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China: o porquê das novas reformas

País tornou-se gigante econômico e venceu a pobreza. Mas Saúde, Educação e Habitação, entregues ao mercado, produzem desigualdade e ineficiência. E há um Everest a enfrentar: as lógicas capitalistas que persistem em parte da economia (Michael Roberts)

Por Michael Roberts, em The Next Recession | 19/08/2021

Tradução: site da Aepet | Revisão: Antonio Martins

 

 

Uma nova onda de reformas na China assombra o Ocidente. No final de 2020, o governo frustrou, de última hora, uma iniciativa da Alibaba, gigante das vendas online (duas vezes maior que a Amazon), para captar 37 bilhões de dólares numa oferta inicial de ações (IPO). Desde então, os fatos sucedem-se com rapidez. Corporações que manejam aplicativos de entrega de comida (como a Meituan) ou de transporte (como a Didi, que controla no Brasil a 99) foram obrigadas a assumir responsabilidade por seus “parceiros” e aumentar seus rendimentos. As que manejam redes sociais não poderão mais transformar em mercadoria os dados dos usuários, nem manter “jardins murados” que os impedem de dialogar com os de outras plataformas (pense no Facebook). Grandes sistemas de pagamento digital agora precisam compartilhar com o Estado, e com empresas menores, os dados sobre seus clientes. A onda de restrições, afirma a revista britânica “Economist”, parece estar apenas começando. No início desta semana, o presidente do país e líder do Partido Comunista, Xi Jinping frisou que a China precisa enfrentar a desigualdade e garantir que o acesso Educação e Saúde seja garantido a todos, independentemente do poder econômico.

O que estará acontecendo em Pequim? Por que a China, vista por tanto tempo como espaço de exploração de trabalho barato, por parte de corporações transnacionais, parece disposta a medidas de enfrentamento aos monopólios – e de defesa dos direitos das maiorias – que o Ocidente hesita em adotar? O texto a seguir, do economista marxista Michael Roberts, oferece algumas pistas. Também ajuda a compreender em mais profundidade um país que parece cada vez mais capaz de influir sobre os rumos do planeta, em meio à crise civilizatória.

A visão de Roberts é de longo prazo. Ele tem em vista as reformas pró-mercado que a China iniciou no início dos anos 1980, quando a morte de Mao Tse Tung abriu espaço para a liderança de Deng Xiapoing. A abertura à empresa privada e ao capital externo, estimulada por este, evitou que o país se enrascasse na armadilha do planejamento centralizado burocrático, que tragou o bloco soviético. Mas deixou feridas.

Roberts refere-se, com profusão de dados, às “três montanhas” que os chineses precisam superar. Educação, Saúde e Habitação, entregues ao mercado há quarenta anos, tornaram- se motores da desigualdade. São escassas, caras, segregadoras. O texto mostra que há caminhos para superar os impasses, mas trilhá-los exigirá coragem e inteligência – pois os interesses estabelecidos são poderosos.

Mas a provocação principal do texto está no fim – no “Everest” que, segundo Roberts, os chineses terão de vencer. Trata-se do fato de parte importante de sua economia reger-se, desde as reformas de Deng, pelas lógicas do capital – ou seja, da necessidade de extrair o lucro máximo. Nesta dinâmica, a produção só cresce e se sofistica (e esta é a maldição vivida pelo Ocidente) produzindo cada vez mais desigualdade.

Persiste na China, em paralelo a esta, uma lógica do Comum, diz também Roberts. Seu norte é outro, a satisfação das necessidades sociais. É provavelmente para fortalecê-la que se voltam as reformas recentes – de sentido distinto, e em certo aspecto oposto, às de Deng. Poderá esta dinâmica não- capitalista prevalecer, num mundo em que o capital mostra-se cada vez mais voraz (e criou raízes na China)? Neste embate, que vale a pena seguir de perto, pode estar uma das chaves que levarão a superar a crise civilizatória em que estamos mergulhados – ou a afundar ainda mais desesperançadamente nela. (A.M).

