Boletim de Conjuntura Nacional Nº 9

Coletivo CVM 

BALANÇO POLÍTICO DAS ELEIÇÕES DE 2014 E PERSPECTIVAS PARA 2015

Computados os votos das eleições de 2014, revelaram-se as proporções do desgaste da política de conciliação de classes praticada pelos governos do PT, desde a ascensão de Lula ao poder, em 2003.

O fim do ciclo de valorização das commodities, a estagnação da economia e os primeiros sinais de desemprego contribuíram para o desgaste do governo, já visível nas manifestações de junho de 2013, porém ainda insuficiente para provocar uma derrota do PT e de seus aliados nas últimas eleições presidenciais. A vitória apertada por cerca de 3% dos votos revelou um quadro político diferente das eleições anteriores. Tais diferenças podem ser avaliadas com a ajuda dos dados a seguir:

  • Em 2010, Dilma obteve no primeiro turno 46,91% dos votos válidos, mas em 2014, apenas 41,59%, o que trouxe à cena, pela primeira vez em quatro eleições presidenciais, a possibilidade de o PT vir a perder o segundo turno para Aécio Neves, o candidato da centro-direita.
  • Apurados os resultados do segundo escrutínio, Dilma ganhou por estreita margem, com 51,63% dos votos válidos, contra 48,36% do seu oponente.
  • Dilma teve a maioria dos votos no segundo turno em todos os estados do Nordeste, no Amazonas, no Pará, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.
  • Já Aécio foi majoritário em todos os estados do Sul e do Centro-Oeste, além de vencer de forma expressiva em São Paulo, onde obteve 63,81% dos votos válidos na capital.
  • O PT perdeu em seus redutos operários tradicionais, como em São Bernardo, onde Aécio obteve 55,89% dos votos válidos, e em Santo André, onde o oposicionista chegou à marca de 63,34% dos votos.
  • No cômputo geral, a coligação formada pelo PT, PMDB e outros pequenos partidos acabou por conquistar a maioria no Senado e na Câmara e ganhou o governo de 15 estados.
  • No campo da esquerda, Luciana Genro do PSOL obteve 1,55% dos votos válidos, quantidade ainda inexpressiva, mas superior à votação de Plínio de Arruda Sampaio, em 2010 (0,87%). Os demais pequenos partidos de esquerda tiveram resultados ainda menores.
  • Os votos nulos aumentaram de 4,51% em 2010 para 4,68% do eleitorado em 2014, sem maiores alterações, mas somando-os às abstenções e aos votos brancos, chega-se à conclusão de que houve um crescimento de 25,39% para 27,16% do eleitorado que não apoiou qualquer um dos candidatos, por diversas razões, entre elas o descrédito em relação ao sistema eleitoral.

 Os resultados eleitorais são sempre um termômetro das relações de forças políticas de um país e acabam por ser uma forma de expressão política das classes sociais. Aécio Neves, do PSDB, como sucessor de José Serra e de Geraldo Alckmin em outros pleitos, representou nas eleições a candidatura “pura” da burguesia, aquela que defendeu os interesses de sua fração hegemônica, o grande capital financeiro.

A impaciência e a irritação da grande burguesia com as vacilações do governo de PT em aplicar medidas que retomassem a acumulação de capital, possível apenas com a colocada em prática de um duro programa econômico ortodoxo de arrocho salarial e limitação de direitos trabalhistas, fez com que a burguesia centrasse suas principais apostas nos dois candidatos de oposição com alguma viabilidade: Marina e Aécio, sem deixar, entretanto, de colocar algumas fichas (sob a forma de doação eleitoral protocolar) na candidata da situação.

Parte da pequena-burguesia, aquela que aufere maiores rendimentos, tomou desta vez o rumo da direita, ressentida pela concorrência decorrente do acesso cada vez maior de jovens oriundos da classe trabalhadora à universidade e pela política de aumento real do salário mínimo, que encareceu os serviços e os seus dispêndios com empregados.

Apesar de a corrupção ser inerente ao sistema capitalista, a incorporação dessa prática ao modo de agir pragmático do PT deu motivo a que políticos governistas e executivos da Petrobras fossem investigados pela Polícia Federal, trazendo a público um escândalo de proporções colossais, que ajudou a corroer o apoio que frações da pequena-burguesia, bastante sensíveis ao tema, até então davam ao governo petista. A agitação anticorrupção, liderada pela mídia burguesa, teve um impacto eleitoral significativo, transbordando da bacia da pequena-burguesia para atingir até mesmo parcelas do proletariado. A perda da eleição em São Paulo e, em particular, nos redutos operários onde nasceu o PT, é uma prova disso.

