Greve dos Correios: os limites da legislação trabalhista e os obstáculos da organização sindical

A HORA DO PEÃO

 

 

Desde a deposição de Dilma Rousseff pelo Congresso Nacional em 2016 os trabalhadores da Empresa de Correios e Telégrafo do Brasil tem enfrentado um forte ataque por parte do Governo federal que aprofundou a implantação da política econômica neoliberal na defesa dos interesses do capital. Desvio de recursos, sucateamento, terceirização, ampliação das franquias, liberalização de atividades do Correios para empresas privadas, demissões, PDVs, etc. tornaram-se fatos comuns na vida cotidiana dos trabalhadores.

Foram anos difíceis!

Após a posse do Capitão Bolsonaro na Presidência da República em 2019, o ataque continuou. De uma forma mais agressiva, o governo dele está preparando a Empresa para a privatização. E uma das medidas mais importantes é a retirada dos direitos conquistados através de acordos e muitas lutas.

Neste ano, com a pandemia do Covid-19, a situação se agravou. A Empresa não garantiu condições mínimas de segurança para os trabalhadores durante a pandemia. Os protestos foram inúmeros por todo o país,  com ações judiciais e greves para garantir condições seguras de trabalho.

Agora, na data base para a campanha salarial, a Empresa apresenta uma proposta retirando ou reduzindo 70 das 79 cláusulas do Acordo Coletivo. Em assembleias realizadas em todas as bases sindicais, os trabalhadores e trabalhadoras recusaram a proposta da Empresa e decretaram greve nacional no dia 18.08.2020. Concomitante à campanha salarial, houve o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal de um recurso da Empresa questionando a validade de 2 anos do Acordo Coletivo atual que havia sido garantido quando da campanha de 2019, pelo Tribunal Superior do Trabalho. No dia 21, o STF julgou a favor da empresa e trabalhadores e trabalhadoras do Correios estão sem Acordo.  Assim, resolveram manter a greve por tempo indeterminado.

 

Os limites da legislação trabalhista

Pela lei de greve atual, os Tribunais de Justiça têm o poder de decretar uma greve legal ou ilegal, abusiva ou não e, se os trabalhadores desrespeitarem a decisão dos Tribunais, ficam sujeitos a multas e punições, podem até serem demitidos por justa causa e os sindicatos sofrerem intervenção. Como sabemos, a Justiça numa sociedade capitalista existe para garantir os interesses do capital. E, as greves são toleradas até certo limite; quando ameaçam os interesses do capital, a Justiça é acionada para pôr fim ao movimento.

 

Os obstáculos da organização sindical

Na estrutura sindical brasileira os sindicatos, federações, confederação, Centrais, são instituições sujeitas às leis que regem a vida sindical. Não são sindicatos livres e independentes; são organizações que estão sujeitas ao Estado do capital. Os dirigentes sindicais que não têm compromisso com a luta anticapitalista, utilizam o respeito à legislação para justificar o recuo e frear a luta. Dessa forma, as lutas dos trabalhadores ficam restritas aos limites impostos pelo capital. Se os trabalhadores decidem levar a luta adiante, desrespeitando a decisão do Tribunal eles terão que enfrentar não só os patrões e seu Estado, mas, também, os dirigentes sindicais que se aferram aos termos da lei.

A organização sindical brasileira foi construída pelo Estado do capital, com Getúlio Vargas desde os idos de 1931 e se mantém até hoje. Ela foi construída de forma a impedir a unidade da classe trabalhadora, instituindo a colaboração entre trabalho e capital, proibindo envolvimento político, definindo o momento da mobilização em datas-base estabelecidas por lei e separando os trabalhadores em diversas categorias, com a pulverização dos sindicatos (hoje são 16.900 sindicatos) e o impedimento de organizações independentes de base.

