As greves em 2023 no Brasil
Cem Flores – 21.05.2024
De acordo com levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), ocorreram 1.132 greves em 2023 no Brasil. Apesar do número de greves estar em crescimento desde 2021, ainda permanece bem abaixo do último ciclo de greves, cujo pico ocorreu em 2013-16. Em relação às horas paradas, o DIEESE mostrou que houve uma queda em relação a 2022.
Nesta publicação, continuamos nossa análise sobre as greves dos últimos anos no Brasil, focando agora o primeiro ano do governo burguês de Lula-Alckmin. A luta grevista é um importante aspecto da luta das classes exploradas. Sua análise é um passo fundamental para identificar seus limites e potencialidades em determinada conjuntura concreta e, assim, construir táticas e estratégias que apontem para o seu avanço.
O ano de 2024 já conta com greves importantes, como a atual mobilização nacional na educação federal e resistências operárias. Razões não faltam para prosseguir a luta e romper com suas atuais barreiras! E será por meio do fortalecimento da luta concreta do proletariado e demais classes exploradas que derrotaremos a persistente ofensiva de classe burguesa e a extrema-direita fascista.
As greves após a crise da pandemia
Desde de 2017, o número de greves no país começou a declinar gradualmente, atingindo o ponto mais baixo em 2020, no auge da pandemia, com apenas 649 greves registradas. Vários fatores contribuíram para essa queda acentuada, incluindo o risco de saúde associado à pandemia e as restrições da quarentena. Além disso, o elevado índice de desemprego, resultado das crises econômicas históricas de 2014-16 e 2020, a intensificação da repressão por parte dos patrões e do estado e a predominância do peleguismo nas organizações sindicais e nos movimentos populares também contribuíram significativamente para a redução do número de greves no país.
Em 2021 e 2022, houve uma recuperação no número de greves no país. Em 2021, foram registradas 721 greves, 11% a mais em relação ao ano anterior. Este aumento foi impulsionado pela alta do custo de vida, que atingiu seu auge em 2021. Além disso, as greves foram influenciadas pela “normalização” da pandemia e pela gradual redução do alto índice de desemprego observado no período anterior.
Em 2022, esses fatores persistiram e o número de greves aumentou novamente para 1.067. Destacaram-se as greves dos/as trabalhadores/as da limpeza urbana no Rio de Janeiro e dos/as operários/as da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). A inflação de mais de 10% corroeu o poder de compra dos/as trabalhadores/as, defasando os salários e impulsionando a luta. Com o segundo ano consecutivo de recuperação econômica após a crise pandêmica, a taxa de desemprego ampliada também ficou abaixo de 20%, pela primeira vez desde 2015.
O funcionalismo público foi o principal motor por trás do aumento das greves em 2022, representando mais da metade (54%) do total e uma parcela ainda maior das horas de trabalho paradas (70%). Por outro lado, o setor privado permanece estagnado desde 2020, com aproximadamente 400 greves por ano. A saída do fundo do poço da pandemia, portanto, ocorreu sobretudo no setor público. Como afirma o Dieese, um dos impactos permanentes da pandemia e da ofensiva patronal que a acompanhou foi a “ampliação de terceirizações, de vínculos precários e de privatizações”, prejudicando ainda hoje o início de um novo ciclo de luta sindical das categorias.
Além disso, essa retomada parcial das greves não significou o fortalecimento de forças sindicais por fora do peleguismo. Pelo contrário, 2022 representou uma grande unidade dos grupos sindicais na defesa da candidatura de Lula-Alckmin e na ilusão da via institucional e eleitoreira para defender os interesses das categorias. Com a vitória dessa chapa, a velha política de cooptação do petismo ganhou ainda mais força, servindo para bloquear o avanço das lutas e da independência de classe contra os patrões e seu estado.
As greves de 2023
Houve 558 greves no primeiro semestre de 2023, uma queda de 17% em relação ao mesmo período do ano anterior, como analisado em publicação anterior. O número de horas paradas caiu pela metade, para cerca de 20 mil horas, voltando ao patamar de 2021. Tais resultados apontavam para uma nova queda nas greves no país. No entanto, o segundo semestre de 2023 elevou o número de greves para 1.132 e dobrou o número de horas paradas, marcando também um pequeno aumento no número de greves em relação a 2022 (6%). Ainda assim, de um modo geral, as greves no país se encontram estagnadas, sem sinais de um novo ciclo de lutas que rompa com o patamar pré-pandemia.
Em 2023, o funcionalismo público, que puxou as greves nos últimos anos, continuou sendo o setor mais expressivo em greves (55%) e horas paradas (69%).Destacaram-se paralisações no nível federal por melhorias nos planos de carreira e salários e, no nível estadual e municipal, greves na educação, na saúde e em outros serviços, incluindo a luta por pisos salariais (como foi o caso dos/as trabalhadores/as da enfermagem) e melhores condições de trabalho.
