Fatos & Crítica 35 – CONCLAT 2022: crítica e alternativas

 

 

 

 

Em 28 de fevereiro do corrente ano o documento Proposta de pauta da classe trabalhadora 2022 foi apresentado pela “Comissão Operativa do Fórum das Centrais Sindicais” com o objetivo subsidiar a preparação da Conferência da Classe Trabalhadora no próximo dia 7 de abril.

Chama atenção a linguagem pretensamente neutra e isenta de interesses de classe para falar de uma crise que “destrói o país”, a defesa do “trabalho decente” enquanto núcleo para “uma nova proposta de desenvolvimento social e crescimento econômico” e reivindicações vagas como “revisar os marcos regressivos da legislação trabalhista e previdenciária no setor público e no setor privado”. Posições assim formuladas tem um sentido político claro: trata-se de um documento voltado para viabilizar a candidatura de Lula junto às diferentes frações da burguesia.

Examinemos brevemente estes três aspectos da “Proposta de pauta da classe trabalhadora 2022”.

Conforme o documento, as dificuldades da classe trabalhadora brasileira decorrem da falta de crescimento acompanhada de desindustrialização que acarreta desemprego, carestia, miséria. A responsabilidade política por esta situação recai sobre os “dois últimos governos que optaram pelo retrocesso”, caracterizado pela reprimarização da economia, cujos resultados – “entre outros prejuízos aos trabalhadores” – consistem na diminuição do trabalho decente e nos investimentos em inovação”. Uma análise deste tipo poderia ser assinada por qualquer estudante de economia ou de sociologia ignorante ainda da natureza do capitalismo e da movimentação da classe que, ao controlar os meios de produção, comanda esta economia, ou seja, a burguesia. Mas nas palavras de sindicalistas este tipo de linguagem e de compreensão representa a aceitação completa da exploração capitalista da força de trabalho, da dominação do trabalho assalariado pela classe dos proprietários do capital.

E isso, adiante-se, se faz em nome do “trabalho decente” – considerado o núcleo de uma nova proposta de desenvolvimento social e crescimento econômico” – uma terminologia criada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) adotada pela maioria dos países, inclusive pelo Brasil, após o capitalismo, na virada da década de 1990 para os anos 2000, ter reduzido suas taxas de crescimento. De acordo com esta definição da OIT, decente é o trabalho contratado conforme os direitos trabalhistas. Entenda-se, contudo: os direitos são o resultado, na legislação, das posições alcançadas pelos trabalhadores ao longo de lutas, sempre questionados pela classe dos capitalistas. As leis e os direitos expressam as relações de força entre capital e trabalho – que, enquanto subsistir a economia capitalista, favorecerá o capital. Assim é que a reforma trabalhista de 2017 consagrou a terceirização completa das atividades, tanto no setor privado como no público, transformando-a em lei, somente passível de ser revogada, nos limites da sociedade capitalista-burguesa, por outra lei. Portanto qual o significado do “trabalho decente”, quando sequer a revogação da reforma é formulada no documento das Centrais?

Certamente não há unidade de posições entre as centrais sobre várias reivindicações e mesmo direitos, a exemplo da terceirização, aceita pela Força Sindical, e da prevalência do negociado sobre o legislado, pela CUT. Os dirigentes não raciocinam de acordo com o necessário enfrentamento do capital, em defesa da organização mais ampla dos trabalhadores. Orientados pelo exclusivismo sindical de ampliar as bases de suas máquinas burocráticas, estas correntes dominantes do movimento são contrárias a uma revogação da reforma trabalhista em sua totalidade.

 

O significado do “Fora Bolsonaro” e o sentido da mobilização independente da classe operária

A derrota eleitoral de Jair Bolsonaro na eleição presidencial de 2022, a eleição de Lula e a conquista de postos nos ministérios do novo governo constituem, de fato, os elementos da unidade política possível das Centrais Sindicais.

O “Fora Bolsonaro” resume esta unidade: em artigo publicado no dia 13 de outubro de 2021, Miguel Torres, presidente da Força Sindical, avaliando as divisões nas manifestações de rua contra o governo Bolsonaro, pergunta-se porque não se verificaram os resultados de uma pesquisa de opinião mostrando que em cada 10 brasileiros 6 eram contrários ou discordavam de Bolsonaro. Sua resposta é clara: a palavra-de-ordem “Fora Bolsonaro” é mais ampla do que as distinções estabelecidas pela “esquerda e centro-esquerda”. Decorre daí a exigência do engrossamento das fileiras da oposição ao atual governo, suspendendo as cores partidárias. Tendo logrado o objetivo de substituir o malfadado presidente, escreve o dirigente sindical, “cada qual segue o rumo das convicções político-ideológicas que lhe move”. Esta reticência sugere interesse: a posição da Força será outra quando, em decorrência da vitória da coligação lulista, uma pasta ministerial lhe for oferecida.

