I Internacional deixa mensagem para crises no Brasil e Europa

Entrevista de Marcello Musto concedida a Cíntia Alves e Patricia Faermann.
Imagens e edição por Pedro Garbellini.
Luiz Nassif Online

Jornal GGN – Centenas de anos se passaram desde que pipocaram as primeiras teorias sobre o futuro do capitalismo. O sistema atravessou séculos, entrou na era da globalização e arrumou seu próprio meio de sobrevivência, mas não sem despertar inúmeras contradições e tensões entre agentes sociais.

A crise internacional de 2008 e seus desdobramentos – mais visíveis nas principais economias do mundo – colocou em pauta a necessidade de repensar a forma como os trabalhadores se organizam por demandas nesse sistema, a exemplo do que a classe operária fez nos idos de 1860, com ajuda de pensadores como Karl Marx, um dos grandes responsáveis pela formação da primeira Associação Internacional de Trabalhadores.

Marcello Musso

Em entrevista ao Jornal GGN, o cientista político italiano Marcello Musto – que organizou um livro lançado recentemente por ocasião dos 150 anos da I Internacional (leia mais no link abaixo) – avaliou que a crise de representatividade que o Brasil e a Europa vivem hoje passa por mudanças na forma de organização política e social. O assunto, na visão dele, poderia ser discutido de maneira mais aprofundada se a geração atual tivesse memória do que foi a I Internacional.

Leia mais: Os 150 anos da I Internacional e as discussões não superadas

Ao contrário disso, o que o especialista destacou é que há um esvaziamento do papel dos partidos políticos (todos, de direita à esquerda, são colocados no mesmo bolo, de modo que a sociedade não acha que vale a pena aderir a um lado), ao mesmo passo em que os movimentos sociais estão divididos, embora a tecnologia da informação (principalmente a internet) dê a ilusão de que tudo pode ser conquistado se a massa se organizar. Ele também disparou contra a pouca capacidade crítica da população, que não busca ativamente alternativas ao sistema vigente ou a outros problemas atuais.

Apesar de o Brasil ter assistido em junho de 2013 a uma série de protestos por mais direitos sociais, Marcello Musto acredita que nem este ato e tampouco outros que aconteceram ao redor do mundo – inclusive na Europa, em função dos altos índices de desemprego – são sinais de que as massas se conscientizaram e podem ser unificadas, como aconteceu na Internacional.

“Essa não é uma herança da Internacional, porque nos últimos 30 anos, sobretudo com a geração dos que agora estão na universidade, foi cortada a memória [do que foi aquela luta contra o capitalismo explorador, pela emancipação dos trabalhadores e mais direitos]. Não há memória”, ponderou. “[Essas manifestações] Surgem porque hoje as contradições do capitalismo existem. (…) O capitalismo é global e mais agressivo com a crise. E essas contradições produziram algumas manifestações.”

“As mais interessantes e positivas foram as manifestações onde havia uma clara plataforma de justiça social de esquerda. Em outros países, essa condição antipolitica – direita e esquerda não têm diferença – abriu a porta para grupos políticos de extrema direita, em toda a Europa. E isso cria uma condição de perigo enorme. Porque numa sociedade que tem a tecnocracia burocrática dirigindo a economia, a austeridade é o segundo modelo. A cada semana a Europa está em condições piores.”

O LEGADO DA I INTERNACIONAL

Questionado sobre qual é o legado que a I Internacional deixa para a sociedade atual, Musto afirmou que seria, primeiro, a discussão sobre a perspectiva transnacional de organização.“Entender que sua vida não vai melhorar se está fechado em seu Facebook ou em seu jardim. E teu país, se tem um crescimento, mas está acontecendo uma guerra no Mediterrâneo, (…) hoje está bem, mas amanhã o problema vai tocá-lo também. Como aconteceu com a crise de 2008.”

“A outra questão é essa da participação [social ativa], que é fundamental, e essa é a mensagem central da Internacional. Os trabalhadores têm que se preocupar, tem que fazer política, os jovens tem que observar o mundo e questioná-lo criticamente. E nesses documentos [da antologia sobre a I Internacional] há muitas coisas que ajudam nesse sentido, porque atuam radicalmente contra essa sociedade.”

A mensagem central, entretanto, é que o capitalismo, “mais do que a 150 anos atrás”, merece avaliação. “Porque lutar por algumas reformas na sociedade é muito importante, mas se sua posição na sociedade não muda… A mensagem forte da Internacional é que os trabalhadores tem que lutar contra o capitalismo, contra esse sistema de exploração de homens sobre outros. Essa é a mensagem de emancipação que está atual e sempre será atual até que a sociedade se organize com o modo de produção capitalista.”

A INTERNET E A ILUSÃO DOS PARTIDOS HORIZONTAIS

Indagado sobre a função da internet como propulsora ou canalizadora de insatisfações e demandas que movimentam as massas, Marcello Musto ressaltou que não gostaria de falar contra a militância na rede, mas observou que talvez a crise de representatividade que muitos países vivem hoje passe pelas mudanças na forma de organização social e política.

Ele argumentou que nos últimos anos os partidos políticos, por exemplo, foram atacados principalmente pelo excesso de burocratização. E a solução apresentada para isso seria tornar a direção das legendas mais horizontais, para garantir melhor acesso e participação a todos. Em tese, era isso, e a internet seria um canal de comunicação providencial. Mas na prática, segundo Musto, a Itália foi um dos países que assistiram à criação de partidos “horizontais” que, por trás dos panos, eram capitaneados por uns poucos endinheirados. Ou seja, o que existe, na prática, é manipulação das massas.

Musto avaliou que o poder de organização da I Internacional aparentemente supera esse modo atual de ver e fazer política nas redes. O diferencial, no caso da Internacional, era justamente a existência (e não negação) de diretrizes pré-estabelecidas e cabeças que fizessem o organismo caminhar no sentido indicado pelos diversos movimentos sociais.

Na Internacional, existia uma participação autêntica. E essa é a forma que penso, ou seja, não precisamos retomar ao que existia antigamente, mas sim voltar a uma ideia de organização politica complexa. Não como na web, onde ‘somos todos iguais’, mas depois são sempre 5, 6 mil pessoas que votam e tomam decisões, e as tomam porque o chefe que tem milhões de euros para organizar a publicidade disse para tomar.” 

“A Internacional teve mais de 150 mil trabalhadores que construíram as lutas. E esse modelo de participação política é uma mensagem para a crise que temos hoje, no Brasil e na Europa, uma crise de participação política. Isso me parece de uma atualidade enorme, extrema!”

 

Assista a entrevista:

 

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