Black Blocs: as ideias por detrás das máscaras
José Roberto Medeiros
Do site: Página Zero
Um dos fenômenos mais discutidos sobre as mobilizações de junho é o aparecimento do grupo Black Bloc.
Vestido de preto, usando máscaras ou panos para esconder o rosto, o grupo tomou a linha de frente das manifestações e tem sido relacionado por segmentos da imprensa como vândalos, baderneiros e responsáveis pelos confrontos com a Polícia Militar. De acordo com a mídia, as máscaras seriam para esconder o rosto para a prática da desordem, mas será que é isso mesmo?
Tradicionalmente a imprensa tende a criminalizar os movimentos que contestam o sistema, foi assim com os movimentos anarquistas do começo do século XX, foi assim com os comunistas na Era Vargas e durante a Ditadura Militar. Porque pensar que agora seria diferente? Entramos em contato com alguns membros do grupo conhecido como Black Blocs e tentamos compreender um pouco mais desse novo elemento que passa a fazer parte do cenário político fluminense.
As roupas pretas não são apenas para dificultar a identificação, como tenta induzir a televisão, ela tem o simbolismo de união, solidariedade e comprometimento com a causa. Black Blocs existem em várias partes do mundo. Sua atuação no Egito e na Grécia tem chamado atenção e, sua manifestação no Brasil deixou muitos confusos. A ideologia que seguem é o anarquismo. Se organizam de forma horizontal, não apontam líderes. A faixa etária predominante varia entre os 18 e 26 anos, caracterizando como um grupo essencialmente jovem. A maioria são homens, mas mulheres também se fazem presentes. O grupo iniciou sua atuação no Rio de Janeiro durante as primeiras passeatas de Junho e, de lá para cá, segundo seus membros, só tem crescido:
– O grupo já existia no Brasil há algum tempo. Nós, entretanto, começamos nossa atuação no Rio de Janeiro nas primeiras passeatas. Num primeiro momento, éramos bem poucos, pois ninguém nos conhecia, agora nossa realidade é outra – Diz um membro do grupo.
Eles se reivindicam como anarquistas e se referenciam na primeira aparição dos Black Blocs em Seatle (1970), não se envolvem com partidos, mas também não os tomam como seus inimigos principais. Suas bandeiras envolvem fim de opressões, autoritarismo e deixam claro que seus inimigos não são os partidos políticos, como se ventila por aí, mas sim todas organizações que promovem a opressão do homem pelo homem:
– Nós somos contra qualquer autoritarismo. Temos como inimigos aqueles que se colocam acima dos outros, não aceitamos que ninguém tenha poder sobre ninguém. Acreditamos na solidariedade, liberdade e justiça. Queremos a democracia direta, com organização e sem autoridade. Nossos inimigos são os que humilham, os que não respeitam o próximo, os que tiram a igualdade e impõem sobre a população o que acham certo. Nós lutamos contra tudo o que reprime, tudo o que nos aprisiona. Reinvidicamos o direito da sociedade e damos voz e apoio ao povo. – diz um membro dos Black Blocs.
Os alvos principais do grupo são grandes empresas que, na visão dos Black Blocs promoveriam a desigualdade social, o preconceito e outros valores que o grupo atribui ao sistema capitalista:
– Nossos alvos em geral são multinacionais e adjacências. Acreditamos que essas empresas provoquem a infeliz separação de classes, evidenciem o preconceito e elevem a falta de respeito entre as pessoas.
