A evolução recente do mercado de força de trabalho brasileiro sob a perspectiva do conceito de exército industrial de reserva

Para compreender a dinâmica da luta de classes no Brasil é importante conhecer a realidade do mercado da força de trabalho explorada pelo capital. O artigo “A evolução recente do mercado de força de trabalho brasileiro sob a perspectiva do conceito de exército industrial de reserva”, de Nelson Nei Granato Neto e Claus Magno Germer, constitui uma contribuição importante para esta compreensão.

Os autores fazem um esforço de compreender o mercado da força de trabalho à luz das categorias marxistas, com adequação destas à realidade brasileira por meio da redefinição analítica do sistema de informação da PNAD/IBGE. Este artigo encontra-se disponível na Revista Ciências do Trabalho, vol 1, n. 1, 2013.  (CVM)

 

Resumo

O mercado de força de trabalho brasileiro é historicamente caracterizado por altas taxas de desemprego, subemprego e informalidade. Por isso, para estuda-lo, conceitos teóricos que conseguem englobar estas características são necessários, como o conceito de exército industrial de reserva, desenvolvido por Marx no livro I de O Capital. Este artigo procura realizar esta tarefa. Para isso desenvolve um estudo teórico deste conceito e depois realiza uma experiência empírica com a tentativa de mensuração do exército industrial de reserva do Brasil na década de 2000.

Palavras-chave: Exército industrial de reserva. Desemprego. Subemprego.

Introdução

O conceito de Exército Industrial de Reserva (EIR), desenvolvido por Marx no livro I de O Capital, é importante para qualquer análise marxista nas áreas de Economia e Sociologia do Trabalho. O estudo deste conceito permite que a análise que se pretenda marxista nessas áreas não fique dependente de conceitos de desemprego importados de outras teorias sociais, o que a desfigura. Entretanto, as estatísticas oficiais de população e trabalho não classificam a população de acordo com o especificado pela teoria marxista, o que coloca uma dificuldade a mais para a análise marxista: como adaptar e interpretar dados mensurados em metodologias e referenciais teóricos diferentes. Há ainda um problema adicional que é como adaptar o conceito de EIR e sua divisão em três camadas ao capitalismo contemporâneo.

Assim, este artigo o procura desenvolver teoricamente o conceito de EIR a partir da formulação inicial de Marx, em O Capital e, com base nisso, fazer uma tentativa de mensuração do EIR a partir das estatísticas oficiais brasileiras de trabalho e emprego. Para isso, este artigo é dividido em quatro seções, além desta introdução: na seção 2, é feito um resgate do conceito EIR, especialmente da sua divisão em três camadas e suas implicações; na seção 3, explicam-se as informações que podem ser obtidas a partir da PNAD e como elas podem ser relacionadas aos conceitos marxistas, especialmente o EIR, desenvolvendo uma metodologia para medir o EIR com base na PNAD e na seção 4, mensura-se o EIR brasileiro a partir dos dados da PNAD, com base nesta metodologia, são feitos recortes analíticos e alguns comentários analíticos dos resultados obtidos; ao final, são feitas algumas considerações na seção 5.

A divisão do EIR em três camadas

Em linhas gerais, o EIR é a população trabalhadora que não é empregada pelo capital, mas que está disponível para ser empregada por ele. O capital é formado a partir do aumento da proporção entre meios de produção e força de trabalho, o que tem como consequência uma queda da demanda do capital por força de trabalho. A magnitude da acumulação de capital faz fileiras desse exército serem recrutadas quando a acumulação de capital aumenta e engrossarem quando esta diminui.

O EIR diz respeito à parcela da população trabalhadora que não está empregada pelo capital (seja ele industrial, comercial ou bancário) ou por instituições acessórias[1] que o legitimam (como o Estado, as Forças Armadas, as ONGs, os sindicatos) e está disponível a ele para ser eventualmente empregada (em diferentes graus de disponibilidade) conforme a demanda do capital e de suas instituições acessórias por força de trabalho.

A formação do EIR está diretamente relacionada com o desenvolvimento capitalista, ou seja, está diretamente ligada com a tendência de aumento da composição orgânica do capital[2] (COC) ao longo do tempo: o aumento da COC faz com que se empregue cada vez menos força de trabalho relativamente aos meios de produção. Com isso, uma determinada quantia de capital empregará cada vez menos força de trabalho. Essa parcela da população trabalhadora que fica supérflua em relação ao capital é denominada superpopulação relativa ou EIR[3].

O aumento da COC cria uma população trabalhadora disponível ao capital: o capital tem controle sobre a oferta de força de trabalho, ou seja, a oferta de força de trabalho no capitalismo não depende do crescimento natural da classe trabalhadora, mas é, em grande parte, criada pelo próprio capital. Soma-se a este EIR criado pelo capital uma parcela significativa da classe trabalhadora que jamais chegou a vender a força de trabalho ao capital (jovens, donas de casa, trabalhadores autônomos) e que está disponível para ele conforme a demanda e, logo, também pertencem ao EIR. Portanto, é o próprio capital (e não a classe trabalhadora) quem controla a oferta de força de trabalho.

Mas, ao mesmo tempo em que o capital cria e faz crescer de tamanho o EIR com o aumento da COC, o ritmo da acumulação de capital demanda certa quantidade de força de trabalho, o que amortece o crescimento do EIR. Isso faz flutuar seu tamanho segundo as proporções do crescimento da COC (que produzirá um dado montante de força de trabalho disponível) e da acumulação (que demandará um dado montante de força de trabalho). Desse modo, o capital comanda tanto a demanda por força de trabalho, que depende do nível de acumulação de capital, dada a COC, quanto a sua oferta, criada pelo aumento da COC. A seguinte passagem de O Capital mostra a descrição de Marx dessa peculiaridade do modo de produção capitalista:

A procura de trabalho não se identifica com o crescimento do capital, nem a oferta de trabalho com o crescimento da classe trabalhadora. Não há aí duas forças independentes, uma influindo sobre a outra. É um jogo de dados viciados. O capital age ao mesmo tempo dos dois lados. Se sua acumulação aumenta a procura de trabalho, aumenta também a oferta de trabalhadores [devido ao aumento da COC], “liberando-os”, ao mesmo tempo em que a pressão dos desempregados compele os empregados a fornecerem mais trabalho [via intensificação do trabalho e submissão a jornadas de trabalho mais longas], tornando até certo ponto independente a obtenção, a oferta de trabalho da oferta de trabalhadores. Nessas condições, o movimento da lei da oferta e da procura de trabalho torna completo o despotismo do capital (MARX, 2008a, p.743-744. Grifos dos autores).

