O engajamento da NINJA e a tentativa de escamotear o ativismo (1)

Por Eduardo Stotz do site Encontraponto

Uma das novidades nos protestos de junho consistiu no aparecimento da NINJA – Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação que expressou o curso das lutas, procurando dar visibilidade a determinadas ações coletivas para milhares de pessoas conectadas de modo virtual. Para aqueles situados no estabelecimento intelectual das grandes empresas de comunicação na qualidade de formuladores de opinião, a exemplo de Fernando Gabeira e de Zuenir Ventura, a entrada de NINJA no cenário midiático perturbou as regras do jogo.

Em matérias assinadas, o primeiro questiona o futuro, enquanto o segundo tenta reduzir o novo ao velho. Cada um, a seu modo, ao mesmo tempo em que ressalta a importância da emergência do fenômeno, procura minimizar o vigor de seu impacto, questionar suas opções como descabidas, ingênuas, ou sem substância. Algo que passará, tal como o vento arrasta os papéis deixados atrás pelos manifestantes nas ruas e os incendiários de hoje serão os bombeiros de amanhã.

Nesta postagem vamos examinar o artigo “Tentando entender”, de Zuenir Ventura (O Globo, 14/08/2013). O articulista toma como ponto de partida um debate ao qual assistiu e questiona a auto interpretação dada pelos entusiastas da NINJA. Para ele, o “mídia ativismo”, traduzido como direito à parcialidade e ao engajamento, moda nos anos de 1950 quando iniciou a carreira de jornalista, está ultrapassado. O engajamento não constitui um avanço e deixou de o ser diante de um sistema que encarnou a “imparcialidade” da informação como objetivo da imprensa.

Não há como esquecer que a superação da imprensa engajada, partidarizada, dos anos 1950-60 – em espectro, aliás, bastante amplo: da Ultima Hora ao Estadão, passando pelo Correio da Manhã, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo, etc., sem esquecer a proibida Voz Operária do PCB – foi obra do golpe militar de 1964 e, desde então, à instituição do poderoso conglomerado da Rede Globo e de meia dúzia de grandes empresas. Então o problema de fundo nesse debate é a liberdade ou o monopólio da comunicação de massa, em pauta com a expansão da internet e a emergência das “novas” mídias a exemplo de NINJA.

Vale contrastar a posição de Zuenir Ventura com um autor “insuspeito” de ser comunista ou anarquista. Refiro-me a Christopher Lasch (1932-1994), pensador democrata radical americano [1]. O centro da crítica de Lasch às elites reside no fato de terem abandonado os ideais democráticos. Ele ressalta a relevância da imprensa para a democracia como forma de governo popular, defendendo abertamente o “estilo polêmico” baseado na tradição oral e, portanto, de uma imprensa partidária que existiu durante a “era progressista” nos EUA (1865-1918). Essa fase foi historicamente superada pelo fortalecimento dos monopólios, com a intervenção do Estado e o “profissionalismo” na política e no jornalismo depois da Grande Depressão (1930-39). Lasch aponta Walter Lipman como o ideólogo do “profissionalismo”. Na obra Opinião Pública, de 1922, Lipmam defende democracia como forma de escolha de representantes instruídos e a garantia de um “jogo limpo”. O papel da imprensa deve ser o de circular a informação elaborada por especialistas. A esta posição elitista se contrapôs, ainda de acordo com Lasch, o pedagogo John Dewy para quem (The Public and Its Problems, 1927) a indagação sistemática (raciocínio e espírito crítico) e a conversação (polêmica), essenciais no processo de conhecimento, deveriam ser estimuladas pela imprensa. Para Dewey, “Discussões são coisas arriscadas e imprevisíveis, portanto educativas.”

Por último, desejo assinalar a importante reflexão de Perseu Abramo sobre o significado político da liberdade de imprensa e como se dá a manipulação da informação pela grande empresa. [1] A obra comentada aqui é A rebelião das elites e a traição da democracia, publicada pela Ediouro em 1995. Outras obras do mesmo autor: Cultura do Narcisismo: A vida americana numa época de esperanças em declínio, A mulher e a vida cotidiana, Refúgio num mundo sem coração.
[1] A obra comentada aqui é A rebelião das elites e a traição da democracia, publicada pela Ediouro em 1995. Outras obras do mesmo autor: Cultura do Narcisismo: A vida americana numa época de esperanças em declínio, A mulher e a vida cotidiana, Refúgio num mundo sem coração.

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