Um manifesto reacionário

O Manifesto Pelo Direito de Manifestação, Pelo Direito de Ir e Vir que publicamos abaixo constitui a expressão de um posicionamento direitista de uma parcela dos professores e pesquisadores universitários.

Como sempre acontece com os porta-vozes da pequena-burguesia, esses professores pretendem falar em nome do “povo”, acima das classes, em defesa da liberdade dos “cidadãos”, vista sob o ponto de vista do direito de ir e vir nas cidades, ou seja, de transitar nos automóveis sem os incômodos das manifestações. A liberdade de ir e vir nestes termos, ao se opor aos protestos e as greves, tem por objetivo submeter os trabalhadores aos limites da legalidade burguesa.

O Manifesto é uma tomada de posição ao lado dos liberais burgueses em defesa da ordem burguesa, na suposição de que a única forma de manifestação admitida é aquela por meio do voto individual.

Obviamente não passa pela cabeça desses professores que os protestos exprimam a revolta contra a exploração capitalista e a opressão social sobre os trabalhadores. Olham para o rio que avança nas ruas mas não percebem as margens violentas que comprimem as águas, como disse o teatrólogo alemão  Bertolt Brecht.

O destemor em assumir posições reacionárias se acentua na medida em que a burguesia agora também aposta as fichas nas candidaturas de oposição (Aécio, Campos). No fundo, tal documento e outros que, tudo indica, virão a somar-se na mesma tendência, expressa o enfraquecimento da política de colaboração de classes sustentada na coligação PT-PMDB diante das manifestações nas ruas e o crescimento da intenção de voto nas candidaturas da oposição burguesa.

A direitização, entretanto, não é apenas desses professores e dos partidos declaradamente de direita; arrasta o próprio governo Dilma, cada vez mais permissivo à repressão contra os movimentos sociais, a exemplo do apoio aos governos estaduais que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, crimininalizaram os manifestantes com base na Lei das Organizações Criminosas, e recentemente concedeu às Forças Armadas o papel de polícia por meio da Garantia da Lei e da Ordem.

Ao contrário do que se possa supor, a defesa da ordem não torna o governo Dilma e o PT mais toleráveis aos olhos da burguesia. Esta classe sabe que o papel deste governo e deste partido de atalhar os movimentos de massa se esgotou historicamente. Porém nos jantares no Fasano e outros restaurantes de sua preferência em São Paulo e outras cidades provavelmente devem comentar, com satisfação, que o governo vai fazer, para ela, o serviço sujo de reprimir os “baderneiros”.

Os manifestantes que tem ocupado as ruas de várias cidades pelo país afora (garis, rodoviários, professores) em defesa de suas reivindicações específicas não dispõem de força suficiente para se contrapor a esta onda reacionária, algo que apenas a mobilização daqueles que produzem diretamente a riqueza, tendo no seu núcleo a classe operária, pode fazer. Contudo a passividade do meio operário, principalmente do ABC paulista, ameaçado pelo desemprego e limitado a tentar melhorar sua sorte com as migalhas que a burguesia lhe atira com o apoio de seus dirigentes sindicais, dá suporte para que o governo de colaboração de classes desempenhe o papel a ela destinado. Cabe aos ativistas que lutam pela mobilização independente dos trabalhadores abrir essa discussão nas fábricas, escritórios e assentamentos para que possam entender o que está em causa na conjuntura atual e não sirvam de massa de manobra no jogo político burguês.

CVM

Eis o Manifesto (reacionário):

“Pelo Direito de Manifestação, Pelo Direito de Ir e Vir
À população do Brasil

Nos tempos recentes, há um claro conflito entre o legítimo direito de expressão de opiniões, reivindicações, de manifestar apoio ou repúdio ao que quer que seja e o não menos importante direito de ir e vir.

Raro o dia em que não se veem nos meios de comunicação notícias sobre as vidas de milhões de pessoas transtornadas por conta de manifestações públicas que adotam como tática o bloqueio de grandes vias de transporte.

Reunindo vários milhares ou apenas um punhado de pessoas, grupos organizados em defesa de reivindicações as mais diversas arvoram-se no direito de interromper ruas, avenidas e estradas, de destruir meios de transporte e equipamentos públicos a eles relacionados. Violam, assim, o direito de um número sempre muito maior, milhões nos grandes centros urbanos, de se deslocarem a seus lares, a seus trabalhos, ao encontro de suas famílias, amigos, ou compromissos, quaisquer que sejam.

Mentes autoritárias, com profundo desprezo pelo direito alheio, terão sempre justificativas para essas ações na suposta justiça das causas que defendem ou na relevância das denúncias que propagam. As causas podem até ser justas, mas a alteração no tempo e na ordem da vida das pessoas não pode se tornar algo banal, corriqueiro. Um efeito dessa avalanche de manifestações que não titubeiam em afetar profundamente a vida das pessoas nas cidades é o descrédito e o desgaste de qualquer manifestação. Isso não é democracia, mas prepara sua destruição.

