Fatos & Crítica nº 26: Lutar contra a fome, o desemprego e a ameaça à vida

 

 

A situação atual vivida pelos trabalhadores em nosso país no início do ano é extremamente crítica e trágica.  Crítica sob qualquer ângulo que se observe e analise: o salário mínimo de fome vigente a partir de 01/01/2021, os reajustes salariais abaixo da inflação oficial ocorridas na grande maioria das categorias em 2020, os 48 milhões sem auxílio emergencial, o desemprego em elevação (a Ford acabou de anunciar o fechamento de suas fábricas no Brasil). Trágica pelo aumento do número de casos e da mortalidade por covid-19, a fome e a desnutrição, o desespero em torno da violência que acompanha a degradação das condições de vida e da falta de perspectivas. É a realização do quadro previsto no último F & C, cuja superação é urgente.

 

Salário mínimo necessário contra salário de fome

No dia 1º de janeiro de 2021 passou a ter vigência o novo salário mínimo decretado pelo governo Bolsonaro; o valor de R$1.045 vigente no ano passado foi alterado para R$1.100,00 ,  representando um aumento de 5,22% baseado na revisão do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), inflação das famílias com renda de até cinco salários mínimos.

Como viver com esse salário miserável de R$1.100,00 dado os aumentos em cascata decorrentes do preço do combustível? De imediato, como conseguir até mesmo pagar o gás de cozinha que aumentou por conta da valorização do petróleo? E a energia elétrica? (a propósito, por que será que o governo não decretou horário de verão este ano?).

Fatos importantes precisam ser citados, como o do valor da cesta básica calculado pelo DIEESE para uma pessoa até dezembro de 2020  ter sido de 629,63 reais — o que, face ao salário mínimo vigente até a data, comprometia 65,14% do salário líquido.

salário mínimo necessário para uma família de quatro (4) pessoas deveria alcançar  R$5.304,90 (estimativa do DIEESE para dezembro de 2020).

De acordo com o DIEESE o salário mínimo serve de referência para 50 milhões de trabalhadores. Como é possível constatar na tabela abaixo, dos que recebem salário mínimo e serão “beneficiados” com o aumento de 55 reais para sobreviver em 2021, há um total de 12.092.000 empregados.

 

Impacto anual decorrente do aumento do salário mínimo em R$ 55,00

Tipo Número de Pessoas

(mil)

Valor Adicional da Renda Anual – R$ (2) Arrecadação Tributária Adicional R$ (3)
Beneficiários do INSS (1) 24.180 18.618.302.780 10.035.265.198
Empregados 12.092 9.310.661.897 5.018.446.762
Conta-própria 10.490 7.500.324.776 4.042.675.054
Trabalhadores Domésticos 3.295 2.536.898.811 1.367.388.459
Empregadores 285 187.991.895 101.327.632
Total 50.341 38.154.180.159 20.565.103.106

Fonte: DIEESE. Nota Técnica 249, de 04 de janeiro de 2021

Provavelmente a maioria dos 1 milhão e 300 mil trabalhadores temporários contratados no ano passado deve estar recebendo na faixa de até 2 SM. E a projeção é a de um aumento do emprego de trabalho temporário pelas empresas em 2021.

Trata-se de uma realidade bem diferente daquela vivida pelos trabalhadores contratados por tempo indeterminado e, sobretudo, dos mensalistas empregados nas grandes indústrias, cujos salários são mais elevados principalmente por receberem a chamada Participação nos Lucros ou Resultados (PLR). Além disso, podem ir e voltar do trabalho em seus pequenos automóveis e se não quiserem usá-los tem ônibus exclusivos à disposição para evitar o risco de contágio no transporte público superlotado, plano de saúde e outros mais benefícios garantidos pelas empresas.

Estarão eles, contudo, satisfeitos de forjar as “correntes douradas” com quais as quais a classe capitalista a arrasta a seu reboque?

