidas e insuficientes medidas restritivas tem acontecido mantendo altas taxas de ocupação de leitos exclusivos para Covid-19 nos hospitais.

Esses indicadores e critérios adotados pelos planos governamentais permitem abrandar e suspender as medidas de restrição mesmo com a epidemia em expansão. Ou seja, sem uma queda sustentada e contínua da taxa de transmissão do vírus, do número de casos e óbitos diários por algumas semanas, mantendo estes indicadores em patamares bem altos.

É o que observamos na primeira onda da Covid-19 no país. A curva dos óbitos estacionou em um platô próximo de mil mortes diária na média móvel (7 dias) desde o final de maio até agosto de 2020. Após uma queda até pouco mais de 300 óbitos diários, a média móvel de mortes retoma seu crescimento em novembro, iniciando uma segunda onda sem a completa descida da primeira. Em meados de janeiro de 2021 a média móvel ultrapassa novamente 1.000 mortes diárias, patamar em que se mantém por 118 dias seguidos, até a data de conclusão deste ensaio (18/05/2021), sendo que, a partir de 16 de março de 2021, a média móvel fica acima de 2.000 mil mortes por dia, alcança o pico de 3.125 óbitos na média no dia 12 de abril, mantendo-se acima das duas mil mortes por 55 dias seguidos. No país, em menos de quatro meses (de 01 de janeiro até 25 de abril) de 2021 ocorreram 195.949 óbitos por Covid-19, mais do que as 194.976 mortes em todo ano de 2020.

Além disso, pesquisadores advertem para a possibilidade de uma crise sanitária ainda mais grave com permanência de elevadas taxas de transmissão, positividade dos testes, casos, internações e mortes.[11] Estimativas realizadas por pesquisadores nacionais e internacionais considerando o ritmo de vacinação projetam um novo pico de óbitos por Covid-19 para o segundo semestre de 2021. [12]

A vacinação no país iniciada em 17 de janeiro de 2021 até o momento não conseguiu e possivelmente no curto prazo não conseguirá conter consideravelmente o ritmo acelerado de casos, internações e mortes, o que torna ainda mais importante manter medidas de distanciamento social, tanto mais com as incertezas quanto ao cumprimento dos prazos de produção, entrega dos insumos e doses, contratação e chegada de vacinas de outros fabricantes, ritmo da vacinação, duração da imunidade e o surgimento de variantes de preocupação.

A desigualdade de classes sociais e as estratificações socioculturais baseadas em classes também caracterizam a campanha de vacinação contra Covid-19 no país. O critério por faixa etária adotado na definição dos grupos prioritários para vacinação desconsidera o contexto das condições de vida, trabalho, moradia e utilização dos transportes públicos. Por conseguinte, prioriza segmentos com maior longevidade presentes na burguesia e na pequena burguesia com menor exposição e melhor condição para se proteger em relação aos grupos com maior exposição, adoecimento e morte, notadamente a imensa maioria dos trabalhadores e a população proletarizada nas periferias e bairros populares. Em Belo Horizonte, a mortalidade por Covid-19 em 2020 entre os idosos com 75 anos ou mais foi de 409 mortes por 100 mil nas áreas consideradas de baixa vulnerabilidade social mas alcançou 874 mortes por 100 mil nas áreas de alta vulnerabilidade. Nessas áreas, dentro da faixa etária entre 40 a 59 anos, esse índice salta de 12 para 56 mortes por 100 mil, respectivamente (Passos et al., 2021). Resultado semelhante foi encontrado em estudo no estado de São Paulo: a probabilidade de ser hospitalizados e morrer é maior entre os pacientes residentes nas áreas mais pobres quando comparado aos das áreas mais ricas (Li et al., 2021). Nas áreas de baixa renda, como nas comunidades populares, onde se encontra a menor concentração de idosos do que nas áreas alta renda, é praticamente inviável dispor de condições efetivas para manter o distanciamento e por longo tempo pela necessidade de sair para trabalhar com utilização de transporte público, precária estrutura domiciliar, maior número de comorbidades e menor acesso aos serviços de saúde (Li et al., 2021; Passos et al., 2021). Assim, a vacinação nas áreas de maior renda da cidade de São Paulo pode ser mais que o dobro ou, considerado apenas o critério idade, até mais de cinco vezes da imunização registrada nas regiões mais pobres (Marino et al., 2021).

