As multidões de Junho: fragmentação e protagonismos

Por Rafael Gonzáles

Segundo os estudos dos historiadores marxistas ingleses (Hobsbawm, Rudé e Thompson) as multidões entram em movimentos pelos mais diferentes motivos, todos ligados as suas condições de vida, trabalho e expectativas. No nível mais elementar, mas nem assim desimportante, as massas se mobilizam em uma economia moral das multidões, como estudado por Thompson, na defesa de interesses primários e imediatos como nas conhecidas “revoltas do pão”. Que eram encetadas, principalmente por mulheres contra o aumento do preço dos cereais e contra as exportações daqueles produtos essenciais para alimentação dos pobres.

Em outro extremo as massas tornam-se revoltosas e promovem rebeliões violentas que só são vitoriosas se tiverem à frente um partido revolucionário. As conjunturas revolucionárias são resultantes de determinações históricas singulares e não surgem com muita freqüência. O importante é ter consciência que entre os dois extremos representados pelas pré-capitalistas “revoltas do pão” e as situações revolucionárias existem um amplo leque de possibilidades tipológicas. A questão é de determinar para onde converge cada caso concreto. Para tanto cabe a investigação de três aspectos na análise das multidões na História: (a) quais são suas bandeiras de luta? (b) contra quem efetivamente estão lutando? (c) quais são seus principais alvos materiais?

As multidões de junho no Brasil são massas fragmentadas, mas alguns destes fragmentos tinham bandeiras de lutas e sabiam que lutavam contra certas instâncias políticas. Por outro lado, todos os prédios e bens atacados pelos manifestantes concentravam riqueza material ou simbólica, poder institucional e representação ideológica das classes dominantes. Exemplos: prédios dos poderes constituídos, Bancos, veículos e equipamentos da imprensa burguesa. O contato direto com a população que a Globo tanto preza tornou-se impossível e Caco Barcelos foi escorraçado “pelos de baixo” que sabiam quem ele era e o que representava. As massas em movimento não foram ultrapassadas pela própria dinâmica, mas indiscutivelmente ultrapassaram as expectativas de muitos. A questão é que as massas são mais radicais que os partidos e estes são mais radicais que as suas direções.

O Partido dos Trabalhadores e os governos petistas, incluindo a presidenta Dilma foram pegos de surpresa, dizem a grande maioria dos analistas. Evidente que foram. Podia ser diferente? Quando o partido abandonou sua organização estruturada nos núcleos, quando se afastou das lutas sociais, quando resolveu escrever a “Carta aos Brasileiros” que devia ser chamada de “Carta aos Banqueiros”, quando resolveu ser instrumento da terceira modernização do capitalismo brasileiro[1]; era evidente -ou deveria ser – que um dia as massas voltariam às ruas e o PT estaria do outro lado da barricada e estava, não enquanto um inimigo declarado de classe, mas como um partido de ideologia pequeno-burguesa e lógica reformista-burguesa.

Por outro lado, os avanços obtidos pelos governos de Lula e de Dilma são pequenos frente à dimensão das demandas sociais. Retirar milhões de pessoas da pobreza significa estimulá-las a querer mais. Em parte maior bem-estar, como Escolas que tenham professores que ensinem e recebam melhores salários; UPAs que atendam com um mínimo de rapidez e eficiência; e transporte que levem as pessoas como gente e não como gado. Entretanto, além de querer mais serviços públicos de qualidade, as pessoas querem consumir, inclusive supérfluos como faz e sempre fez a classe média, não a “Nova” inventada pelo PT, mas a conhecida e “perigosa” pequena-burguesia.

Outra questão fundamental é de que os avanços no campo da acumulação de capital (desenvolvimento econômico)[2]; crescimento das rendas do trabalho e expansão do emprego estiveram e estão acima da média dos anos noventa[3] e muito abaixo tanto da média histórica brasileira de longo prazo quanto ao desempenho, também de longo prazo, dos países que na segunda metade do século XX afastaram-se da periferia e, em alguns casos, ingressaram no Núcleo Orgânico do capitalismo.

Aos verdadeiros lutadores pelo socialismo ficam três tarefas essenciais e inadiáveis:

– Derrotar a direita nas ruas, evitando que o conservadorismo, que em alguns casos toma forma fascista, seqüestre as multidões em movimento.

 Manter as críticas ao PT e ao governo Dilma, mas defender do ponto de vista dos trabalhadores a legalidade democrática.

 Formar uma Frente de Esquerda que no mínimo leve o PT a repensar suas atuais posições políticas.

[1] A primeira modernização tem inicio com Vargas e se completa como o Plano de Metas de JK. A segunda modernização foi executada pelos militares, em particular através do II PND.

[2] Acumulação de Capital é desenvolvimento econômico capitalista sem hifenização, como querem os economistas pequeno-burgueses. Por exemplo: desenvolvimento sustentável, desenvolvimento com justiça social ou desenvolvimento com equidade. Também não há porque distinguir crescimento econômico de desenvolvimento econômico com a argumentação, mais uma vez a pequena-burguesia, que o desenvolvimento gera bem-estar.

[3] Os anos noventa foram denominados de década mais-que-perdida porque nos quatro primeiros anos a inflação foi alta e depois do Plano Real o crescimento foi muito baixo, ocorrendo estagnação. O país viveu sobre a hegemonia do neoliberalismo tardio. O ideário do Consenso de Washington significou ataque aos sindicatos, precarização do trabalho, destruição de garantias sociais e liquidação do Estado keynesiano. Naquela quadra histórica o PT era oposição. Além do mais este período é nossa maior proximidade histórica além da História Presente, assim tudo parece melhor quando comparado aos Governos de Fernando Collor e Fernando Henrique.

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