Não acreditamos. Apesar de alguns jovens operários adultos, aliás, a maioria empregada nas grandes indústrias, poderem apensar ou alegar: “estamos felizmente, muito acima da miséria em que você (outros) mal sobrevivem” sabem não ser uma afirmação que se sustente. Pela experiência tem consciência de que o valor do piso salarial é extremamente baixo (e que foi praticamente esquecido pela maioria das direções sindicais), enquanto a PLR é o seu “salário variável”, o acréscimo do equivalente a um salário mínimo mensal, como “pagamento” da produtividade, isto é, do trabalho mais intenso na mesma jornada diária, mediante o esforço extremo de seus nervos, músculos e emoções. A alienação da realidade que os separa daqueles outros setores presos às correntes de ferro da condição assalariada é muitas vezes consciente para suportar a realidade da exploração intensiva que exaure suas forças e do medo de deparar-se, repentinamente, com o desemprego em decorrência das oscilações dos negócios capitalistas em acirrada concorrência mundial.

 

Leia aqui o artigo da Intersindical “Isso é capitalismo: Ford também se aproveita da pandemia para demitir milhares de trabalhadores” e do blog do CEM FLORESO Fechamento da Ford no Brasil e a Luta da Classe Operária“.

 

Quais são as prioridades imediatas do Estado do capital?

Vejamos agora a outro lado da situação. As notícias da mídia burguesa sempre destacam (e criticam) a correlação entre o aumento do SM e do gasto público social. A matéria “Governo publica MP e define salário mínimo de R$ 1.100 em 2021” refere-se ao impacto do aumento do mínimo com um gasto público adicional em 4 bilhões em 2021. Pode parecer muito dinheiro, mas corresponde a apenas ¼  do montante dos juros da dívida pública no valor de 1 trilhão e 300 bilhões de reais, a serem embolsados pelo capital financeiro (na maioria representado pelos credores das empresas capitalistas, nacionais e estrangeiras, bancárias, industriais, comerciais, etc.) durante o corrente ano.

Em contraposição, o que passa a dominar o cenário nacional do ponto de vista da informação pública é a necessidade da prorrogação do auxílio emergencial subordinada à disputa pela sucessão da presidência da Câmara dos Deputados, prevista para acontecer no próximo mês. Assim a fome e o desespero dos trabalhadores torna-se moeda de troca política entre os partidos de apoio e oposição institucional do/ao governo Bolsonaro.

Novo ataque virá em seguida se for aprovada a nova versão da carteira Verde e Amarela para “combater o desemprego no pós-covid”, sem encargos trabalhistas e com remuneração na faixa de valor entre o auxílio emergencial e o salário mínimo. Esta nova versão foi enviada pelo governo Bolsonaro ao Congresso. Uma medida que vai esperar o desfecho da disputa pela sucessão da presidência na Câmara dos deputados e no Senado Federal, mas que significará um aceno para os investidores externos para aplicarem capitais no Brasil, onde existe uma verdadeira floresta de braços erguidos pedindo trabalho.

Mas o silêncio sobre o salário de fome e da escravidão assalariada feita pela mídia burguesa não é rompido sequer pela maior central sindical brasileira, pois apenas faz uma denúncia para remontar ao pequeno incremento real do salário mínimo baseado na variação do Produto Interno Bruto durante os governos de Lula e Dilma, sem convocar os trabalhadores para a luta.

 

A necessidade da resistência operária

É urgente, pois, a resistência a este estado de coisas, tendo em vista conseguir o salário mínimo necessário, o aumento do seguro-desemprego, a redução dos preços do gás de cozinha, da energia elétrica e da cesta básica.

Poder-se-ia argumentar, com espanto: mas isso não passa de voluntarismo! Nada disso é possível na atual correlação de força. Exatamente! Mas se trata de lutar para modificar a correlação de forças mediante a ação coletiva, orientada pela defesa das reivindicações de classe, de não ficar ao sabor dos partidos burgueses e seus sócios menores oportunistas.