A vacina é considerada como “bala de prata”, notadamente pela imprensa, governos ou mesmo por parcela significativa dos pesquisadores (Guimarães, 2020). Especialmente a partir do final de 2020, o embate político dominante, expresso na grande imprensa, sobretudo de parte de governantes dos estados em relação ao governo federal, deslocou-se das medidas de quarentena e distanciamento social para a vacinação.

Apesar do recrudescimento da pandemia em 2021 com a transmissão do vírus disseminada e descontrolada em todo país, seu controle continuou sendo visto pelo presidente Jair Bolsonaro como um exagero porque comprometeria o crescimento econômico, o que tem motivado reiteradas manifestações com a intenção de editar um decreto ou acionar o STF contra as medidas restritivas adotadas pelos estados.

Por sua vez, as medidas restritivas nos estados e municípios foram tardiamente adotadas, mais brandas, suspensas antecipadamente e menos efetivas em termos de aumento do isolamento social e diminuição da circulação das pessoas em relação ao (insuficiente) distanciamento social implantado em março/abril de 2020. Assim, o recrudescimento da pandemia afetou menos a atividade econômica e o mercado financeiro revisou para cima as estimativas de crescimento do PIB em 2021, com destaque para a perspectiva de retomada da indústria como nos setores da metalúrgica, química e farmacêutica.

Cabe ressaltar que no “Plano São Paulo”, mesmo na “fase emergencial” – a de maior gravidade e restrição –, atividades como indústria, construção civil, hotelaria, locação de automóveis, feiras livres e bancas de jornal continuam em funcionamento. Somados, os setores da indústria e da construção civil empregam 22,38% do total de trabalhadores do estado de São Paulo.

A indústria e demais atividades produtivas são fundamentais à acumulação capitalista. No curso da pandemia, manter a produção ajustada à dinâmica da acumulação de capital supõe, para as empresas, estabelecer uma intermitência entre momentos de maior ou menor aceleração e eventual paralisação pela interrupção dos fornecedores em um ou mais elos das cadeias globais de valor. As medidas de restrição, com a interrupção parcial e intermitente de algumas áreas do comércio e dos serviços, embora afetem o crescimento econômico, não paralisa o processo de valorização. Na produção, a força de trabalho cria a mais-valia apropriada e concentrada pelos capitalistas com posterior circulação e distribuição entre as frações do capital (como a financeira, comercial, serviços) e o Estado por meio de impostos, tributos e contribuições.

Contudo, liberação da produção implica a propagação da doença nos locais de trabalho e sua expansão para a comunidade, a exemplo da agroindústria de carnes (frigoríficos).

Os trabalhadores deste setor enfrentam a intensificação da exploração com o aumento da produção durante a pandemia: maior imposição do ritmo de trabalho, manutenção dos trabalhadores aglomerados nas linhas de abate e processamento da carne em ambientes fechados (temperaturas frias e com baixa renovação do ar), favorecendo a transmissão do vírus. Com alta rotatividade e utilização de empregados imigrantes, os frigoríficos buscam trabalhadores nas cidades circunvizinhas, constituindo-se em um “centro de difusão da Covid-19” (HECK et al., 2020). Além de responsável pela transmissão do vírus aos trabalhadores e familiares nos municípios sedes das empresas, os frigoríficos proporcionam a interiorização da pandemia para uma rede de pequenas cidades próximas conectadas a estas unidades produtivas (HECK et al., 2020). Até o final de maio de 2020, um terço dos casos de Covid-19 no Rio Grande do Sul é constituído de trabalhadores dos frigoríficos. Até então, 28 dos 30 municípios com maior número de casos da doença no estado são sedes de frigoríficos ou cidades de moradia de trabalhadores destas empresas.[13]

 

As exigências colocadas pelo capital à luta dos trabalhadores

Com a dinâmica interdependente da pandemia e da economia, nosso olhar deve privilegiar as exigências colocadas pelo capital à luta dos trabalhadores. Como dissemos, o controle da pandemia foi recusado pelo presidente da república porque comprometeria o crescimento econômico supostamente viabilizado pelas reformas. E as medidas de restrição, como as adotadas em março/abril de 2020 por governos estaduais e municipais, por certo, servem para obscurecer a falta de crescimento econômico vigente (estagnação de 2017-2019 após a maior recessão no país de 2015-2016) e ao mesmo tempo, justificam a imposição de medidas estatais e das empresas de intensificação da exploração dos trabalhadores e de flexibilização dos direitos sociais sob o eufemismo de proteção do emprego.