O desenvolvimento capitalista e a consequente formação de um EIR levam a população trabalhadora que o compõe a diferentes estratégias de sobrevivência enquanto não são trabalhadores do capital e, portanto, não recebem um salário que lhes permita sobreviver. Desse modo, a massa que compõe o EIR não é homogênea, pelo contrário. É formada por grupos bastante heterogêneos, tanto no que diz respeito às condições de vida médias quanto no tempo provável de permanência no EIR e até mesmo diferentes origens de classe.

O EIR é composto por todos os membros da classe trabalhadora que não conseguem vender a força de trabalho ao capital, podendo estar desocupados ou ocupados em atividades não dominadas pelo capital, com fins mercantis ou não. Ou seja, o EIR não é constituído apenas por trabalhadores desempregados: apesar de este grupo certamente ser o mais fluido e mais fácil de ser recrutado para o trabalho assalariado do EIR, a ele se junta uma série de trabalhadores que, mesmo sem estar necessariamente à procura de emprego pelo capital, estão ocupados em atividades não dominadas pelo capital, seja em atividades não dirigidas ao mercado, como as pessoas ligadas à produção doméstica, por exemplo, as empregadas domésticas e as donas de casa, ou ainda em atividades dirigidas ao mercado, como os trabalhadores por conta própria que trabalham para o público no comércio varejista ou na pequena produção mercantil.

Marx distingue três formas de existência do EIR: (i) flutuante, que são “os trabalhadores ora repelidos ora atraídos por setores da indústria, conforme a conjuntura” (MARX, 2008ª, p. 745); (ii) latente, que são os trabalhadores “sempre na iminência de transferir-se para o proletariado e na espreita de circunstâncias favoráveis a essa transferência” (MARX, 2008a, p.746); e (iii) estagnada, que são os “trabalhadores com ocupação irregular, fonte inesgotável de trabalho disponível com condições de vida abaixo da classe trabalhadora” (MARX, 2008a, p. 747). Há ainda menções ao pauperismo, “o mais profundo sedimento da superpopulação relativa” e ao lumpemproletariado, “o rebotalho do proletariado”[4].

Ao dividir o exército industrial de reserva em três camadas, Marx buscou não só categorizar um grupo heterogêneo, mas também graduá-las conforme a disponibilidade relativa de cada uma para as necessidades imediatas da acumulação de capital. As camadas estão ordenadas segundo a facilidade do processo do trabalhador deixar de pertencer a cada uma delas para vender sua força de trabalho ao capital.

Neste sentido, um trabalhador desocupado (e à procura de emprego) está mais facilmente disponível ao capital do que um trabalhador ocupado não assalariado pelo capital ou por suas instituições acessórias. Por isso, os trabalhadores desempregados pertencem à camada flutuante do EIR. O nome “flutuante” remete tanto à flexibilidade do seu tamanho quanto ao tempo em que o trabalhador pode ficar nesta camada. É flutuante porque é a camada que mais varia de tamanho conforme o ciclo de acumulação. Nos períodos de aceleração e crescimento, é a camada do EIR que mais rapidamente diminui; nos períodos de crise, é a camada que mais aumenta. É flutuante também porque o trabalhador passa relativamente pouco tempo nela (é impossível ficar nessa camada por toda a vida útil de trabalho, por exemplo), pois um trabalhador não pode ficar período muito prolongado desocupado e sem salário, pois isso compromete a sua sobrevivência física e moral. Ele é forçado a procurar estratégias de sobrevivência no trabalho por conta própria, quando não encontra emprego pelo capital, descendo assim para camadas mais profundas do EIR.

No EIR flutuante estão aqueles trabalhadores com perspectivas de conseguir vender a força de trabalho ao capital, mas para isso encontram dificuldades passageiras por terem pouca ou nenhuma experiência de trabalho anterior, e que, por não terem rendimento, conseguem sobreviver com a ajuda de outras pessoas. É o caso dos trabalhadores mais jovens que são sustentados pelas famílias enquanto estão sem ocupação – por isso a taxa de desemprego nesse grupo é sempre maior do que entre os trabalhadores mais experientes. Os trabalhadores que encontram dificuldades para vender a força de trabalho ao capital devido a preconceitos sociais, como as mulheres, os negros e os com baixa escolaridade, no caso brasileiro, tendem a ficar mais tempo no EIR flutuante do que os trabalhadores que não têm essas características, como os homens brancos com escolaridade média ou alta – por isso as taxas de desemprego são sempre maiores no primeiro grupo do que no segundo. Há ainda os trabalhadores do EIR flutuante que, sem mais possibilidades de viverem desempregados, sem rendimentos e sem perspectivas de assalariamento regridem para o trabalho por conta própria ou de autossubsistência, ou seja, transferem-se para as outras camadas mais baixas do EIR. Aí estão principalmente os trabalhadores mais velhos e que são chefes de família, e a taxa de desemprego baixa deste grupo oculta a sua também baixa participação no exército ativo (trabalho assalariado).

Nas camadas latente e estagnada do EIR, o trabalhador está ocupado em atividades não assalariadas pelo capital, com recebimento de rendimento próprio ou não. Desse modo, o trabalhador de tais camadas não está tão disponível ao assalariamento quanto o da camada flutuante. Comparando com a variabilidade da camada flutuante, nestas duas camadas, a força da acumulação de capital tem que ser mais forte para diminuí-las e a crise do capital tem que ser mais severa para aumentá-las. O tempo que o trabalhador permanece nelas também é maior do que na camada flutuante podendo, uma vez chegando nelas, permanecer aí o resto da vida útil de trabalho, ou até mesmo passar a vida inteira de trabalho numa dessas camadas sem jamais chegar a vender a força de trabalho ao capital.

