Operários em greve na Renault contra o facão !

em O Corneta de 05.08.2020

 

Os trabalhadores de São José dos Pinhais, no Paraná, decidiram dar um basta em tanto descaso depois do anúncio de novas 747 demissões, iniciando a greve no dia 21 de julho. Um operário da Renault que foi demitido, do setor de montagem, terceiro turno,  atendeu o Corneta e respondeu nossas perguntas.

 

 

Nos conte como é ser demitido em meio a pandemia:
“É… Em primeiro lugar mesmo, pessoal, tá feio, ainda bem que eu levo sorte aqui, minha mulher tá trabalhando, né? Mas se não fosse, agora eu tava passando dificuldade, entendeu?”

“é complicado, como está a atual situação do mercado de trabalho, por causa dessa pandemia fechou tudo […] nós estamos jogados”

E o que vc acha dos patrões tarem lucrando em cima da nossa desgraça? Tem demitidos em todo canto… Como fica o sustento da sua família?
“É nisso que eu fico ligado. Eu vi recentemente uma pesquisa aí que os mais ricos tão ficando cada vez mais ricos, aí o que eles estão querendo fazer, redução de custos justamente nessa época da pandemia. Injustificável.”

E como era o regime de trabalho dentro da Renault? Tava muito puxado, rolava muito assédio?
“Ah, lá dentro é pauleira, é bem puxado, nós fazemos um carro por minuto, a operação no carro você tem que fazer em segundos e tem diversas operações, não dá tempo nem de beber água de direito. Um galão de água do seu lado, assim, você não pode ir no banheiro também, você tem que chamar o sênior pra ir no banheiro, segurar, e a cobrança só tem quando você erra alguma operação, manda o defeito…”

O que mais chama atenção dentro da fábrica sobre como a chefia trata a peãozada?
“É o seguinte, do rodízio que nós fazia lá de posto, que dependendo do posto que você fizesse, você podia tá suscetível a doença ocupacional. Porque era muito movimento repetitivo, de ficar arqueado ou de se abaixar, e pense bem, isso no caso do terceiro turno é seis horas, o primeiro e o segundo que era oito horas de trabalho e ficar direto assim, é foda”

Como ficou o clima entre seus amigos de fábrica, como foi o anúncio das demissões. E como tá o sentimento em favor da greve?
“Ah, então, eu trabalhei segunda, no caso, né? Do dia vinte pro dia vinte e um, o terceiro turno, daí vim pra casa, foi a tarde lá pras dezessete horas, recebi o email de desligamento. E sobre os meus colegas de linha, eles tão apoiando nós, todos eles, mas eu vejo que no grupo aqui do sindicato que tem bastante operário que não quer, fica fazendo fervo, assim.”
“Ah, e sobre meu sentimento em favor da greve, é, eu torço, né? Pra que o sindicato consiga reverter as demissões em massa. Se ele conseguir vai ser uma marca histórica, porque nessa pandemia aí tá difícil, né? Mas se isso conseguir, olha, eu tiro o chapéu, né?.”

E quem ficou tem alguma reivindicação? Teve prejuízo pra quem ficou?
“Então, pra quem ficou, esses dias parados estão sendo descontados, né? O holerite deles vieram zerado esse mês e tem outra também, se o sindicato perder essa luta, ocorre que a empresa daqui dois anos vai terceirizar postos de trabalho, já tem um número X já, e também pros funcionários novos que entrar vai ter vinte e cinco por cento de redução do salário.”

Quando teve as demissões na Renault França, houve protestos de rua lá contra as demissões. Vcs ficaram sabendo? Como ficou o clima? Havia expectativa pro facão?
“Sim, isso aí eu fiquei de cara, que a Renault por causa do CEO brasileiro, eles falaram que sofreram por causa disso aí, e também outra, eles falaram que tiveram queda de vendas lá na Europa, no mundo a fora e eles fizeram uma reestruturação mundial da aliança, né? Renault, Mitsubishi e Nissan. Daí eles falaram que ia mandar quinze mil pessoas embora mundialmente, sendo dez mil na França e o restante no redor do mundo, eu acho. E nós sabíamos que ia vim pra cá, né? Mas o que eles fizeram na época de pandemia, isso é inaceitável […]”

