Bélgica: a esquerda pode ser bem-sucedida. O exemplo do partido do trabalho belga (PTB/PvdA)

Arbeiterstimme nº 220 / 2023
tradução de Fernando Tavira

“Certamente, apenas o entusiasmo pode realizar grandes obras; é necessário convicção e confiança; clareza sobre o caminho e o objetivo.” (Karl Liebknecht) “Tudo isso falta no partido DIE LINKE.”

Michael Brie: O que fazer em tempos de guerra

 

Sobre a situação e as perspectivas da esquerda na Europa, Heinz Bierbaum, que foi presidente da Esquerda Europeia até dezembro de 2022, escreveu um artigo na revista Sozialismus e chegou, entre outras coisas, à seguinte conclusão: “No geral, os partidos de esquerda na Europa são relativamente fracos e geralmente não ultrapassam 10% nas eleições.” Exceções são o Syriza na Grécia, o AKEL em Chipre, com resultados acima de 20%. O Podemos na Espanha e o France Insoumise tiveram inicialmente maiores sucessos eleitorais, mas perderam popularidade entre os eleitores. “A única exceção é o Partido do Trabalho da Bélgica (PTB)”, diz Bierbaum, “que parece estar no caminho para sair do gueto dos 10%. Passou por uma transformação notável de uma organização maoísta para um partido do trabalho enraizado na classe trabalhadora e tornou-se o representante político dos socialmente desfavorecidos.” Quem acompanhou as publicações e debates da esquerda alemã nos últimos anos pode se surpreender com a avaliação de Heinz Bierbaum. Pois o partido belga quase não teve papel relevante. Um editor do Junge Welt comentou, a pedido do autor deste artigo, que o partido “não estava no radar”. E, de fato, até agora, quase não se fala sobre ele no jornal diário de esquerda. Atualmente, cabe principalmente à revista ‘Marxistische Blätter’ dar voz aos autores do PTB/PvdA. [Nota do CVM: a sigla PTB (em francês): Parti du Travail de Belgique; a sigla PvdA (flamengo): Partij van de Arbeid van België] No editorial da edição atual, lê-se: “A contribuição de Peter Mertens, do Partido do Trabalho da Bélgica (PTB/PvdA), sobre a ‘Policrise e os desafios para a esquerda’, que documentamos na edição 2-2023, foi destacada como especialmente digna de leitura e encorajadora em nosso recente ‘Encontro da Redação’… Não apenas por sua ideia central de que é hora de a esquerda ‘assumir novamente um ponto de vista de classe’ e ‘de novo fazer de forma clara e com orgulho uma política de classe’…, refletir sobre ‘princípios e fundamentos sólidos de esquerda’ e realizar uma ‘análise profunda e sistemática de cada situação, de forma prática e a partir de uma perspectiva marxista. Se pularmos essa etapa, apenas vamos correr como uma galinha assustada: a posição de classe é a base.’ Especialmente na ‘questão vital da guerra’, o partido belga ‘não se deixou pressionar nem pela retórica de direita, nem pela retórica radical de esquerda.’ ‘Nossas respostas vêm de debates, argumentações e educação. Convencemos ouvindo pacientemente e defendendo uma posição de classe sólida.’ Assim diz o editorial da Marxistische Blätter.