A diferença entre as camadas latente e estagnada está na inserção ou não da sua produção no mercado capitalista. Os trabalhadores da camada latente não estão inseridos no mercado capitalista, suas ocupações estão ligadas a atividades de autossubsistência, produção doméstica ou restos de outros modos de produção. A transferência desses trabalhadores para o exército ativo do proletariado ou para outras camadas do EIR depende da entrada do capital nestas esferas de produção não capitalistas. Essa transferência pode ocorrer também por pressão da acumulação de capital, como quando a força de trabalho feminina, antes na produção doméstica, integra-se à produção capitalista.

Na definição da camada latente do EIR, Marx refere-se diretamente ao trabalhador agrícola que perde o seu emprego na agricultura devido à implantação de relações de produção capitalistas e na sua transformação em uma indústria capitalista. Por uma série de especificidades da indústria agrícola, o aumento da acumulação de capital não demanda mais trabalhadores agrícolas que o progresso técnico deixou de demandar e os antigos trabalhadores rurais são forçados a procurar emprego nas indústrias e comércios não agrícolas. Mas, até que ponto um trabalhador assalariado rural que vende sua força de trabalho ao capital pode ser considerado como pertencente ao exército ativo (por sua condição de vendedor de força de trabalho ao capital) ou como pertencente ao EIR latente (por ser um trabalhador desempregado em iminência ou por sua forma de venda de força de trabalho ao capital ser instável, sazonal e incompleta)?

Este artigo infere que a chave para se entender o conceito de EIR latente está no processo de transformação de atividades de produção e circulação não capitalista em indústria e comércio capitalistas, como é o caso da entrada do capitalismo na agricultura feudal europeia no século XIX, entre outros inúmeros exemplos que se possa dar além deste, como a entrada do capital em esferas da produção doméstica, na indústria artesanal tradicional ou nos resquícios da agricultura não capitalista. Neste raciocínio, o EIR latente constitui-se desta população ocupada nestas atividades não capitalistas que atualmente restringem-se basicamente à produção doméstica.

Entretanto, o capitalismo não precisa necessariamente entrar nestas atividades não capitalistas para atrair a população aí ocupada. A acumulação nos setores capitalistas da economia pode atrair parcelas deste EIR latente sem destruir esses setores não capitalistas, que apenas diminuem de tamanho sem se tornarem capitalistas, ficando cada vez mais insignificantes na economia como um todo.

Por sua vez, os trabalhadores da camada estagnada estão ocupados em atividades que estão inseridas no mercado capitalista, mas não estão subordinados ao capital, ou seja, não são trabalhadores assalariados do capital. Nessa camada estagnada do EIR estão incluídos todos aqueles trabalhadores que trabalham por conta própria sem relações contratuais (formais ou informais) com empresas capitalistas em atividades voltadas para o mercado, ou seja, todo o tipo de venda de prestação de serviços (jardineiros, engraxates), pequenos comércios (feirantes, vendedores ambulantes) e pequenos agricultores mercantis. A camada estagnada do EIR também é uma das “portas de entrada” da pequena burguesia pauperizada no proletariado. Com seus pequenos negócios arruinados pelo desenvolvimento capitalista, gradativamente transformam-se de empregadores em trabalhadores por conta própria. O tempo de permanência do trabalhador no EIR estagnado é o maior de todas as camadas, o trabalhador que regride da condição de assalariado para a de conta própria dificilmente volta a se assalariar, a força de atração da acumulação de capital tem que ser muito forte para isso acontecer.

Entre os trabalhadores por conta própria, os que mais interessam para o estudo do EIR estagnado são os autônomos para o público, que são aqueles que vendem seus produtos e serviços para o mercado capitalista para conseguir a subsistência e não têm vínculos informais com nenhuma empresa capitalista[5] e nem têm ocupações típicas de profissionais liberais[6]6. Segundo Paul Singer, os setores da economia dominados pelos autônomos para o público “tendem a absorver a força de trabalho excedente, ou seja, aquela que se encontra na economia de mercado, porém não consegue empregar-se na economia capitalista” (SINGER, 1979. p.80).

Os setores da economia dominados pelo EIR estagnado, através do trabalho autônomo para o público, são principalmente aqueles com pouca penetração das empresas capitalistas. No Brasil, entre esses setores, destacam-se o comércio varejista, os serviços pessoais, de oficina mecânica, de limpeza, de transporte e alimentação e a pequena agricultura mercantil. Em todos estes setores, há presença de empresas capitalistas, mas há um grande contingente de trabalhadores autônomos para o público ou concorrendo com elas ou atuando em locais onde elas não chegaram. Por exemplo, no comércio varejista, há a presença de empresas capitalistas, desde pequenas mercearias até grandes supermercados, mas há um espaço não preenchido por elas, onde os trabalhadores por conta própria do EIR estagnado atuam como camelôs e feirantes.

O espaço disponível ao trabalho autônomo nestes setores tende a diminuir com o desenvolvimento capitalista e a aumentar em períodos de crise – e subsiste em regiões onde a dimensão do mercado não é grande o suficiente para a entrada da grande empresa capitalista. Quando o desenvolvimento capitalista se apodera do espaço do trabalho autônomo, a força de trabalho antes ocupada por conta própria não é inteiramente incorporada como assalariada pelo capital, ou seja, neste processo parte do EIR estagnado se dirige para o exército ativo e a outra parte se dirige para as diferentes camadas do EIR, pela força das circunstâncias: flutuante (procurando emprego), latente (regredindo à produção doméstica) ou estagnado (arranjando ocupação como trabalhador autônomo para o público em outros setores ainda não dominados pelas empresas capitalistas).

As camadas flutuante e estagnada também estão ordenadas em degradação da capacidade de trabalho crescente. Pode-se imaginar que o ser humano tem uma determinada capacidade de trabalho que é consumida ao longo de sua vida útil de trabalho, e esta capacidade de trabalho não necessariamente é consumida em porções constantes ao longo do tempo, mas, sim, acompanhando o vigor físico e intelectual da pessoa – quanto maior esse vigor, maior pode ser o consumo dessa capacidade. Comparando com os trabalhadores mais velhos, os trabalhadores mais jovens têm, em geral, mais vigor físico e intelectual e por isso são mais demandados pelo capital, uma vez que deles consegue-se extrair uma maior quantidade de trabalho (devido às maiores possibilidades de intensificar o trabalho destes). Com isso, esses trabalhadores jovens que ainda têm muita capacidade de trabalho a ser explorada pelo capital têm maiores perspectivas imediatas de vender a força de trabalho quando estão desempregados; por isso há um acúmulo deles na camada flutuante do EIR.

