O sionismo é um sistema. Introdução à uma análise estruturante da invasão da Faixa de Gaza a partir de outubro de 2023
Bernardo Kocher
Prof. História Contemporânea
Universidade Federal Fluminense
Rio de Janeiro, novembro 2023.
Foto: Dois meninos foram retirados dos escombros depois que aviões de guerra israelenses atacaram a Praça Yarmouk, na Rua Jalaa, Cidade de Gaza, em 25 de outubro de 2023. Eles gritaram: ‘Obrigado, defesa civil. Nós te amamos.’ [Abdelhakim Abu Riash/Al Jazeera]
Durante a guerra de independência da Argélia, iniciada em 1954, com a dominação colonial francesa em colapso, surgiu na metrópole a percepção de que o problema da rebelião (que levaria a colônia do norte da África à independência em 1962) se devia aos maus colonos enviados pela França. Como ali a presença de moradores colonizadores era a maior do mundo ásio-africano (1 milhão de europeus em meio à 9 milhões de habitantes locais) esta desproporção parecia conter algum sentido. Para contestá-la Jean-Paul Sartre[1], vibrante militante anticolonial, revisou este preceito em texto lapidar sobre o assunto, demonstrando que a rebelião dos colonizados não era contra uma má gestão por parte do colonizador. Pelo contrário, a colonização foi definida como um sistema, e era justamente este que passava por uma crise terminal devido à nova correlação de forças do pós-guerra, demarcada pela Guerra Fria e, no plano interno europeu, pela construção do Estado de Bem Estar. Assim, para o filósofo francês, era incompatível a existência da democracia e dos direitos sociais nas metrópoles com a prática de métodos fascistas nas colônias. Sem sombra de dúvidas foi a declaração de guerra pela Frente Nacional de Libertação argelina que levou o sistema colonial à contradição máxima, corroendo os alicerces da dominação colonial.
A crise argelina expôs, como em nenhum outro sítio dominado pelo imperialismo europeu, o fim do colonialismo iniciado no final do século XIX. O que demonstra esta tese é o fato de que nas démarches da crise argelina o sistema político francês da IV República também entrou em crise e, surpreendentemente, as forças militares presentes na colônia tentaram interferir (defendendo os interesses dos de colonos) na condução do governo central. Ou seja, a colônia tentou governar a metrópole! Este foi o fim do sistema colonial. Mas, ainda, a independência argelina não foi um fato isolado: junto com a realização da Conferência de Bandung (1955) e a invasão do Canal do Suez (1956) no momento exato da repressão soviética na Hungria – a independência da Argélia constituiu-se num dos focos para a formatação da independência total das colônias asiáticas e africanas. leia mais