Notas sobre o momento histórico atual – Parte II

II – TENDÊNCIAS E DESAFIOS DO MOVIMENTO SINDICAL BRASILEIRO

por Coletivo CVM

1. A retomada do crescimento da economia capitalista no país, mais acelerada desde 2007, propiciou, ao lado do aumento de postos de trabalho, uma redução do mercado informal de trabalho e, portanto, do exército industrial de reserva. Na medida em que esse processo de retomada se deu com uso da capacidade instalada e não mediante novos investimentos, e das formas de organização vigentes nas grandes empresas desde metade da década de 1990, a elevação da taxa de emprego aumentou o poder de barganha dos trabalhadores nas campanhas salariais e possibilitou aumentos reais de salários. Na categoria da construção civil, porém, os aumentos e alguns benefícios sociais foram o resultado de mobilizações de base, obtidos mediante rebeliões em grandes canteiros de obras que se alastraram pelo país.

2. Tomando por base as regiões metropolitanas a filiação ao movimento sindical representa, no período 1992-2009, um percentual que oscila entre 16 e 18% dos empregados. A radiografia do sindicalismo brasileiro entre 2010 e 2011 mostra a importância da maior central sindical, a CUT quanto ao número de sindicatos e de sindicalizados na base. A Central Única dos Trabalhadores é a força hegemônica, seguida da Força Sindical e da UGT. Esta última teve o crescimento mais expressivo, representando principalmente a sindicalização de trabalhadores do setor de serviços.

Fonte: Valor, 17;04/2012. Informes preliminares do levantamento do MTE.

Seis centrais sindicais tem índice de representatividade de 7 ou acima de 7%. Para ter direito ao imposto sindical, as centrais deveriam alcançar o mínimo de 7% de representatividade, condição, a partir de 2005, de abocanhar os 10% do valor do imposto sindical que vão para as centrais. O índice de representatividade, criado pelo Ministério do Trabalho para avaliar a representatividade das centrais é a razão entre o número de sindicalizados em uma dada central e o total de sindicalizados no país.

Vale assinalar a existência de um elevado número de sindicatos e de trabalhadores sindicalizados não pertencentes a nenhuma central sindical. Dentre eles encontram-se aqueles que se assumem como Intersindical, uma corrente oriunda da CUT pela base.
A expansão do número de associados a sindicatos foi maior nas regiões rurais do que urbanas; nas cidades, o aumento foi mais significativo nas regiões metropolitanas do Nordeste (Pichler, 2011). A filiação aos sindicatos é bastante elevada entre as categorias de trabalhadores das empresas estatais, a exemplo da Petrobrás, do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, e das indústrias metalúrgicas, a exemplo dos sindicatos do ABC e de Campinas.

3. Do ponto de vista ideológico, a maioria do movimento sindical brasileiro pauta-se pela prioridade concedida à defesa do emprego e do alinhamento à política econômica do governo, conhecida pelo termo “neodesenvolvimentismo”. Implicados numa prática de colaboração de classes entre trabalho e capital, a maioria dos sindicatos acabou por transformar o interesse do capital como última instância da luta cotidiana. O embrião dessa posição foi o chamado “sindicalismo de resultados” do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo, vinculado à Força Sindical, mas tornou-se a visão dominante no sindicalismo brasileiro.

4. A defesa do emprego em detrimento da resistência à exploração apenas significa a transformação dos sindicatos em instrumento de dominação do trabalho pelo capital. Nesse sentido lembramos as palavras pronunciadas por Carlos Marx em uma das conferências pronunciadas em 1847 na Associação dos Operários Alemães em Bruxelas, conhecidas como “Trabalho assalariado e capital”:
Dizer que a condição mais favorável para o trabalho assalariado é um crescimento tão rápido quanto possível do capital produtivo, é dizer que quanto mais a classe operária aumenta e faz crescer a potência que lhe é hostil, a riqueza alheia que a comanda, tanto mais favoráveis serão as circunstâncias nas quais ser-lhe-á permitido outra vez trabalhar para o aumento da riqueza burguesa, o reforço do poder do capital; satisfeita, ela própria, de forjar as cadeias douradas com as quais a burguesia a arrasta a seu reboque. (K.Marx).