Lembremos, a propósito, do Movimento do Custo de Vida sustentado pelas mulheres dos trabalhadores na periferia da zona sul de São Paulo quando, em 1978, enfrentou a ditadura militar num ato de mais de 20.000 pessoas realizado na Praça da Sé. Ato no qual foi dirigido um abaixo-assinado ao governo do general Geisel, na forma de 1 milhão e 300.00 assinaturas, com as reivindicações de congelamento dos preços dos gêneros de primeira necessidade, de aumento dos salários acima do aumento do custo de vida e de abono salarial emergencial imediato e sem desconto para todas as categorias de trabalhadores. Na época, os sindicatos estavam sob controle dos pelegos e em estrita vigilância policial, atitude permitida pela própria legislação sindical-trabalhista de atrelamento ao Estado herdada do primeiro período do varguismo.

Desde sua instituição em 1934 e regulamentação em 1939 o salário mínimo é a remuneração capaz de garantir uma “ração essencial” ou cesta básica e despesas de sobrevivência para um trabalhador adulto. Não deveria o salário do(a) chefe de família ser suficiente para a sua sustentação? Os capitalistas e os seus governos não se importam que sirva apenas para um(a) trabalhador(a) enquanto conseguir obrigar o restante  da família a procurar emprego a um preço vil, mesmo ao custo de sacrificar vidas humanas.

Durante a greve da Renault ocorrida em São José dos Pinhais (Paraná) entre junho e agosto de 2020, um delegado de fábrica deixou bem claro ter sido a paralisação uma oportunidade para demonstrar que os capitalistas negociam com os trabalhadores apenas quando são pressionados, na luta. Quase certamente ele não leu, mas iria sentir-se contemplado na frase do informe de Karl Marx, proferido na sessão de 27 de junho de 1865 do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, publicada sob o título “Salário, preço e lucro” que aqui sintetizamos numa redação própria:

Se em seus conflitos diários com o capital os operários cedessem covardemente ficariam, decerto, desmoralizados para realizar outros movimentos de maior envergadura, como os exigidos para questionar e lutar pela abolição do sistema de trabalho assalariado.

Sem a luta, a existência das massas operárias reduz-se de fato à miséria, à escravidão e a sucessiva perda de direitos como anunciada na nova versão da carteira verde e amarela.

 

Nota: Manaus urgente! A tragédia das mortes por asfixia

No momento em que a mortalidade por covid-19 no Brasil alcança a média diária próxima daquela ocorrida no auge da pandemia, observada em julho de 2020 (1.554 em 29/07/2020), somos atingidos pela tragédia que se abate sobre a população de Manaus, com mortes ocorrendo por asfixia devido à falta de oxigênio.

A situação de Manaus se tornou emblemática desde 14/01/2021 com a falta de oxigênio para atender pacientes em insuficiência respiratória, insumo fundamental para suporte da vida em casos moderados e graves da Covid-19. Além dos doentes pela pandemia, inúmeras outras situações rotineiras exigem suporte de oxigênio como condição básica de vida. Estão em risco de morte, por exemplo, recém-nascidos prematuros, pacientes submetidos a cirurgias de emergência, internados com doenças respiratórias causadas por infecções diversas e doenças degenerativas.

Este é o segundo colapso sanitário enfrentado pela população manauara. No primeiro, em abril de 2020, houve o colapso de atendimento, com pacientes falecendo em casa e em macas por falta de vaga em hospitais da rede pública, e quando havia acesso, os leitos de cuidados intensivos eram insuficientes. O segundo colapso que vemos agora é mais grave ainda pois soma-se à falta de assistência hospitalar a falta de um insumo básico, o oxigênio, que é fundamental para o suporte da vida humana. Atinge até mesmo os pacientes já internados, que dependem desse suporte. Sem oxigênio, para essas pessoas só resta esperar a morte. Os hospitais de Manaus se transformaram em grandes câmaras de morte. E seguem as cenas dantescas de pessoas carregando pelas ruas cilindros de oxigênio para seu familiar internado ou doente em casa, o que pouco ou nada resolve, pois um cilindro pode servir para cerca de 24 horas, se muito.