É o que expressam as Medidas Provisórias 927/2020 e 936/2020. A primeira estimula os acordos individuais, o teletrabalho independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, a ampla utilização do banco de horas, suspende exigências relativas à segurança e saúde no trabalho e a possibilidade de prolongar a jornada de trabalho para os trabalhadores da saúde. A segunda institui a redução de salário em correspondência a da jornada de trabalho em 25, 50 ou 70% e a suspensão do contrato de trabalho pelas empresas. As duas MPs editadas pelo poder executivo, aprovadas pelo legislativo e sancionadas pelo STF, a exemplo da validação dos acordos individuais entre empresas e trabalhadores, sugerem unidade de ação entre os poderes do Estado. As duas MPs, como uma atualização da reforma trabalhista aprovada no governo Temer (Lei no. 13.467, de 13 de julho de 2017), foram reeditadas em 27 de abril de 2021, respectivamente por meio da MP 1.046, e da MP 1.045.

De abril a dezembro de 2020, os acordos com redução de salário e jornada e os de suspensão do contrato atingiram 9,8 milhões de trabalhadores, quase um terço dos 30,6 milhões de empregados celetistas (média neste ano).

Há alguns anos, os acordos de suspensão do contrato de trabalho, os chamados layoffs, que também podem incluir todos ou apenas uma parte dos trabalhadores em atividade na empresa, e os de redução de salário e jornada fazem parte da realidade operária especialmente na indústria automobilística. Assim como na recessão de 2015-2016, mas agora em amplitude expressivamente maior em termos dos setores e trabalhadores implicados, a implantação desses acordos na conjuntura da pandemia e de crise econômica permite as empresas avaliar a produtividade do trabalho, a porosidade do processo de produção em termos de extração de mais valia e identificação das áreas ou postos de eficiência/ineficiência, que definirá o quantitativo de trabalhadores a ser futuramente contratado/demitido (Eberhardt; Pina; Stotz, 2019). A implantação dessas medidas amplia a liberdade das empresas em termos de gestão da produção e da força de trabalho, a saber: utilização do tempo de trabalho e do número de trabalhadores por dia durante a semana, combinados com banco de horas ou horas extras, segundo flutuações bruscas decorrentes de interrupção repentina ou retomada acelerada da produção como ocorridas na pandemia.

A subordinação dos trabalhadores a essa dinâmica com “ensinamentos” para ampliar a produtividade é notável na indústria do petróleo, até aqui controlada pela Petrobrás.

A Petrobras colocou em teletrabalho 90% dos funcionários administrativos, reduziu o número de trabalhadores das equipes e prolongou a jornada dos trabalhadores em atividades operacionais: passou de 8 para 12 horas o turno diário de trabalho nas refinarias e terminais e estendeu o turno de 14 x 21 para 21 x 14  (21 dias de trabalho com jornada de 12 horas diárias por 14 de folga) nas plataformas. Redução de efetivos e o prolongamento da jornada intensificam a sobrecarga de trabalho e favorecem a exposição e a expansão dos casos de Covid-19 entre os trabalhadores durante a pandemia.

Os protocolos adotados pela empresa, inclusive com a testagem antes dos embarques para as plataformas denunciados e questionados pelos sindicatos dos petroleiros, não evitam os vários e recorrentes surtos nas áreas operacionais. Desde o início da pandemia, apenas entre os empregados próprios da Petrobras foram registrados 6.498 trabalhadores com Covid-19 ou 14% dos 46.416 funcionários, até 03 de maio de 2021. Até então, a incidência de casos de Covid-19 na estatal foi de 14.000 casos por 100 mil, duas vezes a registrada no país (7.032,9 casos por 100 mil).

Ao mesmo tempo, a empresa aumentou o volume de extração de petróleo em 2020. Os desafios postos aos trabalhadores nesse setor estão expressos na visão “positiva” dos analistas do mercado financeiro com os resultados da Petrobras que inclui os baixos custos de extração de petróleo com aumento da participação dos campos do pré-sal, os ganhos e “ensinamentos” do período da pandemia. Nas palavras de Roberto Castello Branco, então presidente da Petrobras: “a pandemia está […] ajudando a acelerar uma estratégia que já estava em curso, de corte de custos e desinvestimentos.” Entre os cortes estão justamente a redução de trabalhadores próprios e terceirizados: “com a experiência do ‘home office’ é possível trabalhar apenas com 50% do efetivo nos escritórios. Isso nos permitirá liberar vários prédios e reduzir custos [com a] renegociação de contratos.” A revisão dos contratos com as empresas contratadas pela Petrobras implica a redução salarial, perda de direitos e demissão dos trabalhadores terceirizados, inclusive a demissão e não contratação de trabalhadores integrantes do grupo de risco para Covid-19.