Já os trabalhadores que estão com a capacidade de trabalho reduzida, justamente devido à exploração a que foram submetidos enquanto pertenciam ao exército ativo, são, por este motivo, pouco demandados pelo capital, que só os utiliza quando esgotadas as possibilidades de comprar força de trabalho com plena capacidade de trabalho. Como eles têm pouca perspectiva de vender a força de trabalho ao capital, muitos deles encontram estratégias de sobrevivência no trabalho eventual ou no trabalho autônomo, por isso há uma concentração deles na camada estagnada do EIR. Há ainda os trabalhadores que tiveram a capacidade de trabalho quase totalmente exaurida pelo capital[7] e se encontram impossibilitados de trabalhar e, por esse motivo, estão fora do EIR (por não estarem disponíveis ao capital) e precisam ser sustentados pela classe trabalhadora.

Os dados da PNAD e as categorias marxistas de análise

Tendo em mente as definições de Marx das três camadas do EIR, pode-se partir para uma experiência empírica a fim de mensurar o tamanho do EIR em uma dada economia capitalista, em um dado espaço de tempo. Até hoje, uma das poucas tentativas de se medir o EIR a partir de estatísticas oficiais foi feita por Foster (2011), em que o EIR mundial é medido com dados de quase todos os países do mundo disponibilizados pela Organização Mundial de Trabalho para o período entre 1997 e 2011. Nesse artigo de Foster, o EIR mundial total é dado pela soma de trabalhadores desempregados, trabalhadores por conta própria, trabalhadores não remunerados (ou familiares) e população economicamente não ativa com 25 a 54 anos de idade. Não há tentativa de separação desse EIR em camadas. O resultado a que eles chegam é de um EIR que flutua no patamar de 60% a 65% do total da força de trabalho mundial. Outra tentativa semelhante foi a de Lúcio Kowarick (1985), que tentou medir o tamanho da “massa marginal urbana” brasileira entre as décadas de 1950 e 1970, através das estatísticas do Censo e da PNAD. Fora estas duas tentativas, não há outras de maior relevância até hoje.

Neste artigo faz-se uma tentativa de mensuração do EIR brasileiro na década de 2000, a partir das estatísticas da PNAD, com base no conceito desenvolvido por Marx. Mas antes de se começar o trabalho empírico, é necessário compreender a base de dados disponível e como ela pode ser analisada a partir do referencial teórico marxista.

A PNAD é uma pesquisa nacional de periodicidade anual cujo objetivo é complementar os dados dos Censos Demográficos, que são feitos a cada 10 anos. Mas, enquanto o Censo entrevista toda a população brasileira, a PNAD entrevista apenas uma amostra relevante desta. A partir dos dados da PNAD é possível obter uma série de dados demográficos da população brasileira, tais como educação, trabalho, rendimento, moradia, migração e fecundidade. Dos dados da PNAD, interessam a este artigo os dados sobre trabalho e rendimento cruzados com características pessoais como sexo e idade, para se ter uma primeira mensuração do exército industrial de reserva brasileiro e verificar algumas características do seu perfil socioeconômico.

Os dados de trabalho da PNAD dividem a população brasileira em dois grandes grupos: (i) a PIA – população em idade ativa – que são todas as pessoas com 10 anos de idade ou mais, e (ii) a população em idade não ativa, que são todas as pessoas com menos de 10 anos de idade. Dentro da PIA distinguem-se dois grupos de pessoas: (i) a PEA – população economicamente ativa – que abrange as pessoas que estão ocupadas em atividades econômicas ou estão à procura de ocupação; e (ii) a PNEA – população não economicamente ativa – que abrange as pessoas não ocupadas em atividades econômicas e que não estão à procura de ocupação – neste grupo estão os estudantes, donas de casa, aposentados, pensionistas, pessoas que vivem de rendas (como aluguel de imóveis), pessoas sem ocupação e que não estão à procura de uma.

Por sua vez, a PEA divide-se em outros dois grupos: (i) a PEA ocupada, que abrange as pessoas ocupadas em atividades econômicas; e (ii) a PEA desocupada, que abrange as pessoas sem ocupação em atividades econômicas, mas que procuraram algum tipo de ocupação nos últimos 30 dias. E, finalmente, a PEA ocupada é classificada em sete tipos de posição na ocupação, segundo as definições do IBGE[8] (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que são utilizadas pela PNAD:

(1) Empregador: é a pessoa proprietária de um negócio com um ou mais empregados remunerados permanentes. Não é incluído nesta categoria o indivíduo que só tem trabalhador doméstico, trabalhador não remunerado ou tem empregados remunerados apenas eventualmente.

(2) Empregado: é a pessoa que trabalha para um empregador (pessoa física ou jurídica), geralmente obrigando-se ao cumprimento de uma jornada de trabalho e recebendo em contrapartida uma remuneração em dinheiro, mercadorias, produtos ou benefícios (moradia, comida, roupas etc.). Nesta categoria incluiu-se a pessoa que presta o serviço militar obrigatório e, também, os clérigos. Neste grupo estão todas as pessoas com vínculo empregatício, seja ele formalizado ou não.

(3) Trabalhador doméstico: é a pessoa que trabalha prestando serviço doméstico remunerado em dinheiro ou benefícios, em uma ou mais unidades domiciliares.

(4) Conta própria: é a pessoa que trabalha explorando o seu próprio empreendimento, sozinha ou com sócio, sem ter empregado, e contando, ou não, com a ajuda de trabalhador não remunerado. Neste grupo estão desde o vendedor de serviços pessoais até os profissionais liberais.

(5) Trabalhador não remunerado: é a pessoa que trabalha sem remuneração em ajuda a membro da sua unidade domiciliar, seja conta própria ou empregador.

(6) Trabalhador na produção para o próprio consumo: é a pessoa que trabalha na produção para o próprio consumo, geralmente na produção de bens primários.