Ekkehard Lieberam chegou a uma conclusão semelhante em suas ‘Teses sobre a Situação do Partido DIE LINKE’ (jW, 28.10.2022): “A questão de como deve ser um partido de classe dos trabalhadores assalariados com influência de massa, que possa resistir permanentemente à integração pelo parlamentarismo e pelo estado partidário, deve ser discutida a fundo e, em parte, provavelmente também respondida de novo. Isso inclui, de forma não menos importante, a avaliação de conhecimentos correspondentes em outros países capitalistas. As experiências do bem-sucedido Partido do Trabalho da Bélgica mostram que o caráter de oposição sistêmica de um partido de esquerda exige fidelidade aos princípios marxistas e uma estreita ligação com a classe trabalhadora, bem como a percepção de tarefas sociais no interesse dos precarizados de todas as classes subalternas (na Bélgica, no campo da saúde).” No nosso país, desde as eleições federais de 2021, após o desastre do Partido de Esquerda (DIE LINKE), que quase foi expulso do parlamento, há confrontos intensificados que podem acabar em um racha. Observa-se um aumento das desfiliações, que, se ocorrem, são justificadas de maneira muito diferente, às vezes contraditória. Thies Gleiss observou recentemente: “O partido DIE LINKE é uma união de pessoas que tentam conciliar posições e estratégias políticas muito diferentes. Isso funcionou por vários anos, inicialmente até foi uma garantia de sucesso para este novo capítulo da história dos partidos de esquerda na Alemanha. Hoje isso não funciona mais e o DIE LINKE está inoperante e sem qualquer carisma político.”

A guerra na Ucrânia está se tornando um acelerador de crises. Ninguém pode dizer para onde estamos indo. É aconselhável olhar além das fronteiras da Alemanha e observar abordagens organizacionais de esquerda mais bem-sucedidas nos países vizinhos. Não se trata apenas de copiar. Cada país tem suas particularidades, e ignorá-las acabaria se voltando contra nós mais cedo ou mais tarde. Como é o caso da Bélgica? Em comparação com seus vizinhos França e Alemanha, é um país pequeno, com uma área correspondente aproximadamente à metade da Baviera, mas bem mais densamente povoada, pois tem uma população semelhante à da Baviera. Tanto em termos de desempenho econômico quanto de estrutura social, a Baviera e a Bélgica apresentam semelhanças. Quanto às diferenças, falaremos mais tarde. O Partido do Trabalho da Bélgica tem suas raízes no movimento estudantil do final dos anos 1960. Na subsequente fragmentação desse movimento, desenvolveu-se como um partido de quadros de tendência maoísta. Algumas centenas de ativistas (principalmente estudantes) formaram o núcleo e tentaram ancorar o partido nas fábricas e na sociedade. O empreendimento não teve sucesso e permaneceu em estagnação por um longo tempo. No entanto, essa estagnação não afetou todo o partido. Pois, já então, o Partido do Trabalho era diferente dos demais. Um dos pilares desse partido era e ainda é hoje a organização Medicina para o Povo (MPLP).

Dentro e ao redor dessa organização, desenvolveu-se uma discussão sobre como o partido poderia sair da estagnação paralisante. Os centros médicos, que ainda serão abordados, floresciam cada vez mais, enquanto o partido em si não avançava. Quando participavam das eleições, os resultados eram deprimentes.

 

Renovar ou Desaparecer

Em 2003, ocorreram novamente eleições parlamentares na Bélgica. Para o PTB/PvdA, foram apenas 20.825 votos. Um desastre. Havia várias causas, como se constatou autocriticamente: estavam em conflito com sindicatos e organizações progressistas. Uma atitude doutrinária, o afastamento da realidade e o dogmatismo determinavam a forma de agir do partido. O clima após essa eleição deve ter sido bastante ruim, havia apenas duas opções: desaparecer ou se renovar profundamente. Praticamente todos os partidos maoístas na Europa Ocidental já se haviam dissolvido (com exceção do SP na Holanda) e desaparecido do cenário. No PTB/PvdA, cerca de 800 membros estavam dispostos a se renovar. Alguns dos resistentes mais obstinados foram excluídos. O chamado arquiteto da renovação é Peter Mertens, um sociólogo de Antuérpia, hoje com 53 anos. Ele já pertence à segunda geração de ativistas do partido. Após seus estudos, trabalhou como operário não qualificado em empresas de limpeza industrial. Antes disso, foi ativista no movimento estudantil pelo PTB/PvdA. De 2008 a 2021, Mertens foi presidente do partido e, posteriormente, assumiu a função de secretário-geral. Já um ano após o início da renovação, os primeiros resultados positivos começaram a aparecer. Uma campanha no setor de saúde para reduzir os preços dos medicamentos chamou a atenção do público. Quando, em 2005, houve uma mobilização em todo o país contra os planos de aposentadoria do ministro socialdemocrata, houve uma onda de desfiliações na socialdemocracia, e o PTB/PvdA conseguiu acesso ao movimento sindical. Em 2008, cinco anos após o novo começo, foi feito um primeiro balanço em um congresso, a linha adotada foi confirmada e Peter Mertens foi eleito presidente. Gradualmente, especialistas em temas como energia e impostos se desenvolveram na liderança. Um serviço de estudos científicos, sob a direção de David Pestieau, agora com 53 anos, forneceu material sólido para o trabalho político do partido. “Hoje, o partido comunica-se de forma afiada, precisa e direta.” Um elogio do qual se pode orgulhar. No entanto, não se queria apenas alcançar as pessoas com documentos áridos, “mas também tocar o coração”, como se expressou Peter Mertens.