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Uma reunião de dezembro de 2020 do Politburo Partido Comunista Chinês prometeu acabar com o que chamou de “expansão desordenada do capital”. Os líderes chineses temiam que o setor capitalista na China tivesse ficado grande demais. Empresas como o Jack Ma’s Ant Group expandiram-se para o financiamento ao consumidor e procuraram levantar fundos estrangeiros para isso. Com efeito, o Ant Group pretendia assumir o crédito às famílias dos bancos estatais. O Ant iria fazer o que queria e disse isso com muito alarde na imprensa. Ele e outras empresas de tecnologia e mídia capitalistas chinesas estavam cada vez mais envolvidas em fusões tipicamente “ocidentais”, contratos secretos e outras irregularidades financeiras.

Os reguladores da China vinham fechando os olhos para tudo isso havia anos. Além disso, a facção financeira na liderança da China havia conseguido um acordo para permitir que bancos de investimento estrangeiros criassem empresas de propriedade majoritária na China pela primeira vez, com o objetivo final de “libertar” o setor financeiro do controle estatal e permitir o cruzamento não regulamentado de fluxos de capital entre fronteiras. Em outras palavras, a China deveria se tornar um membro pleno do capital financeiro internacional. As autoridades também estavam permitindo operações não controladas de criptomoedas no país. leia mais

A economia dos EUA – alguns fatos

por Michael Roberts, 03 de novembro de 2020

 

Enquanto aguardamos o resultado da eleição presidencial dos EUA, aqui estão alguns fatos sobre a economia dos EUA num contexto mundial.

Parcela do PIB mundial

Em 1980, estava assim:

Os EUA tinham mais do que o dobro da participação no PIB global do que o Japão e mais do que o Japão, a Alemanha e a França juntos. A participação da China era inferior a 2% e praticamente igual à da Índia. leia mais

Capitalismo de catástrofe: mudança climática, COVID-19 e crise econômica

Entrevista com John Bellamy Foster
Por Farooque Chowdhury*/ Escritor e jornalista freelancer, Revista Eco21

 

 

No contexto da devastadora pandemia de coronavírus, John Bellamy Foster, editor da Monthly Review, a famosa revista socialista, discute a pandemia em relação à condição atual do capitalismo e da crise econômica na entrevista a seguir realizada por Farooque Chowdhury no final de Março, 2020. Foster, professor de sociologia da Universidade de Oregon e autor de vários livros sobre questões políticas, econômicas e ecológicas, relaciona a pandemia à economia capitalista, sua crise e mudança climática.

Farooque Chowdhury: Há muito tempo você analisa e elabora o conceito de fenda metabólica de Karl Marx. Hoje, diante dessa pandemia de coronavírus, como você encontra a situação face a sua análise?

John Bellamy Foster: Obviamente, a situação associada ao surgimento repentino do vírus SARS-CoV-2 e da pandemia de COVID-19 é sombria em todo o mundo. Tanto as causas quanto as consequências estão intimamente relacionadas às relações sociais capitalistas. A teoria da fissura metabólica de Marx era uma maneira de encarar as relações ecológicas ou metabólicas, e particularmente as complexas relações interdependentes da natureza e da sociedade, a partir de uma abordagem sistêmica muito anterior do desenvolvimento da ecologia de sistemas, que de fato surgiu em bases semelhantes. Marx, baseado no trabalho do químico alemão Justus von Liebig, concentrou-se na fenda no metabolismo do solo. O envio de alimentos e fibras a centenas e até milhares de quilômetros do país para a cidade resultou na perda de nutrientes essenciais do solo, como nitrogênio, fósforo e potássio, que não foram devolvidos ao solo, mas acabaram poluindo as cidades. Isso, no entanto, teve uma aplicação mais ampla em relação a como a produção capitalista, com sua acumulação linear, gera rupturas ou rupturas no que Marx chamou de “o metabolismo universal da natureza”. leia mais