Queria que você comentasse o que mais falta hj em dia pro trabalhador poder defender seu salário e o seu emprego

“Ah, eu acho que hoje em dia é o sindicato, né? O sindicato dos metalúrgicos de Curitiba que é forte, é o mais forte que tem aqui, né? Ele que sempre defende, briga pelo salário com a empresa. Fora isso, se não tivesse ele ia ser difícil, entendeu? Porque tem empresa aqui que não tem sindicato, e o salário é o empresário que manda e a justiça não vai fazer nada.”

Aqui em SP em 2019 teve fechamento da Ford, ameaça de fechamentos da GM. A reestruturação produtiva já acontecia antes da pandemia. Sempre rebaixando salários e criando demissões. Você pode comentar sobre isso? Como a crise da Renault tem a ver com algo que não depende da pandemia? Depende de quê? da sede de lucro dos patrões?

“A Renault aqui, antes da pandemia, nossa, tava lucrando bastante […] aqui em Curitiba. Era um dos melhores anos pra ela, chegou a ficar em quarto no mercado automobilístico em vendas, e isso foi um passo gigante pra ela, entendeu? Em relação aos outros que você falou, eu acho que é administração, né? Também uma má administração, pode ser, mas a Renault, não, a Renault tava lucrando, nossa, lucrou muito. E agora, por causa dessa reestruturação mundial aí dessa pandemia, ela tá ligando que tá perdendo também.”

E como vc acha que é possível unir empregados com desempregados?
“Ah, o sindicato tá fazendo a frente, ele que fala pras pessoas que os empregos deles também tão ameaçados, se eles ficarem […] na empresa, entendeu? E eles apoiam nós também, os que saíram, no caso, depois nós somos tudo unido, né? […] Porque se o sindicato perder, quem ficar lá também corre o risco de ser mandado embora e piorar a situação pra eles lá.”

E houve outras levas de demissão antes quando você estava lá?
“Sim, houve, desligamento das pessoas que era temporária, que tava por contrato, trezentos e cinquenta pessoas que não foram efetivadas, que foram desligadas. Tudo por causa disso também, o terceiro turno tava rodando cheio, daí aconteceu isso, a empresa foi lá e desligou trezentos e cinquenta postos que era por contrato e ficou o restante rodando e com a metade da capacidade da linha […].”

Essa demissão de 350 foi quando?
“Aconteceu de março pra abril esses desligamentos. No começo da pandemia.”

E o total de demitidos no ano é de quantos?
“Deu 1100 já. 1100 pessoas.”

Outra coisa: não foram só lesionados né, teve demissão de tudo quanto é gente, confere?
“Sim, foi desligamento de qualquer pessoa, mas a maioria era lesionado, mas teve de tudo.”

Teve algum setor mais atacado?
“Setores mais atacados foram montagem, carroceria e pintura, ou seja, mais quem trabalhava no chão de fábrica mesmo…. O RH não (risada).”

Tava vigorando lá a MP da pandemia de redução de jornada e salário?
“Então, tava funcionando sim, mas só por dois meses, a empresa não quis renovar essa MP.”

E o governo do país? Como tá avaliação dos operários e a sua sobre como o governo Bolsonaro está lidando com a economia?
“Ah, então, uma coisa que eu não concordei muito é com as mudanças que teve nas leis trabalhistas e também é o que ele pretende implantar, carteira verde amarela, eu também não concordo, fora isso eu não sei, entendeu…”

Pra finalizar… Qual a sua mensagem para os trabalhadores que estão perdendo seus empregos nesse momento. Como é que deve ser a luta pra manter o nosso ganha pão?
“Posso falar é que num pode abaixar a cabeça, né? Tem que erguer a cabeça também e bola pra frente, entendeu? Tem a vida inteira ainda, tem novos desafios, oportunidade não faltará no futuro, entendeu? É só ter fé, acreditar e esperar que tudo melhore e pra nós aqui também o sindicato fazer alguma coisa, entendeu, Até passar essa pandemia aí […].”

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