 

Um partido com uma organização de saúde associada

Para entender o sucesso do PTB/PvdA, como já mencionado, não se pode ignorar a organização de saúde Medicina para o Povo (MPLP). Atualmente, ela possui uma rede de 11 centros de saúde, onde trabalham 250 pessoas, incluindo 65 médicas e médicos, além de pessoal de enfermagem e administrativo. A organização atende cerca de 25.000 pacientes. Os centros de saúde têm atrás de si uma luta de mais de 50 anos. Desde o início, o objetivo declarado das associações médicas profissionais era eliminá-los. Claro, porque um atendimento gratuito aos pacientes ameaça o modelo de negócios que vê a doença como uma fonte de lucro. Tudo começou em 1971, quando os dois médicos Kris Merckx e Michel Lyers abriram suas clínicas na comuna operária de Hoboken, perto de Antuérpia. Hoboken tem cerca de 60.000 habitantes. Eles tinham a intenção de praticar um atendimento de saúde gratuito. Na Bélgica, na época, as consultas médicas e os medicamentos tinham que ser pagos pelos pacientes. Posteriormente, uma parte poderia ser reembolsada pelo respectivo seguro de saúde. A associação médica profissional os processou por concorrência desleal. Ambos os médicos foram suspensos, mas continuaram a praticar. Em seguida, foram condenados por “exercício ilegal da medicina”. Nos anos seguintes, ações de confisco foram repelidas com a ajuda da população. Houve repetidos confrontos físicos com a polícia. No final, eles foram bem-sucedidos e conseguiram até influenciar mudanças na legislação de saúde do país. Em 1978, sete anos após as primeiras tentativas, havia cinco centros médicos. A partir de 2000, esses centros se espalharam por toda a Bélgica, com foco em comunas operárias. As questões de saúde relacionadas ao trabalho, como doenças causadas pelo estresse, tornaram-se cada vez mais o foco do trabalho. Já em 1985, foi fundada outra organização chamada “Medicina para o Terceiro Mundo”. Esta enviava pessoal médico para vários países, incluindo os campos de refugiados palestinos no Líbano, as Filipinas, El Salvador, Nicarágua, Burkina Faso e Eritreia. Em 2003, o livro do Dr. Dirk van Duppen, “A Guerra do Colesterol”, foi publicado como parte de uma campanha contra a “Big Pharma”. O livro focou nos preços exorbitantes dos medicamentos na Bélgica e promoveu a redução dos preços através do chamado modelo Kiwi. Segundo este modelo da Nova Zelândia, a qualidade e o preço deveriam ser os critérios decisivos na compra de medicamentos. Esta campanha também foi bem-sucedida e levou a uma redução significativa nos preços de compra. Dr. Dirk Van Duppen, que após seus estudos de medicina trabalhou em um curtume e atuou como médico nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Shatila, faleceu em 2020 de câncer no pâncreas. Ele recebeu postumamente o prêmio de direitos humanos da Bélgica. Seu filho Ben é físico quântico e vereador do PTB/PvdA em Borgerhout, um distrito de Antuérpia com 45.000 habitantes. Em 2008, foi publicado o livro do Dr. Kris Merckx, “Médico do povo”. Nele, aborda-se a importância dos determinantes sociais da saúde e da doença. Durante a pandemia de coronavírus, o MPLP desempenhou um papel significativo na Bélgica. Diferentemente das instituições estatais, os centros de saúde estavam melhor preparados para a pandemia e se concentraram na proteção dos lares de idosos. A direção da MPLP havia passado para as mãos de três mulheres.