Já o setor privado continua no fundo do poço, sem retomar o patamar de 2019. O Dieese também destacou que, no setor privado, a maior parte das paralisações ocorreu em serviços públicos terceirizados/privatizados: enfermagem, porteiros, recepcionistas, trabalhadores da limpeza, das cozinhas, dos serviços gerais, transporte coletivo, varrição e coleta de lixo. A reivindicação mais comum no setor privado foi por pagamento de salários atrasados, indicando o patamar recuado no qual ocorre a luta hoje.
Na indústria privada, ocorreram 157 greves, a maioria nas regiões Sul e Sudeste e mobilizadas por metalúrgicos e trabalhadores da construção. As três principais reivindicações foram: reajuste salarial, alimentação e PLR.
A maioria das greves continuou de curta duração, mantendo um perfil muito semelhante com 2022. 56% das greves, na realidade, foram apenas paralisações de um dia ou mesmo de algumas horas, como uma advertência aos patrões. O caráter e os resultados das greves também se mantiveram muito similares à 2022: cerca de metade das greves apresentaram pautas propositivas, e quase 80% pautas defensivas. As principais reivindicações foram: reajuste salarial (40%), piso salarial (26%) e pagamento de salários em atraso (21%). Apenas 19% alcançaram integralmente as reivindicações.
Em 2023, o desemprego e a inflação continuaram caindo, enquanto a economia teve um resultado acima do esperado. Apesar do cenário fraco e defensivo de greves, sobretudo no setor privado, a maioria das categorias tiveram no ano passado aumentos reais nos salários. Segundo a Fipe, o reajuste mediano das negociações de 2023 foi 1% acima da inflação. 77 % das negociações do período, segundo o Dieese, foram acima da inflação. Essa realidade, no entanto, precisa ser considerada em suas desigualdades de regiões e categorias (para os comerciários, por exemplo, apenas 56% tiveram algum aumento real) e no quadro geral de enxugamento dos acordos coletivos e das conquistas extra-salariais.
A vida das classes trabalhadoras continua muito dura, também por fatores que vão além das condições de trabalho e salários – como é o caso mais extremo das duas catástrofes ambientais no Rio Grande do Sul, as enchentes de 2023 e 2024, causadas pela devastação capitalista da natureza e pelos governos negacionistas nos três níveis municipal, estadual e federal. Mas a posição majoritária do movimento sindical e dos movimentos populares é de subordinação ao governo Lula-Alckmin, atuais dirigentes da gestão burguesa do país. Tal postura dos movimentos é recompensada por cargos e verbas para pelegos e suas entidades, a começar pelo ministro do trabalho, ex-presidente da CUT. Esses aliados do governo burguês Lula-Alckmin realizam um verdadeiro desserviço à luta do proletariado e demais explorados, alimentando ilusões com acordos com patrões e seu estado.
Pelegada da CUT e da Força Sindical abraçadas ao vice-presidente Alckmin, em 2023, no lançamento de um programa de subsídios públicos para aumentar a taxa de lucro dos patrões da indústria automobilística
Em 2023, a subserviência do movimento sindical hegemônico ficou explícita em diversos momentos. A principal “luta” das principais lideranças sindicais foi em reuniões nos palácios de Brasília, com políticos e empresários. Quando chamaram para uma “manifestação” no 1º de maio, foi para dar palco a Lula e rasgar elogios ao governo. Não à toa, a massa explorada, que sofre diariamente na luta pela sua sobrevivência, nem comparece nessas festas chapa-branca, tornando esses atos unitários verdadeiros fiascos.
Continuar na luta e na organização concreta
Seguir o caminho da independência de classe e reconstruir nossa força nas lutas concretas é essencial. Apesar dos pelegos estarem desacreditados e não conseguirem mais iludir as massas como antes, e apesar de diversas lutas ocorrerem contra eles, o cenário para a luta sindical no país continua desafiador para uma posição revolucionária avançar. Isso reflete o próprio recuo da luta proletária e a crise do campo revolucionário, que poderia oferecer uma alternativa concreta ao peleguismo predominante.
Embora o nível de luta esteja baixo no país, há sinais pequenos de retomada da luta e brechas que podem ser aproveitadas. Enfrentamos o desafio de persistir nas lutas por salários dignos e melhores condições de trabalho, enquanto construímos organizações e coletivos autônomos de trabalhadores/as, rompendo com as amarras e ilusões do peleguismo e do atual governo.
Além disso, é crucial conectar a retomada e a reorganização nos locais de trabalho com as formas de luta presentes nas periferias e no campo do país. Somente assim poderemos alcançar novas conquistas e resistir aos ataques que persistem no governo burguês de Lula-Alckmin.
Operários/as em greve na TDK de Gravataí, em abril deste ano.
A LUTA CONTINUA!