(7) Trabalhador na construção para o próprio uso: é a pessoa que trabalha na construção de edificações, estradas privativas, poços e outras benfeitorias (exceto as obras destinadas unicamente à reforma) para o próprio uso de pelo menos um membro da unidade domiciliar.

Para transformar estes dados oficiais em dados compatíveis com as categorias analíticas marxistas, é preciso defini-las e fazer analogias. Primeiramente, as classes sociais básicas do capitalismo nascem da forma de propriedade capitalista (a propriedade privada dos meios de produção), assim, a população dos países capitalistas divide-se em duas classes: (i) a classe capitalista, que é formada pelos proprietários de meios de produção e compradores de força de trabalho, sejam eles grandes (burguesia) ou pequenos (pequena burguesia); e (ii) a classe trabalhadora, que é formada pelos vendedores de força de trabalho. Esta venda de força de trabalho pode ser: (i) efetiva, no caso dos trabalhadores assalariados ou exército ativo; (ii) em potencial, no caso do exército industrial de reserva; ou ainda (iii) os impedidos de vender, por qualquer circunstância, como os incapazes de trabalhar, o lumpemproletariado ou pessoas muito jovens ou muito idosas. Neste artigo pretende-se fazer a seguinte relação entre os grupos em que o IBGE divide a população brasileira e os conceitos marxistas de classes sociais e divisão da classe trabalhadora em exército ativo e, especialmente, o exército industrial de reserva e suas camadas:

Quadro 1
Transposição da classificação do IBGE para as categorias marxistas de análise

Quadro 1 Transposição

 Deste ponto em diante, este artigo medirá o EIR brasileiro a partir das analogias feitas no quadro exposto, com todas as ressalvas que ali estão feitas. Portanto, tem-se o seguinte quadro da divisão de classes e da segmentação da classe trabalhadora em exército ativo e EIR e suas camadas a partir da PIA brasileira:
Capitalistas = Empregadores
Trabalhadores Assalariados = Empregados
EIR Flutuante = Desocupados
EIR Latente = Trabalhador doméstico + Trabalhador na produção para próprio consumo + Trabalhador na construção para o próprio uso + População não economicamente ativa
EIR Estagnado = conta própria + Não remunerado

O Exército Industrial de Reserva brasileiro

Com base nesta metodologia, tem-se o seguinte quadro da PIA brasileira na faixa etária de 18 a 60 anos, nos anos 2000 (Tabela 1):

Da Tabela 1 e de todas as demais adiante, os valores percentuais dizem respeito ao tamanho de cada categoria em relação a PIA e não à PEA.

Da Tabela 1 já é possível extrair algumas informações sobre a evolução da classe trabalhadora e do EIR brasileiro nos anos 2000. Em termos absolutos, entre 2001 e 2009, houve um crescimento do exército ativo de 55,3 milhões para 73,3 milhões de pessoas; um incremento absoluto de 18 milhões de pessoas ao exército ativo, o que corresponde aproximadamente à PEA total de países como Canadá ou Polônia, em 2008 (OIT, 2013). Enquanto o EIR total foi de 79,6 milhões para 84,5 milhões de pessoas, um aumento absoluto de quase 5 milhões, quase o tamanho da PEA total de países como Grécia ou Suécia, em 2008 (OIT, 2013), houve uma diminuição relativa de seu tamanho diante força de trabalho total ao longo da década.

Tabela 1
Divisão de classes e composição do EIR a partir da PIA com 18 a 60 anos de idade do Brasil (2001-2009) – em%

Tabela 1 Divisão de classes Durante esse período, houve um aumento absoluto e relativo do exército ativo da classe trabalhadora, principalmente a partir de 2004, o que é explicado pelo incremento da acumulação de capital no período. Para verificar isso, basta constatar que, entre 1980 e 2003, o PIB per capita brasileiro cresceu a uma média de apenas 0,02% ao ano, enquanto entre 2003 e 2010, esse crescimento foi de 3,6% ao ano (IPEADATA, 2012). O aumento da acumulação de capital se traduz em aumento da demanda por força de trabalho, o que, por sua vez, implica um aumento do exército ativo e diminuição do EIR. Assim, entre 2001 e 2009, houve um incremento relativo de 15% no exército ativo e uma diminuição de 10% do EIR.

É interessante notar que neste processo de absorção do EIR, a camada flutuante não diminuiu tanto quanto se poderia esperar, houve também uma absorção das camadas mais profundas do EIR conjuntamente, ainda que o processo de absorção relativa do EIR flutuante tenha sido mais intenso do que nas demais camadas. Desconsiderando o ano de 2009, quando o Brasil não cresceu em decorrência dos efeitos da crise econômica internacional e, consequentemente, houve um aumento conjuntural do EIR flutuante neste ano específico, entre 2001 e 2008, o EIR flutuante diminuiu 22%, o EIR latente diminuiu 8% e o EIR estagnado diminuiu 10%.

Tabela 2
Divisão de classes e composição do EIR a partir da PIA com 18 a 60 anos de idade do Estado de São Paulo (2001-2009) – em %

Tabela 2 Divisão de Classes

Tabela 3
Divisão de classes e composição do EIR a partir da PIA com 18 a 60 anos de idade do Estado do Maranhão (2001-2009) – em %

Tabela 3 Divisão de Classes
Tabela 4
Divisão de classes e composição do EIR a partir da PIA masculina com 18 a 60 anos de idade do Brasil (2001-2009) – em %

Tabela 4 Divisão de Classes

Tabela 5
Divisão de classes e composição do EIR a partir da PIA feminina com 18 a 60 anos de idade do Brasil (2001-2009) – em %

Tabela 5 Divisão de Classes
A divisão de classes e a composição no EIR brasileiro não é uniforme em todo o território nacional: a história do modo como ocorreu a implantação do capitalismo e grau de desenvolvimento capitalista em cada região determinam diferentes divisões de classe e composição do EIR. A título de ilustração, as Tabelas 2 e 3 mostram a situação em dois estados brasileiros: São Paulo, um dos mais desenvolvidos, e Maranhão, um dos menos desenvolvidos.