Equipe de gestão MPLP

E isso também é típico: a presidente é Janneke Ronse, uma enfermeira, então com 34 anos. Ao seu lado estão as duas médicas de clínica geral, Dra. Anne Delespaul (à esquerda, então com 28 anos) e Dra. Sofie Merckx (no centro), então com 42 anos (em 2017).

Sobre o manejo da pandemia, Peter Mertens escreveu o livro “Eles se esqueceram de nós. A classe trabalhadora, o cuidado e a crise que vem”. A edição alemã do livro foi publicada pela editora berlinense Verlag am park em 2020. Recomenda-se a leitura para aqueles que se sentiram inseguros durante todo o debate sobre o coronavírus.

 

O desenvolvimento futuro do PTB/PvdA

O partido comunica as campanhas centrais cada vez mais através das chamadas mídias sociais, mas também por meio de livros. Em 2011, o título “Como eles ousam?” chegou ao TOP 10 da lista de livros de não-ficção em Flandres e se tornou o segundo livro político mais vendido. Peter Mertens o apresentou em 150 eventos em todo o país. No subtítulo, lê-se: “O euro, a crise e o grande roubo”. Um ano depois, em 2012, o partido planejou um avanço nas eleições municipais nas três cidades de Antuérpia, Liège e Molenbeek. De fato, conseguiu 6,41% em Liège e 8% em Antuérpia. Em 2014, nas eleições para o parlamento nacional, a lista do PTB/PvdA recebeu 251.276 votos. Raoul Hedebouw de Liège e Marco van Hees de Hainaut conseguiram entrar no parlamento. Eles foram os primeiros deputados marxistas em 33 anos. O biólogo Hedebouw, 45 anos, vem de uma família operária clássica. O pai era operário siderúrgico na Arcelor Mittal, a mãe trabalhava em uma fábrica de dispositivos médicos. Desde 2021, Hedebouw é presidente do PTB/PvdA. Marco van Hees, 59 anos, é o especialista em impostos do partido. Ele trabalhou no Ministério das Finanças. Anualmente, ele identifica as 50 principais empresas que não pagam ou pagam poucos impostos. Estamos no ano de 2015, doze anos após o início da renovação de 2003. Tempo para mais uma avaliação intermediária. Em vez de 800 membros, agora são 8.500. Em vez de 80 grupos, agora são 280 e, em vez de 5 conselhos locais, agora são 8 deputados nos parlamentos e 52 conselheiros municipais. Para refletir e contextualizar esse desenvolvimento, foi preparado e realizado um congresso que entrou para a história do partido como o Congresso da Solidariedade. Os resultados foram compilados em uma coletânea intitulada “Expandir – Aprofundar – Conectar”. Quem quiser se aprofundar na história de sucesso do PTB/PvdA deve ler esta coletânea de 273 páginas, disponível em alemão no site. No mesmo ano, ocorreram eleições municipais na Bélgica. O partido alcançou resultados de 15% ou mais. Para ilustrar: Nadia Moscufo, uma ex-caixa dos supermercados ALDI, que desde 2000 está no conselho municipal de Herstal/Liège, agora era líder de uma bancada de nove deputados. Por que mencionar Nadia Moscufo, que hoje tem 59 anos? O partido há muito tempo se esforça para recrutar quadros da classe trabalhadora. Segundo sua própria avaliação, com sucesso moderado até agora. Nadia Moscufo vem de uma família de trabalhadores imigrantes italianos. Ambos os pais trabalhavam em uma fábrica de armas belga. Ambos eram membros do Partido Comunista Italiano e ativistas sindicais. Ela mesma trabalhou 21 anos como caixa no ALDI. Desde 2019, é deputada no parlamento federal e se ocupa com política de defesa. Em 2016, a Bélgica ganhou as manchetes quando o governo da Valônia se posicionou contra o CETA, o abrangente acordo econômico e comercial da UE com o Canadá. Particularmente controversa foi a proteção de investimentos, que permitiria às empresas exigir compensação dos estados em caso de mudanças na legislação. O PTB/PvdA foi uma força motriz na rejeição do acordo. Quando o parlamento nacional foi novamente eleito em 2019, o partido conseguiu continuar sua série de sucessos. Com mais de 500.000 votos, dobrou novamente seu número de votos. Em vez de dois deputados, agora são doze no parlamento nacional e cinco no Senado. Com o jurista Marc Botenga, o partido tem um representante no Parlamento da UE. Ele fala holandês, francês, inglês e italiano. Ele se juntou à fração federada da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Nórdica Verde.