Na perspectiva dos capitalistas, as mudanças na organização da produção e do trabalho introduzidas ou intensificadas neste período, em lugar de transitórias, podem permanecer e se difundir pós-pandemia. É o que sustentam as associações empresariais, com ênfase na redução de impostos e especialmente no aprofundamento da flexibilização da legislação trabalhista executada no curso da pandemia. Para a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA): “Na crise, muitas coisas são teste para discutir lá na frente como permanente”.

É o que também observamos em 2020 com o maior crescimento da participação dos contratos intermitentes entre os celetistas: segundo dados do Caged, 73,1 mil dos 142.690 mil dos novos empregos com carteira assinada (contratações menos demissões) foram na modalidade intermitente, ou seja, uma participação de 50%, em 2020, ante 13,3%, em 2019, e 9,4%, em 2018. O emprego intermitente adquire importância inclusive na indústria: dois em cada três trabalhadores contratados nesta modalidade neste setor estão alocados diretamente nas operações fabris.

A pandemia possibilita às empresas a imposição do acordo individual, contrato intermitente, redução de salário e jornada, suspensão do contrato de trabalho. Se tais medidas estavam presentes na prática dos acordos nas empresas em determinados ramos econômicos ou mais tarde incorporadas em uma legislação de caráter geral como a reforma trabalhista, é na atual conjuntura pandêmica que acontece sua efetiva generalização para todos os setores.

Tanto mais com o enorme aumento do exército de reserva. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no trimestre encerrado em fevereiro de 2021, a taxa de “subutilização da força de trabalho”, que inclui o desemprego aberto, desalento e parte do subemprego, alcançou 29,2% ou 32,6 milhões de trabalhadores, mais do que o dobro do recorde de 14,4% ou dos 13,8 milhões em desemprego aberto. Em um ano de pandemia 7,8 milhões de pessoas perderam a ocupação.

O “auxílio emergencial” implantado pelo governo federal pouco conseguiu atenuar a situação dessa massa de trabalhadores desempregados ou informais que perderam total ou parcialmente seus rendimentos em decorrência das restrições das atividades do comércio, serviços entre outras. Com valor inicial de R$ 600,00, de abril a agosto de 2020, o auxílio foi reduzido à metade entre setembro e dezembro. Após sua suspensão nos primeiros meses de 2021, período de recrudescimento da pandemia, o auxílio é retomado em abril com uma redução ainda maior: apenas quatro parcelas com valores entre R$ 150,00 e R$ 375,00 e diminuição no total de beneficiários (cerca de 45 milhões, e não mais os 67,7 milhões em 2020).

Assim, uma vez mais, a intervenção estatal assentada no domínio político do capital financeiro impõe a austeridade fiscal em confronto ao controle da pandemia.

Esta situação tem resultado numa brutal perda salarial simultaneamente ao aumento da inflação especialmente com carestia de alimentos básicos para a massa de trabalhadores, na intensificação do trabalho dos ocupados, ao lado do desemprego massivo e do desalento dos jovens em condições de trabalhar, com um cenário dramático da pauperização absoluta e relativa da classe trabalhadora e aprofundamento da carestia e fome. Do ponto de vista da saúde, sabemos o resultado: o agravamento do adoecimento e da mortalidade devido a todas as causas.

 

Trabalhadores adoecem e morrem mais por todas as causas e por Covid-19

Sem um efetivo controle da pandemia pelos governos e pelas empresas, os trabalhadores são mantidos em atividade e circulação, expostos ao adoecimento e morte nas fábricas e demais locais de trabalho, nos transportes públicos e nos locais de moradia, frequentemente sem condições para exercício do isolamento social como nas favelas e bairros populares.

Apoiados em dados e informações de diferentes fontes acerca do adoecimento e mortes por todas as causas e por Covid-19 entre empregados celetistas ou informais de diferentes categorias (como nos frigoríficos, operários nas montadoras automobilísticas, petroleiros, frentistas, operadores de caixa de supermercado, motoristas de ônibus, entregadores por aplicativos, profissionais de saúde), mostramos nos artigos de debate na revista Intervozes (Stotz; Pina, 2020a; 2020b) e na Nota elaborada em colaboração com pesquisadores da Rede de Pesquisa em Saúde do Trabalhador (Maxta et al., 2021) que a pandemia atinge mais acentuadamente os trabalhadores inclusive os desempregados do que a população em geral. Condição social não considerada pelos critérios na definição dos grupos prioritários para vacinação contra Covid-19, exceto algumas categorias como os profissionais de saúde.