É hora de um BASTA! Exigimos do poder público que preserve o direito de ir e vir a todos aos cidadãos, não apenas aos grupos manifestantes. É deprimente e alarmante ter as forças da ordem pública assistindo passivamente ou mesmo contribuindo com o transtorno pelo bloqueio de grandes vias, preferencialmente nos horários de rush. É revoltante vermos multidões tentando chegar em suas casas ou a seus compromissos, imobilizados por horas, manietados, vítimas da passividade do poder público, acuados pela impunidade e eventual violência de manifestantes.

Exigimos que nossos direitos constitucionais sejam garantidos, não aceitamos vê-los usurpados por pequenos ou grandes grupos que têm direito de se manifestar, mas não de impor seus pontos de vista. O direito de manifestação, assim como o de greve, precisam ser preservados e mantidos dentro de seus limites legais. Conclamamos à reação contra a escalada antidemocrática das manifestações que não respeitam os direitos elementares dos cidadãos.

Propõem, em ordem alfabética:
Alba Zaluar UERJ
Carlos Alberto de Bragança Pereira USP
Dani Gamerman UFRJ
Elizabeth Balbachevsky USP
Gauss Moutinho Cordeiro UFPE
Glaura C. Franco UFMG
Helio S. Migon UFRJ
Luiz Felipe de Souza Coelho UFRJ
Manuel Thedim IETS
Marcio da Costa UFRJ
Maria Alice Nogueira UFMG
Maria Lígia Barbosa UFRJ
Nelson do Valle Silva UERJ
Renan Springer de Freitas UFMG
Simon Schwartzman IETS”
Fonte: http://oglobo.globo.com/brasil/leia-integra-do-manifesto-que-defende-direito-de-ir-vir-da-populacao-12646694#ixzz33lvz53aa

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Comentários

  1. Lucas Bronzatto disse:

    Excelente análise!!
    Compartilho um poema que escrevi que tem bastante a ver com o texto e com este manifesto:

    A você, companheir@ em greve
    não desejo nada de ameno
    desejo que a TV só mostre os prejuízos da sua greve
    que os jornais e revistas desrespeitem seu movimento
    desejo, caso isso ainda não tenha te acontecido,
    que você seja rotulado, taxado, chamado de vândalo,
    baderneiro, vagabundo, arruaceiro
    e que algum comentarista de renome te inclua
    na minoria que se infiltra nas manifestações
    pra atrapalhar as legítimas expressões do povo brasileiro
    (aquelas que não fazem cócegas no patrimônio dos empresários,
    nem arranham a fortaleza da concentração de renda)
    desejo cinematográficas reportagens sensacionalistas
    mostrando o mal que sua luta faz aos cidadãos de bem
    tão descaradas que te deixem com vontade de quebrar a TV

    Desejo, companheir@ em greve, que seu patrão,
    seja ele ou ela público ou privado,
    não te faça concessões
    desejo que te ofereça migalhas
    e que se houver traidores no seu movimento
    que aceitem estas migalhas
    e tentem convencer a você e seus companheir@s
    a aceitá-las
    desejo conquistas à força
    desejo também profundas hipocrisias vindas de seu patrão,
    que diga, por exemplo, que trabalha mais que você
    e por isso merece ser patrão
    e por isso você não merece o que reivindica
    ou que diga que os pais dele trabalharam mais que seus pais
    ou que os avós dele mais que seus avós
    e que nessa hora você trema de indignação
    porque o tempo das cabeças baixas
    “sim senhor não senhor” está acabando

    Desejo, companheir@ em greve, que a polícia aja como polícia
    com todo seu preparo para a truculência
    preferencialmente que reprima sem razão
    ou responda com força a alguma ação cheia de razão pra vocês
    e que, como sempre, defenda os patrimônios mais que as pessoas
    ah, desejo que os burocratas e ex-incendiários te chamem de oportunista
    que chamem a tod@s grevistas de oportunistas, sem distinção
    e que intelectuais criem abaixo-assinados
    pelo direito da sociedade não ser prejudicada com sua greve
    pelo direito deles de irem e virem de um devaneio a outro
    sem passar pela realidade

    Mas entenda, companheir@ em greve,
    não te desejo o mal
    desejo apenas que tudo fique explícito,
    caso ainda não esteja pra você,
    pra nós, companheir@
    por isso nada que amenize, nada que atenue
    nada que confunda
    nada que concilie o inconciliável
    nada que nos iluda
    só assim a luta fica clara
    a indignação cresce
    fica claro quem é quem
    e é possível olhar pro lado
    (e ali estarei)
    saber reconhecer
    e seja lá quantos formos
    encontrarmos nos rostos uns dos outros
    ali, e apenas ali, algo que alivie
    que atenue e que dê sentido
    Olhar no olho
    ombro no ombro
    cabeças, braços, peitos e pés pra derrubar
    de uma vez só e por todas:
    patrões, a mídia, este Estado
    e quem mais optar pela injustiça

    (Lucas Bronzatto – http://www.outroscantostortos.blogspot.com.br)

  2. Márcio Amaral disse:

    Deprimente e alarmante é ver profs universitários abordando um problema social tão grave de forma tão pobre e unilateral. Toda a sua queixa parece dizer: “Que tudo fique como estava”…com as pessoas se amassando nos transportes públicos e só resmungando solitariamente. Que conversem com seus empregados domésticos e tenham uma noção de como andam as coisas para a imensa maioria das pessoas! Quanta alienação universitária!