 

A ancoragem na classe

Mas o partido não apenas conseguiu expandir significativamente sua presença no âmbito parlamentar. Ainda mais importante é sua ancoragem na classe trabalhadora. Um sindicalista expressou-se da seguinte forma: “É muito simples: se você visitar um piquete, tem uma chance de nove em dez de encontrar um ativista do PTB, e bem menos chances de encontrar um socialdemocrata.” O partido agora pode contar com 24.000 membros, embora na maioria sejam apenas membros consultivos. Atraí-los para se tornarem ativistas é uma tarefa difícil para o partido, como eles admitem autocriticamente. Então, está (quase) tudo resolvido? Claro que não é tão simples assim. Pascal Delwit, professor de ciência política na Universidade Livre de Bruxelas, estudou o PTB/PvdA com base científica e concluiu: “Esta estrutura organizacional, que ainda está em desenvolvimento, é uma vitória surpreendente e única no cenário dos partidos de esquerda radical. No entanto, ainda levanta questões e revela certas fraquezas.” A primeira fraqueza é “uma certa falta de simetria”. O que isso significa? A Bélgica é um país dividido, o que também afeta o PTB/PvdA. O partido está agora bem estabelecido na Valônia francófona, mas tem uma influência significativamente menor em Flandres. Delwit identifica três razões: primeiro, a Valônia foi mais industrializada e sempre mais à esquerda até a década de 1960. As questões sociais são avaliadas de maneira diferente nas duas regiões do país. Em Flandres, elas são respondidas de forma mais nacional. E, finalmente, não há um sentimento nacional belga, mas sim um sentimento nacional flamengo. Essa falta de simetria dificulta para o partido desenvolver uma abordagem unificada. No entanto, essa fraqueza não é culpa do conceito do PTB/PvdA. O partido está ciente dessa situação e tenta combatê-la de forma direcionada. Uma problemática comparável, embora de natureza diferente, também existe na Alemanha desde a chamada reunificação em 1990. Na Bélgica, as regiões estão se afastando. Os partidos burgueses já aparecem em pares como valões e flamengos, o que torna a formação de um governo ainda mais complicada. A tendência de divisão favorece o separatismo. Se o partido conseguirá ser bem-sucedido contra os esforços separatistas na sociedade, ainda é incerto. Não por acaso, o congresso do partido de 2021 foi chamado de Congresso da Unidade. Dos seis pontos focais do congresso, o primeiro foi: queremos unidade! Só então vieram temas importantes como antifascismo, paz e clima. O congresso já estava orientado dessa forma para o super-ano eleitoral de 2024. Na Bélgica, todas as eleições ocorrem neste ano. Em junho, as eleições europeias, as eleições para o parlamento federal belga, para ambas as câmaras – a Câmara dos Representantes e o Senado. Ao mesmo tempo, também serão eleitos os parlamentos das regiões de Flandres e da Valônia, bem como o parlamento da região de Bruxelas-Capital. Em outubro, seguem-se as eleições municipais. Vamos abordar uma questão em aberto, que é reconhecida como um problema dentro do partido. A liderança do partido observou atentamente o que aconteceu com o Syriza na Grécia, quando chegou ao governo e tentou implementar o seu programa. A Bélgica é um dos países pequenos da UE, com uma influência correspondentemente limitada. Mesmo que a PTB/PvdA consiga se fortalecer a ponto de ser encarregada de formar um governo – algo que alguns acreditam ser possível – a liderança do partido não se ilude. Sem uma guinada política à esquerda em países como Alemanha e/ou França, as perspectivas para a esquerda belga são modestas. No entanto, este problema não pode ser resolvido pela PTB/PvdA. Como poderia? O partido se define inicialmente como uma força de oposição consistente em defesa dos interesses dos trabalhadores assalariados. No entanto, também está fazendo experimentos cautelosos em direção à assunção de “responsabilidade” em níveis mais baixos. Por exemplo, na comuna de Zelzate, no Flandres Oriental, com 13.000 habitantes. Lá, junto com o partido socialdemocrata SP.A, formaram uma maioria (SP.A com 7 conselheiros e PTB/PvdA com 6). Eles concordaram com um conceito de distribuição mais justa dos encargos. O ponto central é uma “transferência justa de impostos”, onde grandes empresas e corporações multinacionais pagam mais impostos, enquanto cidadãos e pequenas empresas pagam menos do que antes. Outro foco é a participação cidadã. Cada sessão do conselho municipal é transmitida ao vivo. Raul Hedebouw: “O que aprendemos aqui, queremos aplicar em dezenas de outros lugares no país.”