Comparando os dois estados, percebe-se que o exército ativo é maior em São Paulo do que no Maranhão e o contrário ocorre com o EIR. Das camadas do EIR, o EIR flutuante é maior em São Paulo, e as demais camadas do EIR são maiores no Maranhão. Tudo isso é uma evidência empírica de alguns resultados teoricamente esperados pela teoria marxista: assalariamento crescente da população trabalhadora e aniquilação crescente dos setores não capitalistas da economia (e assim dos espaços disponíveis para o EIR latente e estagnado) e, logo, aumento relativo do EIR flutuante dentro do EIR total, por exemplo.

Os dados da Tabela 1 dizem respeito a PIA com 18 a 60 anos de idade sem fazer distinção de sexo. Quando essa distinção é feita, surgem alguns resultados interessantes, como se vê nas duas tabelas seguintes.

Das informações que se podem extrair das Tabelas 4 e 5, destacam-se as seguintes:

(i) Na divisão de classes e na segmentação da classe trabalhadora, observa- se que a classe capitalista e o exército ativo são majoritariamente masculinos e o exército de reserva é majoritariamente feminino. Tratar de questões de gênero não é o objetivo deste trabalho, entretanto, esse é um dado interessante para se investigarem as causas econômicas do papel secundário e dominado relegado à mulher na sociedade capitalista.

(ii) Houve um aumento do exército ativo e uma diminuição do exército de reserva tanto entre os homens quanto entre as mulheres, mas o aumento do exército ativo foi maior entre as mulheres e a diminuição do EIR foi maior entre os homens. Entre 2001 e 2009, houve um incremento relativo de 8% no exército ativo e uma diminuição de 10,5% no EIR entre os homens, enquanto entre as mulheres houve um aumento de 21% no exército ativo e uma diminuição de 8,5% no EIR.

(iii) A camada flutuante do EIR sempre é maior entre as mulheres do que entre os homens, mas houve diminuição desta em ambos os sexos, mais intensamente entre os homens. Desconsiderando o ano de 2009, pelas razões citadas anteriormente, houve uma diminuição relativa do EIR flutuante de 30% entre os homens e de 14% entre as mulheres, entre 2001 e 2008.

(iv) Nas camadas mais profundas do EIR, nota-se novamente uma divisão de sexos: enquanto o EIR latente é majoritariamente feminino, o EIR estagnado é majoritariamente masculino. Isso reflete uma espécie de divisão de trabalho entre os sexos, em que os homens trabalham na produção mercantil e as mulheres trabalham na produção doméstica e de subsistência. Entre 2001 e 2009 houve uma diminuição das duas camadas em ambos os sexos: a camada latente permaneceu estável entre os homens e diminuiu 11% entre as mulheres e a camada estagnada diminuiu 14% entre os homens e 4,5% entre as mulheres.

Outras informações interessantes surgem quando se desagrega a PIA em faixas etárias. Os Gráficos 1 e 2 mostram a divisão de classes e a composição do EIR masculino e feminino brasileiro, segundo as faixas etárias em 2009:

Gráfico 1
Divisão de classes e composição do EIR a partir da PIA masculina com 18 a 60 anos de idade do Brasil (2009) por faixa etária

Grafico 1 Divisão de Classes 

Gráfico 2
Divisão de classes e composição do EIR a partir da PIA feminina com 18 a 60 anos de idade do Brasil (2009) por faixa etária

Grafico 2 Divisão de Classes
A partir dos Gráficos 1 e 2, é possível observar os seguintes fenômenos:

(i) Independentemente da faixa etária, o exército ativo e o EIR estagnado são majoritariamente masculinos e o EIR flutuante e latente são majoritariamente femininos.

(ii) O auge do tamanho relativo do exército ativo ocorre na faixa etária dos 25 aos 29 anos e, a partir daí, a participação no exército ativo cai constante mente com o passar da idade. Isso mostra que o objetivo do capital ao comprar força de trabalho é “sugar” as forças vitais do trabalhador no auge de sua vitalidade, e quando este a perde, paulatinamente, o capital o descarta.

(iii) A tendência, com o passar da idade, é a diminuição do EIR flutuante e o aumento do EIR estagnado. A explicação desse fenômeno foi dada na seção anterior: o trabalhador não pode resistir por muito tempo ao desemprego sem comprometer sua subsistência e a de sua família, sendo obrigado a ter uma ocupação, por mais precária que seja (como as do EIR estagnado), e essa resistência diminui com o envelhecimento: um trabalhador mais jovem tem mais facilidade para encontrar um emprego no exército ativo e, geralmente, tem a ajuda de sua família para viver enquanto está desempregado, enquanto um trabalhador mais velho, além de ter maiores dificuldades de vender sua força de trabalho ao capital, muitas vezes tem uma família que depende dele.

(iv) O EIR latente apresenta três padrões de movimento: primeiro, diminui até os 30 anos entre homens e mulheres; segundo, entre os 30 e 50 anos de idade, ele se mantém estável entre os homens e crescente entre as mulheres; e terceiro, a partir dos 50 anos de idade começa a subir em ambos os sexos. Isso é causado por três fatores: (a) entrada dos jovens na produção capitalista – jovens de ambos os sexos deixam de ser sustentados unicamente pela família e começam a procurar ocupações para se manterem, o que os leva do EIR latente para outras camadas do EIR ou para o exército ativo – o que explica o primeiro movimento; (b) com a divisão do trabalho entre os sexos, algumas mulheres casadas saem do exército ativo e se voltam exclusivamente para a produção doméstica, enquanto seus maridos continuam no exército ativo ou no EIR estagnado para o sustento financeiro da família – o que explica o segundo movimento;

(c) a partir dos 50 anos de idade, homens e mulheres começam a se aposentar – o que explica o terceiro movimento.

Para verificar como evoluiu a divisão de classes e a composição do EIR ao longo dos anos 2000, é interessante comparar a situação em dois anos específicos dessa década: o de 2003 e o de 2008. O primeiro é importante por ter sido o último ano de uma longa estagnação de 23 anos do PIB per capita brasileiro; já o segundo, por ter sido o quinto e último ano de um período de crescimento econômico mais acelerado. É o que se faz nas Tabelas 6 e 7.

