Boletim de Conjuntura Nacional Nº 8 – novembro de 2014
Coletivo CVM
A eleição presidencial em 2014 e o “terceiro turno”
Acabada a apuração das urnas do segundo turno da eleição presidencial, em 26 de outubro, todo espetáculo que apertou os inimigos em combate e parecia prometer pólvora arrefeceu com as conclamações à paz, ao diálogo e à união nacional. Esse foi o tom do discurso de vitória de Dilma Roussef (coligação Com a Força do Povo, liderada pelo PT), que conquistou 51,63 % dos votos, vitória reconhecida por Aécio Neves (Muda Brasil, liderada pelo PSDB), derrotado por pequena margem (48,36 %).
O processo, marcado pela disputa acirrada entre as candidaturas e uma mobilização política extremamente tensa no final do segundo turno, de fato dividiu o país. Por outro lado, o questionamento da vitória de Dilma parecia abrir o risco de um terceiro turno, trazendo de volta à cena política ecos do golpismo. Tudo deixando um rastro de descontentamento que não se fechará apenas com discursos de pacificação. O pavio da luta de classes continua aceso.
A campanha político-partidária como uma expressão da luta de classes
A polarização eleitoral durante a campanha do segundo turno de fato fez ressurgir o espectro da luta de classes. Apresentada na oposição entre ricos e pobres pela coligação “Com a Força do Povo”, a campanha encontrou eco na coligação “Muda Brasil” com denúncia da corrupção e do clientelismo que atiçou a intolerância contra os nordestinos e pobres dependentes do Programa Bolsa Família.
A campanha da direita radicalizava-se na medida em que as pesquisa e intenção de voto mostravam chances de vitória para Aécio. Para ajudar a conquista dos indecisos nada mais providencial do que o “atentado” contra a revista Veja – pichação da fachada e lixo jogado na porta do prédio onde funciona a empresa – ocorrido no dia 24 de outubro, veiculado no dia seguinte pelo Jornal Nacional da Globo como uma suposta reação à reportagem na qual o doleiro Alberto Youssef acusou Dilma e Lula de terem conhecimento do esquema de corrupção na Petrobrás. No dia da eleição, o assunto rendeu a “notícia” que percorreu todas as ‘redes sociais’ de que o doleiro, internado em hospital após passar mal na carceragem da Polícia Federal em Curitiba, teria sido assassinado.
A polarização foi tão aguda que dividiu famílias e amigos por todos os cantos do país, numa demonstração de que o pavio da luta de classes estava aceso, embora sua expressão não fosse abertamente de classe. Quer dizer, fazia alusão às classes, mas ocultava o fato de que a sociedade não se divide entre ricos e pobres, e sim entre aqueles grupos da sociedade – chamados de classes sociais – que têm e aqueles que não têm a propriedade dos meios de produção, ou seja, capitalistas e trabalhadores.
Por outro lado, a campanha eleitoral, seja de um lado, seja de outro, não enfrentou os persistentes problemas estruturais – a exemplo da concentração da terra nas mãos dos latifundiários que inclusive explica porque um contingente de mais de 50 milhões de pessoas beneficiários do Programa Bolsa Família, está um pouco acima do limiar da miséria absoluta há quase uma década. Tampouco tratou dos desafios de curto prazo da economia capitalista, do “inevitável ajuste na política econômica” como diz o título de um editorial do jornal O Globo, publicado no dia da votação, 26/10.
A radicalização da direita persistiu ainda nos dias seguintes. Parecia que um terceiro turno poderia ser iniciado com o questionamento da lisura do pleito apresentado pelo PSDB ao Tribunal Superior Eleitoral. Lideranças empresariais pronunciavam-se publicamente por reformas, exigindo serem ouvidas, quer no governo, quer nas ruas. De modo surpreendente, tal vozerio foi respaldado pelo obscuro Moreira Franco, ministro da Secretaria de Aviação, ao alertar, dois dias após a vitória de Dilma Rousseff, para o risco da divisão social existente no país transformar-se em divisão política. Negar essa divisão foi tarefa conjunta de vitoriosos e derrotados interessados em manter as regras do jogo da democracia burguesa. O novo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, procurou legitimar a campanha, dizendo que “o povo discutiu, levou esse debate de modo civilizado” (!) e que o Brasil “vive momento de democracia plena”. A nota inesperada de um “sócio ilustre” do Clube Militar afirmando: “A maioria decidiu. Não interessa que não seja a nossa opção. É a regra.” – jogou uma pá de cal nos “golpistas” que foram às ruas em São Paulo exigir o impeachment de Dilma Roussef porque estaria acobertando a corrupção na Petrobrás.
O terceiro turno já começou
Entretanto o verdadeiro terceiro turno já está em curso longe dos holofotes da campanha e seus desdobramentos midiáticos. Um dia após a reeleição, em entrevista concedida a telejornais da TV aberta, a presidente Dilma Roussef afirmou que pretendia iniciar diálogo amplo e profundo com “as forças produtivas da Nação nos segmentos da indústria, da agricultura, dos serviços e do setor financeiro”. Ela não se dirigiu às verdadeiras forças produtivas, os trabalhadores da cidade e do campo, as forças que produzem de fato a riqueza e sim aquelas que se apropriam da riqueza e mascaram sua dominação e parasitismo por detrás do adjetivo “produtivo”.