5. Considerando a posição ideológica do trabalho diante do capital, podemos distinguir no movimento sindical três correntes: o sindicalismo de colaboração de classes, o sindicalismo pelego e o sindicalismo de luta e organização independente da classe trabalhadora.
Na primeira corrente situam-se a CUT e a Força Sindical, as forças centralizadoras do movimento sindical. Trata-se de um sindicalismo que, do ponto de vista político, em nome da defesa do emprego, subordina-se ao governo e aos patrões, mas não deixa de mobilizar as bases sindicais e inclusive organizá-las, devido a resistência dos operários nas empresas, a exemplo do que aconteceu na Volks em São José dos Pinhais em 2011, numa greve contra a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) vinculada a metas de produção, assiduidade, etc. imposta à direção sindical filiada à Força Sindical. Sua tarefa é a de conter, impedir e abafar a combatividade dos operários. O questionamento ao atrelamento dos sindicatos ao Estado por parte da CUT é oportunista e limitado ao financiamento por meio do imposto sindical.
O peleguismo compõe a corrente –, da qual a União Geral dos Trabalhadores é a expoente – que se pauta pela pura e simples defesa dos interesses individuais dos trabalhadores, nos estritos limites da Consolidação das Leis do Trabalho; os sindicatos desta corrente atuam como instâncias de homologação de demissões, encaminham no máximo processos dos associados demitidos contra as empresas que não pagam os direitos trabalhistas, etc. Representam os setores menos organizados da classe trabalhadora, sustentando-se principalmente no imposto sindical e no assistencialismo propiciado por esta renda fiscal.

A terceira corrente, a que se pauta pela luta entre trabalho e capital, é minoritária. Oriunda da CUT pela base, na qual desempenhou um papel importante a Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo durante a segunda metade dos anos da década de 1980, e que representa a influência difusa das teses da Polop naquela época – estrutura-se em encontros da Intersindical. Constituída em 2006, opõe-se à criação de centrais sindicais no momento atual, mediante articulação entre sindicatos Os sindicalistas dessa corrente compreendem que a unidade entre os trabalhadores deve-se fazer na luta, marcada pela defesa da organização independente dos trabalhadores e da prioridade da organização no local do trabalho. Questionam o atrelamento dos sindicatos ao Estado e defendem a autonomia dos sindicatos como organização da classe trabalhadora. São os herdeiros das tradições de luta dos anos 1968 (greves de Osasco e Contagem) e 1978-1980 nas quais a organização independente da classe operária apresentou-se como uma possibilidade.

6. Essa configuração majoritária do sindicalismo brasileiro amplia as bases de apoio e reforça o Estado burguês, legitimando-o. Dentre os mecanismos que a materializam importa assinalar: o agendamento de reuniões das centrais sindicais com o Gabinete da Presidência da República, representado pelo ministro Gilberto Carvalho; a ocupação de pastas ministeriais, a exemplo do Ministério do Trabalho e Emprego; a participação em órgãos colegiados de gestão de fundos públicos, como o CODEFAT ou do Sistema “S”; a participação em fundos de pensão que desempenham papel de investidores institucionais de capital; a representação partidária no Congresso Nacional, como bancada governista.

7. Destes instrumentos, um dos mais claramente identificados com a política de colaboração de classes é a participação dos sindicatos no Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador – CODEFAT, uma vez que expressa funções delegadas de governo e, portanto, de gestão da dinâmica do capitalismo no que diz respeito ao mercado de trabalho.

As centrais sindicais com índice de representatividade igual ou superior a 7%, a saber, a CUT, a Força Sindical, a UGT, a NCST, a CTB e a CGTB, participam do CODEFAT como representantes dos trabalhadores.