Das informações que podem ser extraídas das Tabelas 6 e 7, destacam-se as seguintes:

(i) Houve um aumento do exército ativo e uma diminuição do EIR total em ambos os sexos e em todas as faixas etárias analisadas. O destaque fica com o aumento do exército ativo mais expressivo entre as mulheres com 18 a 30 anos de idade: aumentos de 34%, 24% e 23% nas faixas de 18-19, 20-24 e 25-29 anos, respectivamente. Isso é o reflexo da contínua incorporação da força de trabalho feminina pelo capital.

(ii) O EIR flutuante diminuiu drasticamente em ambos os sexos e em todas as faixas etárias analisadas, com maior intensidade entre os homens, consequência direta do aumento da acumulação de capital e, logo, da demanda por força de trabalho entre 2003 e 2008. O destaque fica com a redução do EIR flutuante entre os homens com 30 a 60 anos de idade: diminuição de 36%, 48% e 43% nas faixas de 30-39, 40-49 e 50-59 anos, respectivamente.

Tabela 6
Divisão de classes e composição do EIR a partir da PIA masculina com 18 a 60 anos de idade do Brasil (2003 e 2008) por faixa etária – em %

Tabela 6 Divisão de Classes

Tabela 7
Divisão de classes e composição do EIR a partir da PIA feminina com 18 a 60 anos de idade do Brasil (2003 e 2008) por faixa etária – em %

Tabela 7 Divisão de Classes

(iii) O EIR latente não teve um padrão de comportamento tão claro quanto o do exército ativo e das demais camadas do EIR. Entre as mulheres, houve uma redução do EIR latente em todas as faixas etárias, com maior intensidade nas faixas dos 20-24 e 25-29 anos de idade, de 11% e 13% respectivamente, o que é reflexo da absorção pelo capital da força de trabalho feminina, que por isso abandona a produção doméstica. Entre homens o EIR latente manteve-se praticamente estável, com variações positivas nas faixas dos 25-29 e 30-39 anos de idade e negativas nas demais, mas sempre com o EIR latente total muito pequeno se comparado ao EIR latente feminino.

(iv) O EIR estagnado diminuiu em todas as faixas etárias analisadas e em ambos os sexos, com destaque para os homens. As maiores reduções ocorreram entre os homens com 18 a 40 anos de idade, com diminuições de: 26%, 19%, 24% e 18% nas faixas dos 18-19, 20-24, 25-29 e 30-39 anos respectivamente.

Considerações finais

Ao final deste artigo, que procurou basicamente começar a preencher uma lacuna da teoria econômica marxista com um estudo mais aprofundado do conceito de exército industrial de reserva, pode-se dizer que o objetivo foi cumprido. Mas convém ressaltar que este ainda é um campo vasto para futuras explorações, tanto para um maior desenvolvimento teórico deste conceito quanto para estudos empíricos mais rigorosos e extensos. Com o estudo do EIR desenvolvido ao longo deste artigo é possível chegar a algumas considerações.

O conceito de EIR é desenvolvido dentro do contexto do estudo que Marx desenvolveu sobre a lei geral da acumulação capitalista. Nesse estudo, Marx chega à conclusão que o EIR é resultado da acumulação de capital com progresso das forças produtivas que tornam uma parcela da população trabalhadora supérflua, que fica condenada ao desemprego e, ao mesmo tempo, torna-se disponível ao capital. Dessa forma, o capital controla tanto a demanda (que depende da força da acumulação de capital) quanto a oferta (dada pelo EIR formado pela própria acumulação de capital) de força de trabalho, o que se torna um mecanismo de controle da classe trabalhadora pela classe capitalista. O EIR é um grupo heterogêneo e, para melhor compreendê-lo, há a proposta de Marx de dividi-lo em três camadas (flutuante, latente e estagnada), que se distinguem principalmente por três critérios: (i) posição na ocupação de seus componentes – camada flutuante (trabalhadores desocupados), camada latente (trabalhadores ocupados em atividades não mercantis), camada estagnada (trabalhadores ocupados em atividades mercantis); (ii) grau de disponibilidade ao capital de seus componentes – camada flutuante (disponibilidade imediata e maior demanda do capital), camadas latente e estagnada (disponibilidade não imediata e menor demanda do capital); (iii) degradação da força de trabalho de seus componentes – camada flutuante (pouca degradação e, portanto, grande potencial de força de trabalho a ser explorado pelo capital), camada estagnada (maior degradação e, portanto, menor potencial de força de trabalho a ser explorado pelo capital).

No marxismo em geral, há poucas experiências com dados de estatísticas oficiais e esta constatação é particularmente muito verdadeira no que diz respeito a tentativas de mensuração do EIR. Neste texto, buscou-se medir o EIR brasileiro a partir dos dados da PNAD nos anos 2000. Apesar de não ser uma experiência muito rigorosa com o conceito teórico (uma vez que não foi possível desagregar muito os dados disponíveis, chegou-se apenas à posição na ocupação) e não muito extensa (ficou resumida apenas ao Brasil e a um período de uma década), foram atingidos alguns resultados interessantes: (i) o EIR brasileiro variou entre 57% e 51% da força de trabalho com 18 a 60 anos de idade durante os anos 2000, sendo predominantemente constituído pelas camadas latente e estagnada. O EIR flutuante brasileiro é apenas uma fração pequena do EIR, em torno de 12% do EIR como um todo; (ii) há diferenças significativas da composição do EIR em termos: (a) regionais – a camada flutuante é maior e a latente e estagnada, menores, nos Estados “mais desenvolvidos” do país comparados com os “menos desenvolvidos”; (b) de gênero – o EIR como um todo é maior entre as mulheres do que entre os homens; separando em camadas, a estagnada é maior entre os homens e as flutuantes e latentes, entre as mulheres; e (c) de idade – o auge do assalariamento da força de trabalho ocorre entre os 20 e 30 anos de idade, quando o trabalhador está no auge da vitalidade e com a capacidade de trabalho pouco degradada; no EIR há uma concentração de trabalhadores jovens na camada flutuante e de trabalhadores mais experientes na estagnada.

Sobre os autores:
Nelson Nei Granato Neto (UFPR/DIEESE)
Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Técnico da Subseção do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconómicos (DIEESE) no Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná (Senge-PR).
Claus Magno Germer (UFPR)
Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor Sênior do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Federal do Paraná (PPGDE-UFPR).

 

Referências bibliográficas

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IPEADATA. Base de dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br/>. Acesso em: 30 nov. 2012.