Porém, o desgaste do PT na classe operária decorre, antes de tudo, do aumento do desemprego fabril e dos métodos utilizados pela burocracia sindical da CUT para arrefecer os movimentos reivindicatórios. Mas, também pesa o descrédito no Partido, por ter adotado todas as formas tradicionais de exercício do poder dos partidos burgueses, jogando no lixo as ilusórias expectativas em relação a um “modo petista de governar”.

A pequena vitória de Dilma foi possível apenas pelo apoio dos trabalhadores menos organizados e conscientes, predominantemente localizados no Norte e no Nordeste e nas periferias das grandes cidades. Os programas de distribuição de renda, os aumentos reais do salário mínimo e a maior facilidade de acesso à educação superior pesaram bastante na decisão pelo voto.

Procurando atingir esse público e os trabalhadores em geral, a propaganda eleitoral de Dilma teve que assumir uma coloração avermelhada, atacando a ortodoxia econômica dos outros candidatos, jurando que não mudaria os programas sociais e a legislação trabalhista e apelando para a imagem de uma Dilma combatente da ditadura militar. A polarização política eleitoral permitiu atrair parte da militância de esquerda, que se incorporou à campanha de Dilma nas ruas e acabou contribuindo para o resultado final.

Que o movimento à esquerda do PT era apenas uma retórica eleitoral ficou demonstrado, para a tristeza dos que gastaram energia em sua campanha, nas primeiras medidas de Dilma, após a vitória: elevação dos juros básicos, nomeação de um representante do capital financeiro, defensor da ortodoxia econômica, para o Ministério da Fazenda, de uma representante da burguesia agroindustrial para o Ministério da Agricultura e de um representante da burguesia industrial para o Ministério da Indústria e do Comércio. Como se não bastasse, ainda liberou preços administrados, aumentou as taxas de juros do BNDES e acenou para a abertura do capital da Caixa Econômica Federal, ou seja, para a venda de parte de seu patrimônio para particulares, de forma a engordar o superávit fiscal do governo. Nada mais compatível com o programa defendido por Aécio. Não foi à toa que ele a acusou, muito a propósito, de roubar-lhe as bandeiras.

Ou seja, passado o perigo da perda das eleições, a aliança comandada pelo PT voltou a sua maneira tradicional de governar, tão claramente expressa na “Carta aos Brasileiros”, escrita em 2002 para acalmar a burguesia. A política de conciliação de classes, ainda que tipicamente pequeno-burguesa, por acreditar que é possível um capitalismo bom para todos, na prática se subordina aos interesses do grande capital e de sua fração hegemônica, o capital financeiro. A preservação do chamado “tripé macroeconômico” (superávit fiscal, câmbio flutuante e metas de inflação) é a marca do domínio do capital financeiro sobre o governo. Toda vez que o PT vacilou em praticar a ortodoxia econômica foi pressionado pela grande mídia e acabou cedendo.

Para os trabalhadores, restam pequenas concessões, cada vez mais minguadas, pois a situação econômica já não é mais a mesma do período Lula. O governo do PT ainda é funcional, mas não tem mais a eficácia anterior. Sua força no movimento operário, que representava seu principal cacife na aliança governante, já não é tão evidente, devido ao desgaste de sua política sindical e ao fato de que terá que adotar medidas antipopulares, para que possa ser retomada a acumulação de capital.

No segundo governo Dilma, pelas condições objetivas, o PT caminha para o centro, ou seja, rumo à direita. Dificilmente rachará, devido à quantidade de cargos ocupados no governo por suas diversas tendências. Poderá haver, entretanto, defecções pontuais, não necessariamente à esquerda, como no caso de Marta Suplicy.

Aqueles que acham que é possível levar o governo do PT para a esquerda devem estar tendo no momento um choque de realidade. Essa é uma tarefa impossível. Não há forças políticas organizadas que possam garantir essa guinada e o governo sabe disso melhor do que ninguém. Qualquer movimento dessa natureza inviabilizaria o governo, até mesmo com o uso de  instrumentos “legais” como o impeachment, pois não será difícil comprovar, por exemplo, a relação entre a corrupção na Petrobras e o caixa eleitoral da governante. Se o campo para reformas beneficiando os trabalhadores já era mínimo antes do escândalo, agora, com as mãos e os pés atados, só caberá a Dilma por em prática, item por item, a política de grande capital, que ela tanto combateu no seu discurso eleitoral, o que lhe valeu a reeleição.

