A revolta dos operários da General Motors e o engodo do “nacional-desenvolvimentismo”
por Eduardo Stotz
Dirigentes sindicais vinculados à CUT, Força Sindical e outras centrais tem se manifestado em defesa da taxa de emprego para sustentar o “desenvolvimento econômico nacional”. O seu raciocínio é o seguinte: os empresários investem na produção, contratam trabalho, pagam salários cujo poder de compra mantém o mercado interno que, por sua vez, resulta em novos investimentos. Esse raciocínio, afinado com o dos patrões e do governo, naturaliza a realidade da exploração da força de trabalho pelo capital; oculta o fato de que as empresas capitalistas privadas ou estatais estão associadas ao capital estrangeiro; mais ainda, desconhece, propositalmente ou não, que essas empresas não se limitam ao mercado interno, exportam capital para diversos países da América Latina e da África.
Assim, grandes empresas adquirem participações acionárias nos Estados Unidos da América e na União Européia com o apoio financeiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) cujos recursos são oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)! Ou ainda empresas agropecuárias adquirem terras a baixos preços para iniciar a plantação de soja em países pobres como Moçambique. Tudo em nome da pretensão de transformar o Brasil numa potência ao lado de nações como a China e a Índia, pretensão que num passado não muito distante era conhecida como impulso imperialista.
Essa defesa do “nacional-desenvolvimentismo” – que encontra eco em artigos escritos por ex-militantes da esquerda ao ponto de transformarem Lula num estadista equivalente a João Goulart e Getúlio Vargas – identifica-se inclusive com a criação de um parque industrial bélico à frente das quais encontra-se as mesmas grandes construtoras da época da ditadura militar, como a Odebrecht e a Camargo Correa. Dirigentes com esse ponto de vista há muito abandonaram a perspectiva do sindicalismo classista, marca da sua atuação durante os anos de 1977 a 1990.
Certamente o investimento de capital realizado por essas empresas protegidas pelo Estado com subsídios e financiamentos a juros baixos traz como consequência o aumento do número de assalariados e, com isso, o aumento da massa salarial. Porém a criação de empregos é, para os capitalistas somente a condição fundamental para explorar a força de trabalho e aumentar, por meio dessa exploração, o próprio capital. Se os trabalhadores não aceitarem as exigências de trabalho, suspendem a produção, transferindo-a para outras cidades ou estados onde a falta de tradição de luta e de organização geralmente vem associada a generosos subsídios dos governos municipais ou estaduais. É o que está em jogo na fábrica de automóveis da General Motors em São José dos Campos, cujo caso relatamos a seguir.
O complexo industrial da General Motors em São José do Campos empregava em torno de 9.000 trabalhadores para produzir automóveis, a picape S10, o utiliário Blazer, motores e equipamentos de transmissão. Desde o início de julho havia um conflito entre empresa e sindicato no setor de de montagem de veículos automotores (MAV), onde eram produzidos os modelos Zafira, Meriva, Corsa e Classic, em torno da jornada de trabalho e dos salários. A produção do modelo Classic é dividida entre São Caetano do Sul, no ABC paulista, e em Rosário, na Argentina. Com exceção deste último, os demais modelos saíram praticamente da linha de produção. Em consequência a empresa tomou a decisão de demitir 1.840 trabalhadores, tendo de comunicar as demissões antes do dia 31 de julho, data do dissídio dos metalúrgicos de São José dos Campos. No dia 12 de julho, diante dos planos da montadora de encerrar as atividades do MAV em São José dos Campos, os operários realizaram uma paralisação de advertência de duas horas e votaram o estado de greve. Esse impasse foi rompido unilateralmente pela empresa ao retirar os empregados da fábrica durante a madrugada e fechar as portas, no dia 24 de julho. Denunciada como locaute ou paralisação patronal, proibida por lei, a posição da empresa levou o sindicato dos metalúrgicos a questionar o Governo Dilma pois os subsídios concedidos, a exemplo da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), tinha sido a contrapartida da manutenção do emprego. Mas o ministro da Fazenda, Guido Mantega, após encontro com os representantes da empresa declarou que “a GM contrata mais do que demite e está cumprindo o compromisso com o governo federal de manter o nível de empregos”. Revoltados com o apoio prestado pelo ministro à empresa, os operários decidiram fazer uma manifestação pública. No dia 2 de agosto ocuparam e bloquearam os dois sentidos da Via Dutra no trecho próximo à sede da GM ateando fogo em pneus. Em seguida pararam toda a produção da fábrica. No dia seguinte, a assessoria de imprensa do gabinete do ministro fez saber que o governo não iria “tolerar” demissões em setores com IPI baixo. Pressionada pela ação direta dos operários e a reviravolta da opinião governamental, a empresa se dispôs a negociar. As demissões transformaram-se em suspensão temporária do contrato de 940 operários por quatro meses – com a metade do pagamento dos salários garantido pelo FAT, ou seja, um “quase-desemprego” oficialmente legitimado – e a permanência de 900 operários na linha de produção do modelo Classic. Entretanto, de acordo com o diretor de assuntos institucionais da empresa, para garantir a “competitividade” com outras empresas fabricantes de automóveis, será necessário que o sindicato negocie “o banco de hora, a grade salarial (leia-se redução dos salários) e jornadas mais flexíveis”, condições para manter a produção do modelo Classic em São José dos Campos (Globo.com 04 e 08/08/2012).
O exemplo deixa claro que não há unidade de interesses entre capital e trabalho e demonstra o engodo do nacional-desenvolvimentismo. A defesa do emprego em detrimento da resistência à exploração apenas significa a transformação dos sindicatos em instrumento de dominação do trabalho pelo capital. Nesse sentido lembramos as palavras pronunciadas por Carlos Marx em uma das conferências pronunciadas em 1847 na Associação dos Operários Alemães em Bruxelas, conhecidas como “Trabalho assalariado e capital”:
“Dizer que a condição mais favorável para o trabalho assalariado é um crescimento tão rápido quanto possível do capital produtivo, é dizer que quanto mais a classe operária aumenta e faz crescer a potência que lhe é hostil, a riqueza alheia que a comanda, tanto mais favoráveis serão as circunstâncias nas quais ser-lhe-á permitido outra vez trabalhar para o aumento da riqueza burguesa, o reforço do poder do capital; satisfeita, ela própria, de forjar as cadeias douradas com as quais a burguesia a arrasta a seu reboque.”
Somente a unificação da luta dos trabalhadores pelo aumento dos salários e pela mudança das condições de trabalho, até aqui limitadas ao âmbito de cada empresa, poderá refrear a exploração da força de trabalho, limitar a margem de manobras das empresas de aproveitar os desníveis de organização entre os trabalhadores. E, sobretudo, abrir caminho para sua emancipação, aprendendo nas greves onde repousa a força dos patrões e a de si mesmos, quais são os aliados de ambos os lados e como o governo se situa frente a eles.