Criminalizados pela mídia e até por setores da esquerda, os Black Blocs vem enfrentando sensações diferentes ao longo desse processo de mobilizações que vive o Rio de Janeiro. Se por um lado a PM os elege como inimigos e alguns partidos os acusam de começar confrontos e implodir os atos; por outros muitos militantes independentes entoam gritos de apoio ao grupo nos atos, colocando-os como protetores dos manifestantes. Eles rebatem as acusações de que começaram os confrontos com os partidos. De acordo com eles, os confrontos da passeata dos 100 mil, na Rio Branco, com os militantes do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU) começaram por conta que estes teriam iniciado o atrito com eles. E afirmam que não tem nada a ver com o ataque aos Partidos ocorrido na manifestação que reuniu 1 milhão de pessoas na Presidente Vargas:
– Esse confronto não teve nada a ver conosco. Não havia nenhum Black Bloc nesse dia. – Afirma uma das moderadoras da página do grupo na internet.
O grupo também desmente a acusação de que teria levado coquetéis molotovs para a passeata do dia 11, onde uma caixa cheia de molotovs foi supostamente encontrada e entregue à Polícia:
– O Black Bloc foi para a linha de frente proteger os manifestantes da polícia. Não usamos Molotov, quem dirá uma caixa desses artefatos caseiros , afinal, nunca que algo daquele tamanho caberia em uma mochila de costas. Temos certeza que implantaram aqueles Molotovs para nos incriminar e conseguir algo para nos difamar. – Diz um militante do grupo.
Eles criticam a atuação dos partidos que, na visão deles, foram hostis ao grupo na passeata chegando à prática, condenada pelos Black Blocs, da contratação de seguranças que tinham eles como alvos de contenção:
– Não fomos bem recebidos pelos partidos na passeata do dia 11 de julho. De acordo com depoimentos, eles contrataram até seguranças para nos conter. Fomos agredidos. Mas não estamos generalizando, tivemos o prazer de em alguns momentos durante a manifestação caminhar entre eles e nada acontecer.
O grupo, que é alvo de investigação dos serviços de inteligência da Polícia, admite que existe infiltração de agentes externos em seu meio. Não descartam a possibilidade de que sejam Policiais disfarçados, mas garante que estão desenvolvendo um método interno de avaliação e filtração para que isso não continue a acontecer. Eles alegam que não usam da violência como arma e sim que apenas se defendem – e defendem os manifestantes – dos ataques da polícia. Condenam os roubos e chegaram inclusive a manifestar através das redes sociais essa posição, mas não criminalizam a quebra de sedes de empresas e repartições públicas.
Polêmicos, os Black Blocs ganharam as páginas de jornal de todo o país com uma visão extremamente distorcida e estereotipada pela grande mídia. O grupo se defende das acusações de que incitaria atos de violência e expõe sua ideologia, pregando unidade das forças que lutam contra o sistema independente das diferenças ideológicas:
– Acreditamos que cada um tem o direito de escolher o que quer ser, no que acreditar e pelo que lutar. Não aprovamos o preconceito. Cada um nasceu do jeito que é, branco, negro, hétero, homossexual, homem, mulher… Cada um tem seu propósito no mundo e não cabe a ninguém julgar. Igualdade e justiça, é nisso que acreditamos e é isso que apoiamos. Todos estão lutando pelo que acham certo, só estamos fazendo o mesmo e tentando assim, dar mais voz, mais expressão aos movimentos. Somos anarquistas, mas isso não nos torna vândalos ou pregadores da violência. Respondemos aos ataques da polícia, apenas. Não queremos ninguém ferido, queremos proteger, mesmo que às vezes algo saia errado. Queremos ajudar e acreditamos que toda ajuda é válida, mesmo com ideologias diferentes. A união faz a força e nesse momento, a força é o povo, sem distinção de ideologia.
Ao contrário do que apresenta a grande imprensa, ao invés de um grupo de “vândalos” e “baderneiros”, os Black Blocs se apresentam como um grupo anticapitalista que se presta ao papel, inclusive, de defender os manifestantes da opressão policial. A mídia, por má fé ou falta de qualidade na apuração jornalística, parece ainda não ter entendido isso, mas parte das ruas parece já ter compreendido senão o grito de “não tem PM, não tem Choque, mas tem os Black Blocs” não seria entoado com tanta força como foi na última manifestação.