Essas são as consequências quando um partido de trabalhadores tenta disputar o Estado burguês, fora de um processo de ascensão das lutas e dos movimentos de massas, que pudesse viabilizar a instalação de um governo de transição. O governo e o partido acabam por ser digeridos pela institucionalidade burguesa, contribuindo para o descrédito da esquerda e para o enfraquecimento no longo prazo do próprio movimento dos trabalhadores.

Muito se fala de uma onda conservadora que teria sido revelada pelas eleições. De fato, os primeiros indícios de que a direita se mobilizava já haviam aparecido em algumas manifestações de junho de 2013. Como sempre, a pequena-burguesia insatisfeita com a crise e com os escândalos de corrupção, forma a massa dos que agora se manifestam nas ruas contra o governo, ainda que em pequeno número, propondo até mesmo a volta da ditadura militar.

A burguesia, entretanto, continua confiando no sistema político atual e na sua capacidade de pressionar o governo para implantar as medidas que considera necessárias. Enquanto ela puder contar com o apoio expressivo do legislativo, do judiciário e, inclusive, do próprio executivo e não for ameaçada pelos movimentos dos trabalhadores, não haverá motivos para apelar para um golpe de estado. A própria extrema-direita, que saiu das trevas para se manifestar nas ruas, apesar de suas palavras de ordem radicais, prefere a institucionalidade, com o lançamento da candidatura de Bolsonaro para as eleições presidenciais de 2018.

A classe operária é a grande ausente do cenário político. O sindicalismo atrelado ao estado da era Vargas permanece intacto, em grande parte, e a política de conciliação de classes é promovida no dia a dia pela CUT e pela Força Sindical, para não se falar das demais centrais. Exemplo disso é o Plano Brasil Maior, que tenta institucionalizar a política de colaboração entre o capital e o trabalho, com a criação dos chamados “conselhos de competitividade”, uma organização tripartite, formada por representantes do governo, dos empresários e dos trabalhadores, visando adotar medidas que permitam o aumento da produtividade nas fábricas, uma espécie de continuação institucionalizada e em grande escala dos antigos “acordos setoriais”, que tem o patrocínio da CUT e da CNI.

Além disso, houve uma mudança de geração no meio operário e a maioria não viveu o ascenso das lutas ocorridas há 30 ou 40 anos atrás. A desmoralização do governo petista e a queda do mundo socialista são elementos adicionais que contribuem para o descrédito e a apatia, reforçando a ideologia burguesa no meio operário.

Sobrou pouco de um movimento sindical independente e a Intersindical – Instrumento de organização e luta da classe trabalhadora – e a CSP-Conlutas se restringem às reivindicações econômicas imediatas, numa conjuntura ainda caracterizada por lutas difusas, sem maiores ganhos organizatórios.

Surgem, entretanto, os primeiros sinais de descontentamento no meio operário. As demissões em massa em algumas indústrias do setor automobilístico (200 operários da Mercedes foram recentemente demitidos durante as férias coletivas) e o descolamento das bases em relação às lideranças em diversas oportunidades (como na Volkswagen de Curitiba em 2011 e na de São Bernardo em 2014) são elementos que esboçam um novo cenário para as lutas operárias.

Nesse novo cenário de lutas, ganha importância a formação de grupos de fábrica independentes, para organizar a resistência aos patrões e desmascarar as manobras que a burocracia sindical utiliza para o amortecimento das lutas.

No plano político, o ocaso do PT pode dar espaço a movimentos reformistas, no estilo do “Podemos” espanhol ou do “Syriza” grego, onde predominam as lutas pelos direitos e um anticapitalismo incipiente, sem maior consistência ideológica.

O PSOL não aparece como uma alternativa destinada a polarizar a esquerda descontente com os rumos do PT, pois pode ser caracterizado mais como uma frente de correntes eleitorais, sem conseguir avançar em direção à classe operária.

O que restou da esquerda no Brasil deve discutir uma alternativa ao PT. Porém, isso não pode ser feito de forma isolada. Deve vir de um processo em que participem também as lideranças operárias que preservaram, apesar de tudo, a ideia de uma organização independente dos trabalhadores, no plano sindical e no político.

CVM, dezembro de 2014

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Boletim de Conjuntura Nacional N° 9 – Balanço político das Eleições de 2014 e perspectivas para 2015

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