Adeus ao velho ciclo

Carlos Mandacuru*

 

 

A lâmina da história

não perdoa nem pune.

Passa precisa e rente;

e serena e indiferente

ceifa, rasga e dilacera

toda carne vã, demente.

E tudo na história renasce

E segue pra próxima crise.

E a carne dilacerada

– classe desorganizada –

sofre, sangra, cicatriza,

e revigora, engrossa, reaviva,

e espera a próxima navalhada.

À classe trabalhadora, a pedagogia dos talhos!

Tomara que as cicatrizes

desvelem o fato central

apreendido na estrada:

tudo se transforma,

do seio do velho, vem o novo,

e o fundamental é não estar tão certo

a ponto de não enxergar

na realidade concreta

o momento propício

a estratégia adequada

perceber, libertar e se dispor

a construir

um novo ciclo.

…..

Perdemos o nexo com a classe

e o novo não vem de outra parte.

Não vem do radicalismo nem do pacifismo

da pequena burguesia de esquerda;

nem de gabinetes ou indivíduos,

por geniais que sejam!

Nem mesmo vem das ruas,

conforme gritamos.

Das ruas têm vindo o cancro

das saídas simplórias do senso comum

[a rua é o espelho do povo

olhai a Ucrânia,

a Venezuela

e nosso próprio umbigo]

O novo vem e virá da classe,

da base da sociedade produtora de mercadorias.

Virá dos produtores de tudo;

produtores sem produto, expropriados

dos meios e ferramentas de sobrevivência.

Nós, que oferecemos a vida em retalhos

aos proprietários privados dos meios de se viver.

Já soubemos este caminho

entre a teoria e a classe,

mas algo se perdeu.

……..

O convés tem ratos mortos, muita ferpa e ferrugem,

mas parece mais limpo que em outros tempos.

No porão, entretanto,

sob a pressão de não parar o barco

a mesma multidão rema como desde sempre

e sobre seu lombo ardem as mesmas chibatadas.

Mas agora podem escolher

– a cada quatro anos –

o nome do feitor

pra aplicar-lhe a chibata.

Pode até indicar um companheiro

desde que cumpra bem o serviço.

…..

O que buscamos nas urnas?

O poder que não organizamos como classe?

Estarmos nós no comando do Estado burguês

– e não a burguesia em pessoa?

Nós quem, no caso?

O que nos aguarda e nos transforma,

na lógica intrínseca desse Estado?

O que de nós já foi moldado?

De que classe, mesmo, falamos?

…….

Em Roma, como os romanos.

Devagar se vai ao longe.

O momento é de descenso, recuo, acúmulo de forças.

E entre sofismas, consolos e lugares comuns,

perdemos a noção materialista mais simples:

a consciência caminha por onde os pés pisam.

E a pragmática

da política

do concílio

da correlação de forças

– sempre sempre desfavorável –

foi deixando nossa cara

(nossa tão cara

cara socialista)

cada vez mais

com jeito,

cheiro

e penteado

da velha socialdemocracia.

…..

Agora aprendemos a vencer

e vencemos

em todas as instâncias

do velho poder estatal.

Jogando o jogo dos abutres,

dos acordos, dos engodos, dos embustes.

Sovando a carne dura da classe explorada

a toques de trabalho e porrada.

Manipulando o sentimento popular

com pão, circo e sobras;

Contendo a revolta,

molhando os pavis,

evitando o perigo

de qualquer mudança.

…..

Conforme a música, é a dança;

Conforme as regras, o jogo.

Aprendemos a jogar

e vencemos

com as armas e os ardis

dos nossos inimigos.

2011/2012

*Jornalista. Militante da INTERSINDICAL – Instrumento de luta e Organização da Classe Trabalhadora. Recife – Pernambuco.

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