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Marx e o Marxismo – Georges Haupt

O repentino desaparecimento de G. Haupt nos privou da possibilidade de dispor da reelaboração deste ensaio, prevista especialmente para a História do Marxismo. Esta, portanto, é a primeira versão, que redigiu para o volume A Internacional Socialista da Comuna a Lênin, Turim 1978, e na qual apenas foram introduzidas algumas modificações, encontradas na última redação do manuscrito.

Texto publicado em : Eric Hobsbawm (org). História do Marxismo. Volume 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, páginas 347-376. 

 

 

Os termos “marxista” e “marxismo” são conhecidos universalmente, empregados correntemente e às vezes usados sem muito critério. Alguns marxólogos chegaram a pôr em discussão a própria legitimidade desses termos; Maximilien Rubel, por exemplo, considerou-os “abusivos e injustificáveis”. Em particular, Engels, “o fundador”, é acusado por ele de ter “cometido o erro imperdoável de dar sua aprovação a essa excrescência”, de tê-la “sancionado com a sua autoridade”, pois, se tivesse oposto o seu veto, “este escândalo universal jamais se verificaria”.[1]

A tese, formulada tão brutalmente, parece-me discutível, pois esse modo de pôr o problema corre o risco de simplificar excessivamente um processo bem mais complexo. Isso não significa que o ponto de vista de Rubel deva ser posto entre parêntese: ao contrário, deve ser destacado, justamente porque nos obriga a formular indagações sobre alguns lugares-comuns cômodos e enganosos, e sobretudo a nos dedicarmos mais profundamente ao estudo dos mecanismos de formação e difusão de conceitos cuja adoção abusiva inquina o nosso vocabulário político.[2] A história dos termos “marxista” e “marxismo” pode ser esclarecedora por várias facções, particularmente por ilustrar a difusão e enraizamento das ideologias no movimento operário internacional, revelando-nos a natureza, as transformações e as metamorfoses que sofreu essa teoria revolucionária designada com um termo tão genérico. A mim me parece que o problema consiste mais em examinar o modo como uma noção deste tipo se impôs, as razões de sua difusão e de sua utilidade, do que indagar sobre a sua legitimidade ou fidelidade com referência ao projeto inicial de Marx.

A confusão terminológica é contemporânea do surgimento da dupla “marxista-marxismo” e continua até hoje, através do uso e da interpretação que se lhe deu. São termos ligados a tantos significados distintos e a tantos preconceitos de partidários e inimigos, e o conteúdo coberto pela palavra “marxismo” se revelou de tal modo elíptico, que é justo indagar o que se pretendeu definir com esse termo nas diversas fases de sua história.[3] Tanto mais que o aparecimento, a difusão e as sucessivas modificações ocorridas no significado do termo podem fornecer-nos em certa medida o sentido do processo que levou à ascensão e à difusão em escala mundial do marxismo. leia mais