No caso dos Correios, uma única empresa em todo o país com a qual os trabalhadores estabelecem Acordo Coletivo de Trabalho exclusivo, eles são representados por 35 sindicatos, dos quais 30 filiados à FENTECT e, cinco à FINDECT. As Centrais sindicais que hegemonizam a categoria são, respectivamente, a CTB e a CUT – Centrais que tem se revelado em todas as lutas dos trabalhadores do Correios como instrumentos de amortização da luta pois sempre recorrem às limitações legais para encerrar os movimentos e, quando muito, tentam costurar um acordo nos Tribunais. As forças sindicais que têm uma disposição maior para levar a luta para frente ainda são minoritárias e terminam por não conseguir que a luta prossiga sobretudo nas principais regiões, como no Rio de Janeiro e em São Paulo.

 

A atitude das federações

Contudo, as pressões do movimento vindas da base, sobretudo por conta da ofensiva da empresa contra os direitos dos trabalhadores, obrigaram as federações e centrais sindicais a radicalizarem suas posições.

A FINDTEC – Federação Interestadual dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios defendia em julho a manutenção do julgamento do TST relativo à campanha salarial de 2019 na “mediação” de interesses com a empresa e solicitava aos sindicatos que aguardassem a decisão do STF.

Em 17.08.2020 a FINDTEC afirmava que a pauta de luta não era por aumento salarial e sim pelo cumprimento da sentença normativa do TST.

Em nota à imprensa em 21 de agosto a FENTECT – Federação Nacional dos Trabalhadores da Empresa de Correios e Telégrafos, defendeu o “endurecimento da greve” devido a posição intransigente da empresa e a posição adotada pelo STF pela suspensão do acordo de 2019. Segue um raciocínio legalista que se fundamenta inclusive na posição do procurador-geral da República uma vez que “a pauta não era de competência do STF.”

Tais decisões refletem a situação desesperadora em que se encontra os dirigentes sindicais, pressionadas pelas bases e sem respaldo da empresa e da Justiça.

Na conjuntura atual, não há mais margem para conciliações. A decisão do Governo é de privatização da empresa e, para tanto, precisa retirar os direitos dos trabalhadores e desmantelar os sindicatos. A própria FENTECT o reconhece na mesma nota quando fala em “endurecimento da greve em todo o país por tempo indeterminado”.

 

Porque a luta contra a privatização do Correios é importante

Uma das bandeiras de luta da greve em curso é a defesa da Empresa de Correios e Telégrafo (ECT) enquanto empresa pública, contra a sua privatização.

A privatização já é, contudo, um fato no setor do comércio por atacado, a exemplo de empresas como Magazine Luiza, Lojas Americanas e AVAN. O fim da ECT atingirá principalmente o comércio varejista cujo capital de giro não dá conta de manter um esquema de distribuição próprio dos produtos.

A grande maioria da população será afetada pelo fim das atividades e locais que não sejam rentáveis. Atualmente a ECT funciona de modo que as atividades e áreas rentáveis cobrem os custos daquelas não rentáveis.

Outra consequência da privatização é a demissão em massa dos trabalhadores e trabalhadoras.

Assim como pode ser com os Correios, a privatização de empresas como a Caixa Econômica, Banco do Brasil, Petrobrás, geração e distribuição de energia, saúde, educação, pode trazer as mesmas consequências: encarecimento dos serviços pelo aumento das tarifas, péssima qualidade do  serviço prestado à população  mais pobre e desemprego dos trabalhadores.

Vários países que privatizaram estes serviços estão voltando a reestatizá-los em função das consequências negativas causadas pela privatização.

 

Perspectivas imediatas

A força da greve é um fato assumido inclusive pela empresa que resolveu nesta terça-feira, 25.08.2020, ajuizar Dissídio Coletivo da Greve no Tribunal Superior do Trabalho.

Ontem houve manifestações em todo o país com avaliação da greve e definição do prosseguimento da luta. Mas, para que a greve continue e se fortaleça será necessário reforçar a organização para a luta. Será necessário organizar os comitês de apoio à greve nas comunidades, buscar o apoio da população, explicando os malefícios da privatização para a sociedade e, conquistar a solidariedade ativa com os demais trabalhadores. Estão em campanha salarial os bancários e os petroleiros. Os trabalhadores das montadoras estão sob a ameaça de demissões em massa. A conjuntura é propícia para a construção de uma frente única para enfrentar o capital!

Coletivo CVM, 25/08/2020

 

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