Manaus tornou-se um campo de experiência para a classe dominante, se encaixando perfeitamente ao ideário do governo Bolsonaro, que não escamoteia o interesse da burguesia de privilegiar a economia acima de todos e os lucros acima de tudo.  Para isso se utilizou da teoria da imunidade de rebanho, quando uma parte significativa da população infectada poderia conter a disseminação do vírus. Essa é uma tese que não se sustenta em relação ao Covid-19, cujo comportamento é ainda relativamente desconhecido da ciência. Estudos recentes demonstram que o vírus não confere imunidade duradoura aos infectados, os anticorpos dariam proteção por cerca de 5 meses, ao mesmo tempo em que poderiam permanecer transmitindo o vírus. A falsa ideia de que a cidade estaria imune contra a Covid-19 forneceu o argumento para relaxamento de medidas de isolamento. Apesar da crise, o governador do Amazonas Wilson Lima, do PSC, não cogita a medida sanitária de confinamento (lockdown) para enfrentar o novo colapso. O secretário de Saúde do Amazonas Marcellus Campêlo, recentemente declarou que “a sociedade amazonense fez uma “opção” pela contaminação”. Que “sociedade” é essa? As medidas tomadas por decreto pelo governo do estado em 23 de dezembro de 2020, véspera de Natal, que proibia a abertura de atividades não essenciais por 15 dias foram revogadas quatro dias depois, devido a protestos de empresários e lojistas. Logo, ficou cristalino que a “opção” criminosa pela contaminação foi da burguesia e seu governo.

Mas não se pode dizer que em outros estados a situação está sendo diferente, com políticas sanitárias que atendem à ciência e a proteção à saúde dos trabalhadores. Muito pelo contrário. O aumento da transmissão e do número de casos em novembro de 2020 já alertava para necessidade de novas medidas de confinamento mas foram ignoradas ao longo das eleições municipais, certamente com a preocupação dos candidatos em não desagradar suas bases empresariais capitalistas no comércio e na indústria. Os protocolos que criavam restrições, ainda que tímidos, foram sistematicamente burlados, com a vista grossa geral da parte de prefeituras e dos governos estaduais. O retrato dessa política de “imunidade de rebanho” da direita que finge não ser “negacionista” é a invisibilidade dos meios de transporte coletivos lotados de trabalhadores no trajeto diário ao local de trabalho. E por opção própria, grande parte da pequena burguesia vem ignorando as regras sanitárias, seja em favor de seus negócios ou pela simples ignorância de suas convicções. Por consequência, a fila de pacientes graves com Covid-19à espera de um leito de tratamento intensivo já é a realidade em diversas cidades do país, como Senador Canedo (GO), Rio de Janeiro e nos estados do Ceará, Rio Grande do Sul. Temos em curso um significativo aumento de internações e mortes em São Paulo, Santa Catarina, Mato Grosso e em diversos outros estados. Destaca-se o Estado do Rio de Janeiro, que possui o maior número de unidades públicas de saúde, sucateadas, subutilizadas, e que apresenta uma das mais altas taxas de letalidade em proporção a sua população.

Não bastasse toda essa tragédia sanitária, o circo montado em torno do início da vacinação está submetido a lógica dos interesses da disputa por espaço político com vistas as eleições presidenciais de 2022. O país conta com um imenso parque bioindustrial e capacidade tecnológica de produção de vacinas em larga escala, dispõe de vacinas suficientes para iniciar a vacinação imediata que vem sendo postergada pela burocracia de uma agência reguladora recheada de militares ignorantes e que faz o jogo do governo Bolsonaro. Estes crimes ficarão registrados para história, para que no futuro os seus autores sejam julgados pelos tribunais da classe trabalhadora. Enquanto este dia de ajuste de contas revolucionário não chega, a mobilização de classe dos trabalhadores precisa impor sua força, inclusive com a importante ação coletiva dos trabalhadores da saúde que estão na linha de enfrentamento da pandemia e do governo criminoso e seus cúmplices.

Coletivo do CVM – 17/01/2021

 

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