Os dirigentes das centrais, sindicalistas voltados exclusivamente para aumentar o poder das máquinas sindicais que supõem controlar, esquecendo-se do atrelamento dos sindicatos ao Estado burguês, são incapazes de compreender o caráter de classe do governo Bolsonaro. Até o ultraliberalismo da política econômica fica apagado diante dos efeitos desta política quando, numa visão alternativa, se caracteriza o governo Bolsonaro como um “governo genocida”.

A importância de esclarecer as massas dos trabalhadores, em sua ampla maioria despolitizadas do ponto de vista de classe, sofrendo influência unilateral dos meios de comunicação da burguesia, não deve ser em nenhum momento esquecida. A campanha eleitoral, oficialmente reduzida a dois meses e quinze dias, deve ser aproveitada, apesar das fortes limitações derivadas desta influência burguesa, como uma oportunidade para esclarecer as ilusões sobre o processo eleitoral como caminho de solução dos problemas da classe, bem como da escolha do voto em Lula.

Não resta dúvida de que a candidatura de Lula tem hoje melhores chances de derrotar eleitoralmente Bolsonaro, mas os compromissos políticos de Lula com os interesses da burguesia advertem-nos contra um voto previamente definido. É um erro supor que se possa adiantar o voto em Lula no primeiro turno e, ao mesmo tempo, advertir contra as futuras limitações de um futuro governo dele apenas na coligação partidária sinalizada com Geraldo Alckmin. Também a candidatura de Lula representa os interesses do capital, somente que numa perspectiva da pequena-burguesia democrática.

O caráter pequeno-burguês de Lula e do PT foi reconhecido até mesmo pelos dirigentes sindicais da CUT em âmbito “reservado”, a exemplo de entrevistas concedidas para pesquisadores e publicadas em revistas acadêmicas. A “dificuldade da defesa da agenda trabalhista” nos governos de Lula e Dilma – o que, aliás, ajuda a entender a política de conciliação de classe desses governos – foi explicada por João Felício e Artur Henrique, ex-presidentes da CUT, porque “só abraçavam a ideia que era consensuada” e a central não avançou nas pautas trabalhistas devido a resistência dos setores empresariais, repetindo a “cantilena da época neoliberal baseada no argumento de que as leis são muito rígidas e os salários altos”. Ademais, o empresariado só apoiou Lula para “fazer o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] pra fazer o Minha Casa, Minha Vida”.

O nível de consciência e de organização política das classes trabalhadoras exigidos pela situação conjuntural é muito alto, estamos correndo contra o tempo com grande atraso. Por outro lado, importa também saber que a derrota eleitoral de Bolsonaro não representa a derrota política do bolsonarismo, apoiado principalmente na média oficialidade das Forças Armadas, nas Polícias Militares e nos grupos paramilitares. A vitória eleitoral de Lula pode agudizar a ação violenta do bolsonarismo. A única solução para enfraquecer e derrubar estas forças está na mobilização política dos trabalhadores. Daí a importância dos passos imediatos nesta direção, um dos quais é a participação na campanha e outro, fundamental e prioritário, é a defesa das reivindicações imediatas dos trabalhadores nos enfrentamentos com o capital nas empresas e no âmbito dos ramos de atividade econômica.

A organização de base dos trabalhadores é um pressuposto para sua mobilização independente, porém não é equivalente a independência de classe. Antes de 1964, o velho PCB, em aliança com o PTB, conseguia realizar greves por meio das delegações sindicais nos locais de trabalho. Contudo, sua posição política estava subordinada à da burguesia reformista, representada, a partir de 1961, pelo governo João Goulart, fazendo isso em nome da etapa democrático-burguesa de uma revolução cujo objetivo final seria socialista. Apenas semeou ilusões na massa operária e deixou-a despreparada para enfrentar o golpe militar que, em 1964, acabou com as veleidades reformistas da burguesia.