Os trabalhadores adoecem e morrem mais por todas as causas e por Covid-19, o que reforça a afirmação de que a Covid-19 é uma doença relacionada ao trabalho (Feliciano; Maeno; Carmo; Henriques, 2021; Maeno; Carmo, 2020).

No entanto, a descaracterização de sua relação com o trabalho é norma pelas empresas e o INSS, prosseguindo o que tem acontecido com os demais agravos à saúde dos trabalhadores. De todas as causas, a Covid-19 constitui a principal motivação para a concessão do benefício auxílio-doença pelo INSS, no primeiro trimestre de 2021: dos 13.259 afastamentos, apenas 174 foram considerados acidentários (relacionados ao trabalho) enquanto 13.085 previdenciários (sem relação com o trabalho).

A transmissão, adoecimento e morte por Covid-19 alcançam o conjunto dos trabalhadores e os desempregados.

Portanto, são enormes os desafios à organização atual dos trabalhadores, seja no plano sindical ou associativo e político.

 

A possível resistência dos trabalhadores

A avaliação acerca dos desdobramentos sociais e políticos no curso da pandemia, a nosso ver, mais do que a existência de movimentos de luta em si deve considerar o desenvolvimento da luta de classes e, portanto, do grau de unificação das lutas, da consciência e de organização logrados por estes movimentos para pesar na correlação de forças entre as classes sociais.

É o que devemos considerar na análise das lutas dos trabalhadores, como os da saúde, operários nas montadoras de veículos, petroleiros, metroviários, empregados dos correios, bancários, entregadores por aplicativo e outros. Nestes diferentes segmentos precisamos lançar luz para a similaridade dos ataques contra os trabalhadores pelas empresas e pelo governo, o que permite apreender este contexto como ofensiva de classe da burguesia contra a classe trabalhadora, e não como eventos pontuais e isolados em cada empresa, categoria ou setor. Essa ofensiva geral da burguesia, apesar da barulhenta querela entre o governo federal e alguns governadores e o STF presente na cena política e institucional, expressa sua unidade de ação no Estado (no âmbito dos poderes executivo, legislativo e judiciário) no enfrentamento às lutas dos trabalhadores.

Nesse sentido, devemos entender a resposta estatal à greve dos trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafo (ECT) com a eliminação de direitos conquistados no curso de mais de 30 anos de luta, expressa na decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que extinguiu 50 cláusulas do acordo coletivo (como, por exemplo, redução do valor das horas extras, adicional de risco, adicional noturno, tíquete alimentação, licença maternidade de 180 dias, auxílio creche e auxílio para filhos com necessidades especiais). O TST chancelou o expurgo dos direitos dos trabalhadores pela ECT no curso do processo de privatização da empresa conduzido pelo governo federal.

Também o aval dado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a venda de ativos da Petrobras, por meio do desmembramento e criação de subsidiarias, como as refinarias, progressivamente incorporadas ao processo de privatização da estatal. Se casos dos Correios e da Petrobras sinalizam para entendimento da intensificação da exploração dos trabalhadores como fundamento do processo de privatização de empresas estatais, as intervenções do poder judiciário consolidam a longa história da tutela sindical em favor das empresas, a exemplo das intervenções do STF nos conflitos coletivos do trabalho: validação do PDV com quitação geral, do negociado sobre o legislado e uma série de restrições a ação sindical e obstáculos ao direito de greve.

É parte da ofensiva da burguesia contra o conjunto dos trabalhadores a ação política, jurídica e ideológica para evitar a generalização das lutas dos trabalhadores, mantendo-as segmentadas por empresa, setor ou categoria, sobretudo em contexto de pandemia com intensificação da exploração (aumento do desemprego, redução de salários, suspensão de contratos, etc…) que tende a elevar a tensão entre capital e trabalho.

Além disso, o enfrentamento da pandemia, encarado como um desafio econômico de magnitude global pelo Banco Mundial e outras agências internacionais multilaterais estruturou-se em pressupostos como o da distinção entre trabalhadores “essenciais” e “não essenciais”. Esta distinção, que representa uma forma de segmentar os trabalhadores, também pautou as medidas adotadas no curso da pandemia no Brasil.