O aumento da taxa de juros pelo Banco Central em 29/10 deixa claro o sentido do “diálogo” no curto e médio prazo: ao justificar o aumento da taxa para controlar o impacto dos aumentos de preços que virão até o final do ano, a exemplo da energia elétrica, o BC garante a remuneração do capital financeiro que vive a expensas da dívida pública, sustentando a política econômica seguida desde 2003, e aponta para o ajuste fiscal futuro.
O cenário de 2015 começa a ser delineado, mas ainda dependerá da recomposição do governo atual, tanto na máquina do poder executivo como do legislativo, com uma nova distribuição de cargos em razão do enfraquecimento eleitoral do PT e a manutenção do peso do PMDB. Por outro lado, como advertimos em boletim no.6 (setembro 2014) , paira no ar a ameaça aos direitos dos trabalhadores proposta pela CUT que pretende “flexibilizar” a CLT em nome da proteção do emprego.
Reforma política: ‘acordo de cavalheiros’ para o fortalecimento da democracia burguesa
Nada disso, contudo, aparece em primeiro plano. Nas bases políticas da coligação “Com a Força do Povo” ergue-se a bandeira da “reforma política”. Em que consiste a reforma política? Numa adequação do sistema eleitoral à correlação de forças historicamente consolidada desde 2003, a saber, da polarização entre PT e PSDB e seus respectivos aliados. A redução do número de partidos, a votação por legendas partidárias e o fundo de financiamento público são algumas das medidas propostas que reforçam a democracia burguesa organizada em torno do presidencialismo de coalizão em vigor no Brasil desde 1985.
A distribuição dos cargos na recomposição do governo no executivo e no legislativo federal é a verdadeira premissa da reforma política. Sem uma ampla e bem dimensionada distribuição de influências e recursos de poder não se obterá o “acordo de cavalheiros” entre as lideranças do PT e do PMDB no Congresso Nacional para tal reforma.
O ex-presidente Lula, saudado em primeiro lugar nos agradecimentos da vitória concedida pela maioria dos eleitores a Dilma em 26 de outubro de 2014, praticamente torna-se candidato à sucessão presidencial em 2019. O governo recém-eleito deverá viabilizar esse projeto. O problema maior é interno: Lula sabe que o PT tornou-se igual aos demais partidos “tradicionais” e precisará recuperar a credibilidade do partido que se tornou “a esquerda fisiológica para o capital” sob a sua liderança. Como disse o senador Humberto Costa, o PT também pratica uma política tradicional, isto é, “o fisiologismo”.
Contra o terceiro turno e as ilusões pequeno-burguesas
Entretanto, os trabalhadores, tanto do setor privado como do setor público, têm um desafio imediato: preparar-se para enfrentar o 3º. turno, isto é, a nova política econômica que se apresentará como indispensável para assegurar os empregos sob o argumento do “necessário ajuste na política econômica” e da “redução do Custo Brasil”. Entenda-se o possível efeito: a “flexibilização” da CLT ou seja, a suspensão dos direitos sociais nas negociações coletivas de trabalho.
É necessário também lutar contra a ilusão pequeno-burguesa, qual participam diversos movimentos sociais e sindicais, de que reivindicações como a redução da jornada de trabalho ou a distribuição das terras improdutivas dos latifundiários para os camponeses estão impedidas porque a estrutura do poder político vigente não permite essas conquistas. Esperam democratizar o Estado burguês aumentando a influência dos conselhos de políticas públicas (saúde, educação, assistência social, etc.) ou pela convocação de uma Assembleia Constituinte Soberana e Exclusiva. Esse caminho que passa pela “ampla unidade nacional” e mecanismos oficiais de convocação significa na prática a subordinação às forças políticas burguesas que efetivamente controlam o poder; nada mais são, portanto, que meios de legitimação desse Estado.
Apenas um governo dos trabalhadores, surgido de suas lutas, pode realizar tais reivindicações. O caminho para a conquista do poder político e a instauração de um governo desse tipo passa pela mobilização independente da classe operária, de sua capacidade em transformar as lutas econômicas em políticas, isto é, em lutas de classe e não apenas de categorias desse ou daquele segmento dos trabalhadores, processo no qual se forjará o seu próprio partido, resultado do amadurecimento de sua consciência nos enfrentamentos de classe. Trata-se ainda de um horizonte, de uma imagem de futuro capaz de dar perspectiva ao trabalho “cinzento”, às lutas cotidianas e à organização nos locais de trabalho, à organização sindical de caráter classista, nas quais se constrói a identidade elementar de classe necessária para os embates mais duros que virão.
Leia e divulgue o boletim em pdf:
Boletim de Conjuntura Nacional N° 8
Muito boa a análise, na verdade nos dias de hoje quando se fala em democracia está se falando em democracia burguesa implantada no mundo ocidental, todos outros processos são ditaduras a começar por Cuba, Venezuela e outros países da America do Sul que se rebelam contra a tutela Norte Americana, isso sem falar no que está acontecendo na Ucrânia já se falam até numa segunda guerra fria, enquanto isso vou acompanhando através de boas leituras pra manter ativa a memória.
Outro probleminha que ia esquecendo e a democracia americana exportada a peso de muitos dólares e milhares de soldados americanos e outros tantos de civis árabes.