Vale destacar aqui as posições iniciais da CUT que foram abandonadas progressivamente a partir da segunda metade dos anos 1980 e mais amplamente da década de 1990 em diante até nossos dias. A Central, fundada em 1983, surgiu como resultado da mobilização de duas correntes do movimento operário e sindical, a saber, da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo (OSM-SP) e dos sindicalistas “autênticos” (Lula, Jacó Bittar e outros). Mas a influência decisiva foi da OSM-SP que, pela tradição da resistência operária à ditadura militar nos anos da década de 1970 e da liderança na greve geral dos metalúrgicos paulistas em 1979, pode influenciar decisivamente a posição do I Congresso da Classe Trabalhadora, convocada pela Comissão Pró-CUT, realizada em São Bernardo do Campo (SP) de 26 a 28 de agosto de 1983.   A linguagem classista, a denúncia da exploração capitalista e a convocação à greve geral caracterizam o documento do 1º. CONCLAT: exige-se, dentre outras medidas o fim do Decreto-Lei 2045 (lei do arrocho salarial), o fim da política econômica, a liberdade e autonomia sindicais, a liberdade de organização política, o fim da Lei de Segurança Nacional, bem como o fim do regime militar. Surge aí também a primeira ideia de um governo controlado pelos trabalhadores, mediante eleições diretas para presidente da República.

A força da OSM-SP espraia-se para fora de São Paulo, atingindo inclusive Campinas, quando então passa a denominar-se Movimento de Oposição Sindical metalúrgica de São Paulo (MONSP). O vínculo entre a velha e as novas oposições sindicais é viabilizado principalmente pelas Pastorais Operárias, a exemplo de Eliezer Mariano da Cunha, importante figura histórica da classe operária e dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas falecido em 18 de maio de 2020, aos 68 anos de idade.

 

O caminho passa pelas greves e a unificação das lutas

O desafio dos operários conscientes consiste em apontar para a massa, principalmente nos locais de trabalho, um caminho que venha a impedir a transformação dos trabalhadores em massa de manobra eleitoral e a sua subordinação aos interesses da burguesia.

A participação no processo eleitoral, além de ficar em segundo plano, deve se dar fora dos limites da CONCLAT porque se trata de um jogo de cartas marcadas, sem qualquer chance de ganho. O centro da atuação precisa estar na constante organização voltada para aproveitar as possibilidades de unificação das lutas.

Desde março os trabalhadores retomaram sua movimentação em luta contra o rebaixamento dos pisos salariais e por aumento salarial em diferentes categorias, como os rodoviários em diversos municípios, os trabalhadores da COMLURB no Rio de Janeiro, os empregados do Metrô de Belo Horizonte, os funcionários do INSS e os professores estaduais e municipais.

Importa ter presente que em setembro, durante o processo eleitoral, petroleiros, metalúrgicos e outras categorias de trabalhadores estarão em campanha salarial uma vez que têm data-base neste mês. Pode surgir então a oportunidade da unificação das lutas, mas tal eventualidade somente poderá ser aproveita mediante uma atuação firme das diretorias e das oposições sindicais, dos ativistas, cipeiros e apoiadores no trabalho de base em termos de locais de trabalho e bairros.

Neste caminho em torno de aprendizado nas lutas, com uso de métodos próprios de luta e de organização, podem os operários avançar em conquistas de interesse de toda a classe, perceber seus pontos fortes e fracos, saber quem são seus aliados e quem os seus inimigos de classe e atrair a maioria dos trabalhadores para seu lado.

Uma contribuição fundamental para a formação de um movimento de classe é o levantamento de uma plataforma de lutas que, ao destacar as reivindicações mais importantes surgidas nas greves e movimentos da atualidade, permita vislumbrar o desenvolvimento futuro de um movimento operário independente, sustentado na sua própria organização.

Uma plataforma que traduza as experiências e as condições de luta atuais, a perspectiva da unificação destas lutas em termos de classe, precisa contemplar as seguintes reivindicações:

  • salário mínimo necessário, nos termos do DIEESE
  • reajuste automático de salário com aumento da inflação
  • redução progressiva da jornada de trabalho, sem redução salarial, para 6 horas diárias e 30 horas semanais
  • fim da lei 7.783/1989 (lei de greve)
  • pela organização de fundos de greve enquanto entidades de direito civil
  • livre organização nos locais de trabalho
  • sindicatos livres do atrelamento ao Estado em todas as suas dimensões
  • fim da Lei no. 13.467/2017 (reforma trabalhista)

 

Coletivo do CVM – 02 de abril de 2022

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