O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), vinculado ao MTE, destina-se ao custeio do Programa do seguro-desemprego, do Abono salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico, atribuição assumida pelo BNDES com o recurso a 40% da fonte do fundo, constituído basicamente pela arrecadação do PIS e do PASEP. No que diz respeito aos programas de desenvolvimento, o CODEFAT autoriza as operações do BNDES, a exemplo da Resolução n. 320, de 29/04/2003, que autorizou o BNDES utilizar 50% dos recursos do FAT que lhe eram destinados em “operações de financiamentos a empreendimentos e projetos destinados à produção ou comercialização de bens com reconhecida inserção internacional”.

Mas a principal atividade e os interesses das centrais sindicais estão concentrados no Sistema Público de Emprego, particularmente no Programa do seguro-desemprego que inclui ações de pagamento do benefício do seguro-desemprego, a intermediação de mão-de-obra e a qualificação social e profissional, por meio do Plano de Qualificação de Trabalhadores, a certificação e a orientação dos mesmos no mercado de trabalho. Essas ações são executadas, via de regra, descentralizadamente, por meio do Sistema Nacional de Emprego (SINE) da qual participam entidades contratadas pelos estados e municípios, além de entidades diretamente conveniadas com o MTE, com a participação de Comissões estaduais e municipais de emprego que tem a mesma estrutura tripartite do CODEFAT. Há 3.109 comissões municipais homologadas num total de 5.563 municípios.

A gestão direta pelas centrais sindicais é referida em documento oficial do MTE: assim, durante 2005, a CUT geriu postos de habilitação ao seguro-desemprego e intermediação de mão-de-obra em Santo André (1), Guarulhos (2), Diadema (1), enquanto a Força Sindical assumiu postos em São Paulo (2), Osasco (1), Santo André (1), Guarulhos 91), Diadema (1) e Recife (1) e a CGT um posto em Belo Horizonte. A maioria das 150.701 pessoas atendidas por mês foi em postos da Força Sindical.

Os fundos preferidos pelas centrais são aqueles destinados ao Programa de Qualificação Social e Profissional. De acordo com a proposta orçamentária do FAT aprovada para 2012, no valor de receitas de 55 bilhões e 758 milhões de reais, aquele programa teve a destinação de 1 bilhão e 377 milhões de reais.

8. O conflito entre as duas principais centrais sindicais, a CUT e a Força Sindical caracteriza-se pela disputa pela conquista dos sindicatos. Num primeiro momento, essa disputa conduziu à queda do ministro Lupi, para “moralizar” o reconhecimento dos sindicatos praticado a favor da Força Sindical. Desdobra-se na questão do fim do imposto sindical, mediante a substituição pela taxa negocial estabelecida por ocasião das campanhas salariais. O pluralismo vigente entre as centrais sindicais tende agora a se confrontar com o princípio da unicidade sindical em cada categoria profissional de trabalhadores. A perda de influência recente da CUT em termos da “representatividade sindical” (ver quadro no tópico 3) constitui um indicativo nesse sentido.

9. Todo esse esquema abre caminho para a conquista de mandatos parlamentares ou de prefeituras, convergindo para o fortalecimento do Estado burguês.

10. Importa destacar ainda a degenerescência ideológica do cutismo, tendo na sua liderança os dirigentes dos metalúrgicos do ABC. Constituídos nas greves de 1978 a 1980, aderiram ao sentimento anticapitalista da massa operária e foram, durante um curto tempo, polarizados ideologicamente pela Oposição Sindical Metalúrgica. A ruptura começou cedo, no II Congresso da CUT, em 1986; daí em diante, os dirigentes sindicais do ABC, com Lula na liderança, foram progressivamente dissociando o discurso da prática até que, a partir de 1993, abandonaram definitivamente a perspectiva de enfrentamento do capital. Não se viam, contudo, ainda em condições de aparecerem como “mediadores” da relação capital trabalho. Isso aconteceu apenas mais recentemente, a partir do segundo mandato de Lula e toma a forma de uma ideologia sindical de caráter burguês. Referimo-nos ao documento “Acordo Coletivo Especial”, uma reforma da CLT voltada para a negociação direta dos direitos sociais no âmbito das empresas, e defende a criação de Conselhos Sindicais de Empresa como instrumento para viabilizá-la.