Importante indicar os interesses econômicos das frações do capital, as disputas políticas na classe dominante e a ideologia investida nesta distinção. Uma das ações do governo federal para enfrentar as já tímidas medidas de distanciamento social pelos estados foi seguidamente ampliar a lista de atividades essenciais, por meio de vários decretos. Em cada atualização, a lista tem incorporado um maior número de setores econômicos e atividades, que, por sua vez, pressiona a retomada mais acelerada das atividades econômicas inclusive as não incluídas na lista, as ditas não essenciais, em razão do alto grau de encadeamento e interdependência entre os setores.

A maioria absoluta das Centrais Sindicais tem desconsiderado esse contexto e apenas seguido ações isoladas e fragmentadas dos trabalhadores por empresa, setor e categoria como ilustram as greves dos operários na Renault-Paraná[14] e dos funcionários dos Correios que ganharam projeção nacional, até aqui, sem qualquer iniciativa no sentido de ampliar, generalizar e unificar as lutas entre os trabalhadores como classe. O contexto de crise sanitária e econômica em curso reafirma e expõe os limites da organização sindical que segrega os trabalhadores por empresa, categorias, sem iniciativas efetivas para incorporar os terceirizados e desempregados e as demais imposições da estrutura sindical vigente (Pina et al, 2020). Trata-se de um longo percurso em que a defesa dessa política expressa o enraizamento da ideologia burguesa no movimento sindical e a aceitação da dominação de classe e da exploração capitalista (Stotz; Pina, 2017).

A continuidade da ofensiva burguesia supõe a resistência operária e, neste processo, a emergência de lutas e a possibilidade de reconstruir a organização independente dos trabalhadores como classe. Uma possibilidade, por exemplo, presente nas lutas dos petroleiros próprios e terceirizados da Refinaria da Petrobrás na Baixada Santista-SP. Os sindicatos dos Petroleiros, dos Metalúrgicos, da Construção Civil e a Comissão de Desempregados de Cubatão empreenderam mobilização conjunta como greves antes e durante a pandemia para forçar a aplicação de uma tabela salarial unificada no enfrentamento ao achatamento dos salários praticados pelas empresas contratadas na refinaria.

Apesar das restrições à organização coletiva trazidas no curso da pandemia, resistências como acima relatadas tem caracterizado a situação em diferentes países, como o Chile, os Estados Unidos e a Colômbia. O conflito de classes ficou e continua latente no curso da pandemia. Esta última perspectiva analítica precisa ser ressaltada devido à visão simplificadora adotada pelos governos, com endosso da mídia e mesmo dos profissionais de saúde, de reduzir as medidas de enfrentamento da pandemia à necessidade de um comportamento “racional” das pessoas de modo a promover o “achatamento da curva” do contágio social para evitar o colapso dos serviços de atenção hospitalar.

 

Considerações finais

Para concluir: persistem as características da pandemia, enquanto incertezas colocam em questão tanto o conhecimento científico vigente como as tradições organizativas e políticas predominantes nos movimentos dos trabalhadores desde a segunda guerra (Edelman, 2016).

Quanto às incertezas e possíveis riscos da pandemia no futuro imediato vale ressaltar que, como anteriormente assinalado por Wallace et al. (2020), enquanto intervenções estatais não alcançarem as causas estruturais da pandemia, estaremos diante de novas emergências sanitárias. Segundo o CDC dos EUA, três em cada quatro doenças infecciosas, novas ou reemergentes, são zoonóticas. A agroindústria de carnes, especificamente a de aves e a suína, é um campo de criação mais importante para pandemias.[15] E o Brasil, como grande produtor e maior exportador mundial de carne de frango, está entre os países em que um novo vírus mortal pode surgir.

Neste contexto esta (ou outra) pandemia pode ser o “novo normal” no qual a exploração capitalista e a desproteção social pelo Estado irá ocorrer, portanto em que está colocada a possível resistência dos trabalhadores como classe.

Desse modo, não podemos deixar de observar, neste contexto, a situação profunda, prolongada e amplamente defensiva em que se encontram as forças do trabalho frente ao capital em todo mundo, principalmente nos países imperialistas. Profunda: a maioria das organizações criadas pelo movimento operário no século XX (sindicatos, partidos) encontram-se integradas no sistema capitalista, limitando-se a preservar os espaços indispensáveis à reprodução da camada dirigente de tais organizações, ou a reagir para negociar rapidamente o fim de “greves selvagens”. Situação defensiva prolongada desde pelo menos as grandes lutas de 1968-69 na Europa (França e Itália, sobretudo), mas com diferenças qualitativas em termos de subordinação ao capital na medida do avanço do processo de automação industrial dos anos 1990 para cá, com o estabelecimento de contratos que dividem a classe trabalhadora em um setor supostamente socialmente protegido e outro não, bem como da ênfase na luta pelo salário condicionado às metas de produção que, além de alargar a divisão entre os trabalhadores, estiola a força de trabalho condenando-a a um envelhecimento e adoecimento precoce.

Se nos anos 2018 e 2019 houve uma retomada das manifestações coletivas e retomada das greves, notadamente na França [[16]] e nos EUA [[17]], esse processo foi interrompido em 2020 pelas medidas impostas no enfrentamento da pandemia de Covid-19. Apesar de algumas greves selvagens e confrontos diretos contra os patrões, as demissões massivas e os contratos de redução de jornada e de salário postos em prática em todo mundo mantêm o movimento operário na defensiva.

Portanto os desafios organizatórios e políticos não são pequenos. As mobilizações e organizações operárias dotadas de independência política de classe terão de ser reconstruídas. Uma possibilidade sempre posta nas conjunturas em que os trabalhadores nunca deixaram de defender suas reivindicações específicas. Porque as contradições do capitalismo continuam a se desenvolver e o mundo não chegou a um ponto estável (Linhart, 1981).

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Notas:

[1] ACKERNECHT, Erwin Heinz. Anticontagionism Between 1821 and 1867. Bull. Hist. Med. 22 (1948): 462-93. Apud TERRIS (2005).Ver também Rosen (1994).

[2] Observações do Diretor-Geral da OMS no Relatório dos Estados Membros sobre o relatório da equipe internacional que estuda as origens da SARS-CoV-2.  Genebra, 30/03/2021. Disponível em: https://www.who.int/director-general/speeches/detail/who-director-general-s-remarks-at-the-member-state-briefing-on-the-report-of-the-international-team-studying-the-origins-of-sars-cov-2. Acesso em 26/04/2021.

[3] Declaração conjunta sobre o Estudo das Origens do COVID-19, organizado pela OMS. O texto da declaração, a seguir, foi divulgado pelos Governos dos Estados Unidos da América, Austrália, Canadá, Tcheca, Dinamarca, Estônia, Israel, Japão, Letônia, Lituânia, Noruega, República da Coreia, Eslovênia e Reino Unido.. 30/03/2021. Disponível em: https://www.state.gov/joint-statement-on-the-who-convened-covid-19-origins-study/. Acesso em 05.05.2021. Declaração da UE sobre o Estudo das Origens do COVID-19 liderado pela OMS. Genebra, 30/03/2021. Disponível em: https://eeas.europa.eu/delegations/un-geneva/95960/eu-statement-who-led-covid-19-origins-study_en. Acesso em 05/05/2021.

[4] Na Itália, no momento em que esteve no epicentro da pandemia no mundo e os corpos das vítimas eram empilhados e transportados em caminhões do exercito, na região mais atingida, inúmeras indústrias como a armamentista e petroquímica continuavam produzindo. Foram os operários que, a despeito das morosas negociações do governo com os sindicatos, se levantaram e paralisaram as atividades nestes setores. (Will Morrow e Alex Lantier. Greves selvagens estouram na Itália exigindo fechamento de fábricas durante pandemia do coronavírus. 17 Março 2020. Disponível em: http://centrovictormeyer.org.br/greves-selvagens-estouram-na-italia-exigindo-fechamento-de-fabricas-durante-pandemia-do-coronavirus/. Acesso em 17.03.2020. Alba Sidera. Enquanto corpos enchiam caminhões do Exército, as fábricas ficavam abertas: um relato de Bérgamo, na Itália. Revista Contexto, Bergamo (Itália) 16 abril 2020. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/coronavirus/64192/enquanto-corpos-enchiam-caminhoes-do-exercito-as-fabricas-ficavam-abertas-um-relato-de-bergamo-na-italia.  Acesso em 17.04.2020. Na Espanha ocorreu um processo semelhante, por exemplo, com protestos e greves dos operários da indústria automobilística. (Dani Ramos. Mercedes Benz: la vida de las personas por delante de los beneficios. Viento Sur, 21 março 2020. Disponível em: https://www.vientosur.info/spip.php?article15737. Acesso em 21.03.2020.

[5] World Bank. 2020. The Economy in the Time of Covid-19. Abril, 2020. Washington, DC: World Bank. https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/33555.

[6] Disponível em: https://www.lasexta.com/programas/al-rojo-vivo/entrevistas/la-denuncia-de-una-enfermera-de-atencion-primaria-en-vallecas-estamos-absolutamente-desbordados-es-tremendo_202009175f6331f041cb4900015024cc.html  Acesso em 17/10/2020.

[7] BBC News Mundo, 12/04/2020: “El confinamiento es un concepto burgués”: cómo el aislamiento afecta a las distintas clases sociales”. Disponível em https://www.bbc.com/mundo/noticias-internacional-52216492. Acesso em 16.10.2020.

[8] Oxfam International. Um pequeno grupo de nações ricas comprou mais da metade do suprimento futuro dos principais produtores da vacina COVID-19. Published: 17th September 2020. Disponível em: https://www.oxfam.org/en/press-releases/small-group-rich-nations-have-bought-more-half-future-supply-leading-covid-19. Acesso em 04/05/2021.

[9] Nosso mundo em dados, estatísticas e pesquisa: vacinações contra coronavírus (COVID-19). Disponível em: https://ourworldindata.org/covid-vaccinations. Acesso em 05/05/2021.

[10] Harris et al. (Apr 28, 2021). Impacto da vacinação na transmissão domiciliar do SARS-COV-2 na Inglaterra. Pré-impressão baixada em 29 de abril de: https://khub.net/documents/135939561/390853656/Impact+of+vaccination+on+household+transmission+of+SARS-COV-2+in+England.pdf/35bf4bb1-6ade-d3eb-a39e-9c9b25a8122a

[11] Fiocruz. Observatório Covid-19.  Boletim Extraordinário do Observatório Covid-19, 13 de maio de 2021. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/boletim_covid_extraordinario_maio_2021.pdf.  Acesso em 18/05/2021.

[12] Institute for Health Metrics and Evaluation –  University of Washington. COVID-19 Results Briefing – Brazil. 06/05/2021. Disponível em: http://www.healthdata.org/sites/default/files/files/Projects/COVID/2021/135_briefing_Brazil_17.pdf. Acesso em 19/05/2021.

[13] Esse quadro é bastante semelhante a de países como os EUA. Jessica Lussenhop. Coronavirus at Smithfield pork plant: The untold story of America’s biggest outbreak. BBC News, 17/04/2020. Disponível em: https://www.bbc.com/news/world-us-canada-52311877 Acesso em 23/04/2020.

[14] Centro de Estudos Victor Meyer. Greve da Renault – ensinamentos do ponto de vista de classe. 14 de agosto de 2020. Disponível em: http://centrovictormeyer.org.br/greve-da-renault-ensinamentos-do-ponto-de-vista-de-classe/. Centro de Estudos Victor Meyer. A greve na Renault: os operários em luta contra a exploração capitalista. 29 de julho de 2020. Disponível em: http://centrovictormeyer.org.br/a-greve-na-reunault-os-operarios-em-luta-contra-a-exploracao-capitalista/ Acesso em 14.08.2020.

[15] The End of Meat Is Here. By Jonathan Safran Foer. May 21, 2020. New York Times. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/05/21/opinion/coronavirus-meat-vegetarianism.html?referringSource=articleShare. Acesso em 21/05/2020.

[16] Gourgues, Guillaume e Quijoux, Maxime. Em Francia, la huelga y los sindicatos no pierden fuelle. El Salto, 24 enero 2020. Disponível em https://www.elsaltodiario.com/movimiento-obrero/francia-huelga-sindicatos-no-pierden-fuelle Acesso em 16.10.2020.

[17] Yeats, M. COVID-19, Economic Depression, and the Black Lives Matter Protests. Will the Triple Crisis Bring a Working-Class Revolt in the United States? Monthly Review, v.72, n. 4, sep. 2020. Available from: https://monthlyreview.org/2020/09/01/covid-19-economic-depression-and-the-black-lives-matter-protests/ Accessed 16/10/2020.

 

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A pandemia do novo coronavírus e a luta dos trabalhadores

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Capitalism and the New Coronavirus Pandemic State Policy and Possible Workers Resistance to the Iron Heel

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