KOWARICK, Lúcio. Capitalismo e marginalidade na América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1985.

MARX, Karl. Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador) 1857-1858. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 1972. v. 2.

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SANDRONI, Paulo. Dicionário de economia. São Paulo: Abril Cultural, 1985.

SINGER, Paul. Economia política do trabalho. São Paulo: Hucitec, 1979.

 

 

Notas:


[1] Este artigo chama de “instituições acessórias” todas aquelas instituições que, embora empreguem trabalho assalariado, não são propriamente capital, pois não têm objetivo de produzir ou fazer circular mais-valia, muito pelo contrário – precisam capturar parte da mais-valia produzida na economia capitalista para existirem -, mas que exercem algum tipo de função social importante para a manutenção do modo de produção capitalista. Nesta rubrica entra uma série de instituições não capitalistas que empregam trabalho assalariado, cada uma com a sua função específica na legitimação do capitalismo, como o Estado, as Forças Armadas, os sindicatos, as organizações não governamentais, entre outras. Essas instituições cumprem um papel fundamental no capitalismo que é primordialmente o de legitimar a propriedade privada capitalista e usar até mesmo a força para mantê-la: aqui estão o Estado e as Forças Armadas, que podem assumir outras funções adicionalmente, como quando o Estado capitalista provê educação, saúde e previdência social públicos, por exemplo. Os sindicatos, apesar de terem nascido do inconformismo dos trabalhadores com as condições de trabalho impostas pelo capitalismo, são, muitas vezes, partícipes do esquema de legitimação deste sistema: muitos deles tornam-se meros instrumentos para referendar o nível salarial dado pelo nível da acumulação capitalista, de submissão dos interesses dos trabalhadores aos dos capitalistas ou até mesmo instrumento formal de colaboração de classes. Mas é importante fazer a ressalva: muitos sindicatos ainda preservam o seu caráter crítico ao capitalismo e são poderosos instrumentos de luta da classe trabalhadora, não só por melhores condições de vida, mas também para a transformação revolucionária da sociedade. Este artigo não tem como objetivo estudar mais profundamente essas instituições, o que, aliás, ainda é um trabalho a ser feito pela teoria marxista.

[2] Composição Orgânica do Capital é a relação entre meios de produção (máquinas, ferramentas, matérias-primas) e força de trabalho, em termos de valor. Ou seja, dado um montante de capital, quanto maior a COC, maior será a proporção de meios de produção em relação à força de trabalho ou, dito de outro modo, dado um montante de capital, quanto maior a COC, menor a demanda do capital por força de trabalho.

[3] Ao longo de sua exposição do conceito de EIR, Marx constantemente também o intitula de superpopulação relativa. A leitura de O Capital indica que Marx trata-os como sinônimos. Entretanto, uma ressalva precisa ser feita: nos Grundrisse, Marx utiliza apenas a denominação “superpopulação” (a denominação EIR aparece apenas em O Capital), e em um contexto mais amplo: a superpopulação como a parcela da população que perde as condições sob as quais se consegue praticar a apropriação de parte do produto social, em um determinado contexto social (MARX, 1972, p. 114-115, 1993, p. 603-604). A superpopulação aparece sob diferentes formas em cada modo de produção, cada qual de acordo com as especificidades do modo pelo qual o homem trabalha e pratica esta apropriação em cada um deles. Neste sentido, o exército industrial de reserva pode ser entendido como a forma como a superpopulação relativa aparece no capitalismo.

[4] Entende-se, neste artigo, que o “pauperismo” é a condição de pobreza absoluta e/ou relativa de parcelas da classe trabalhadora no capitalismo. O pauperismo absoluto é encontrado tanto no exército ativo quanto no exército de reserva, mas em maior proporção no último do que no primeiro; enquanto todas as parcelas da classe trabalhadora, tanto do exército ativo quanto o de reserva, sofrem um processo de pauperização relativa ao longo do tempo. E o “lumpemproletariado” é a parcela da classe trabalhadora totalmente degradada socialmente e que não está disponível para o assalariamento pelo capital. Ele nasce da pobreza absoluta permanente de amplas parcelas da classe trabalhadora, que acaba com qualquer perspectiva e ilusão de ter uma existência digna, o que faz algumas pessoas que vivem nesta situação cair na marginalidade e por fim tornam-se imprestáveis para o trabalho assalariado e para qualquer outro tipo de ocupação.

[5] As Pesquisas de Emprego e Desemprego do DIEESE classificam esses trabalhadores autônomos informalmente ligados a uma ou mais empresas como “autônomos para uma empresa”. Esta parcela dos trabalhadores por conta própria são, na verdade, uma espécie de trabalhadores assalariados informais e, portanto, teoricamente, parte do exército ativo dos trabalhadores.

[6] Do ponto de vista marxista, entende-se por profissional liberal aquele trabalhador com elevado grau de instrução e portador de habilidades e conhecimentos específicos de elevada complexidade. Neste grupo entra uma série de trabalhadores com ensino superior, como médicos, dentistas, engenheiros, advogados, contadores, entre outros. As atividades desenvolvidas pelos profissionais liberais não podem ser exercidas por trabalhadores não qualificados para isso por exigirem um elevado grau de conhecimento e habilidades que não podem ser aprendidas rapidamente, ao contrário do que ocorre nas profissões desqualificadas da indústria, do comércio e dos bancos, que são tarefas repetitivas e parciais, não exigindo grandes qualificações do trabalhador, que pode ser fácil e rapidamente treinado para executá-las. Isso não significa que o progresso das forças produtivas não cause impactos sobre os profissionais liberais, que também enfrentam um processo de desqualificação crescente ao longo do tempo com a mecanização e simplificação das tarefas por eles executadas.

[7] Este esgotamento pode ser físico ou mental e se manifesta por meio de “doenças ocupacionais” que impedem a pessoa de continuar trabalhando, como a lesão por esforço repetitivo e a depressão, por exemplo. Há também acidentes de trabalho que podem desde reduzir parcialmente a capacidade de trabalho até incapacitar totalmente o trabalhador.

[8] O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é o órgão do governo federal responsável pela execução da PNAD. É a partir da metodologia do IBGE que se faz a PNAD.

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