11. Uma análise do documento que justifica e apresenta o ACE, mal consegue disfarçar o anticomunismo, quando, a título de combater um sindicalismo que se diz “combativo no discurso e se apresenta como revolucionário”, numa alusão a todo o espectro que se posiciona à esquerda do sindicalismo neopelego, como a Conlutas e a Intersindical, contrapõe a denúncia do sistema capitalista às “inovações que os tempos atuais exigem”, dentre as quais a “negociação permanente com os representantes das empresas”. A atribuição dos males decorrentes da exploração capitalista e da dinâmica do capitalismo a um suposto “revolucionarismo”, a exemplo da rotatividade da mão-de-obra, as demissões imotivadas, a incidência de doenças profissionais, etc., beira o ridículo. Certamente é uma forma de ocultar o fato de que a subordinação aos interesses do capital, praticada no âmbito desta “negociação permanente com as empresas”, ela sim enfraquece a capacidade de luta dos trabalhadores contra a exploração e seus efeitos. Certamente a negociação se faz necessária, mas há negociações que enfraquecem a luta dos trabalhadores enquanto há outras que fortalecem a luta no dia a dia das fábricas; a negociação deve subordinar-se, portanto, à luta contra a exploração capitalista e pela organização dos trabalhadores no local de trabalho.

12. Face ao conjunto das considerações anteriores, fica evidente que o atrelamento dos sindicatos ao Estado, apesar da posição da CUT contra o imposto sindical, não está em questão na conjuntura atual. Deve-se alertar no que diz respeito ao tema, para o oportunismo dessa central, pois se admite a substituição do imposto por uma taxa negocial estabelecida em assembleia pelos associados dos sindicatos de base, mantém o caráter compulsório para a futura fonte de recurso dos sindicatos e das centrais.

13. Em decorrência, no trabalho de desenvolvimento da consciência de classe dos trabalhadores, o aspecto fundamental é o trabalho de base nas empresas e a educação com base na própria experiência. Isso significa priorizar os momentos de mobilização de massa, como as campanhas salariais e as greves. Entender que estas últimas são “escolas de guerra do trabalho contra o capital” (Lênin), aponta a necessidade, para a corrente socialista no movimento sindical, de ajudar os operários a aprender, durante essas experiências de massas, onde repousa a força dos patrões e a de si mesmo, quais são os aliados de ambos os lados e como o governo se situa frente a eles.

14. Nesse processo de enfrentamento de classes importa considerar os desafios do sindicalismo que luta pela organização independente dos trabalhadores. Em primeiro lugar, o sindicato precisa ser livre das amarras impostas pelo Estado, como o imposto sindical, o reconhecimento e a concessão da carta sindical e a unicidade sindical, para poder assumir o seu papel de resistência à exploração da força de trabalho pelo capital. Mas essa libertação constitui um processo que se desenvolverá ainda dentro dos limites do atrelamento dos sindicatos e aponta a importância das oposições sindicais. Mas estas dificilmente podem se apresentar abertamente, dado o risco da repressão patronal com apoio das correntes sindicais majoritárias. Em segundo lugar, a organização das empresas em escala nacional e mundial limita a resistência dos trabalhadores; cada vez mais, em consequência, o movimento sindical precisa assumir uma organização nacional e internacional. Em terceiro lugar, a perspectiva de confronto de classes deve situar a necessidade do socialismo como única forma de superar o capitalismo.

Leia e divulgue o texto (versão integral) em pdf:

Notas sobre o momento histórico atual – Parte I, II e III

Faça seu comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *