Adeus ao velho ciclo
Carlos Mandacuru
Jornalista. Militante da INTERSINDICAL – Instrumento de luta e Organização da Classe Trabalhadora.
Recife – Pernambuco
2011/2012
A lâmina da história
não perdoa nem pune.
Passa precisa e rente;
e serena e indiferente
ceifa, rasga e dilacera
toda carne vã, demente.
E tudo na história renasce
E segue pra próxima crise.
E a carne dilacerada
– classe desorganizada –
sofre, sangra, cicatriza,
e revigora, engrossa, reaviva,
e espera a próxima navalhada.
À classe trabalhadora, a pedagogia dos talhos!
Tomara que as cicatrizes
desvelem o fato central
apreendido na estrada:
tudo se transforma,
do seio do velho, vem o novo,
e o fundamental é não estar tão certo
a ponto de não enxergar
na realidade concreta
o momento propício
a estratégia adequada
perceber, libertar e se dispor
a construir
um novo ciclo.
…..
Perdemos o nexo com a classe
e o novo não vem de outra parte.
Não vem do radicalismo nem do pacifismo
da pequena burguesia de esquerda;
nem de gabinetes ou indivíduos,
por geniais que sejam!
Nem mesmo vem das ruas,
conforme gritamos.
Das ruas têm vindo o cancro
das saídas simplórias do senso comum
[a rua é o espelho do povo
olhai a Ucrânia,
a Venezuela
e nosso próprio umbigo]
O novo vem e virá da classe,
da base da sociedade produtora de mercadorias.
Virá dos produtores de tudo;
produtores sem produto, expropriados
dos meios e ferramentas de sobrevivência.
Nós, que oferecemos a vida em retalhos
aos proprietários privados dos meios de se viver.
Já soubemos este caminho
entre a teoria e a classe,
mas algo se perdeu.
……..
O convés tem ratos mortos, muita ferpa e ferrugem,
mas parece mais limpo que em outros tempos.
No porão, entretanto,
sob a pressão de não parar o barco
a mesma multidão rema como desde sempre
e sobre seu lombo ardem as mesmas chibatadas.
Mas agora podem escolher
– a cada quatro anos –
o nome do feitor
pra aplicar-lhe a chibata.
Pode até indicar um companheiro
desde que cumpra bem o serviço.
…..
O que buscamos nas urnas?
O poder que não organizamos como classe?
Estarmos nós no comando do Estado burguês
– e não a burguesia em pessoa?
Nós quem, no caso?
O que nos aguarda e nos transforma,
na lógica intrínseca desse Estado?
O que de nós já foi moldado?
De que classe, mesmo, falamos?
…….
Em Roma, como os romanos.
Devagar se vai ao longe.
O momento é de descenso, recuo, acúmulo de forças.
E entre sofismas, consolos e lugares comuns,
perdemos a noção materialista mais simples:
a consciência caminha por onde os pés pisam.
E a pragmática
da política
do concílio
da correlação de forças
– sempre sempre desfavorável –
foi deixando nossa cara
(nossa tão cara
cara socialista)
cada vez mais
com jeito,
cheiro
e penteado
da velha socialdemocracia.
…..
Agora aprendemos a vencer
e vencemos
em todas as instâncias
do velho poder estatal.
Jogando o jogo dos abutres,
dos acordos, dos engodos, dos embustes.
Sovando a carne dura da classe explorada
a toques de trabalho e porrada.
Manipulando o sentimento popular
com pão, circo e sobras;
Contendo a revolta,
molhando os pavis,
evitando o perigo
de qualquer mudança.
…..
Conforme a música, é a dança;
Conforme as regras, o jogo.
Aprendemos a jogar
e vencemos
com as armas e os ardis
dos nossos inimigos.
2011/2012