 

Uma abordagem completamente diferente

Essa é uma abordagem completamente diferente da que conhecemos do partido da esquerda (DIE LINKE]. Embora tenha um programa partidário progressista, no cotidiano político, especialmente no âmbito parlamentar, prevalece o pragmatismo. Além disso, “há um caldeirão de vaidades dentro do partido, onde a desconfiança mútua é a virtude dominante. As direções e congressos partidários há muito tempo são marcados por essas lutas pelo poder…” (Thies Gleiss, membro da direção do partido, SOZ 2/22). Esse comportamento é, em última análise, motivado por questões materiais. Quem consegue subir na hierarquia, recebe cargos bem remunerados, por exemplo, em governos estaduais (Turíngia, Bremen, anteriormente Berlim). PTB/PvdA e as seções do KPÖ em Graz e Salzburgo resolvem esses problemas à sua maneira. Ernest Kaltenegger, veterano do partido de Graz, expressou-se da seguinte forma: “O primeiro passo para não ser corrompido é essa limitação de renda. Atualmente, são € 2300  líquidos, o restante vai para pessoas em situações de necessidade.” (Kontext Wochenzeitung, 24.5.2023).

À esquerda: Kay-Michael Dankl (KPÖ Salzburg), ao centro: Elke Kahr (Prefeita de Graz, KPÖ), à direita: Marc Botenga MdEP, PTB/PvdA)

O desenvolvimento na Áustria mostra que não apenas na Bélgica estão ocorrendo mudanças que dão motivos para uma esperança cautelosa. Se, paralelamente, na esquerda alemã a tendência vai na direção oposta, ou seja, para baixo, isso é desagradável, mas pode – veja a Bélgica em 2003 – levar a uma nova reflexão. O conceito do partido da esquerda (DIE LINKE), como surgiu do PDS e do WASG, parece ter chegado ao fim. Agora é hora de olhar para frente e sair das discussões paralisantes. Se isso não acontecer em breve, o resultado desagradável pode ser um monte de cacos. Muito da porcelana já foi quebrado. Dada a situação geopolítica que se agrava rapidamente, uma esquerda reformulada precisaria adotar uma posição clara sobre a questão da guerra e da paz e, a partir de uma perspectiva de classe consistente, colocar os interesses dos trabalhadores assalariados no centro. Se a perspectiva final for chamada de socialismo 2.0, ecossocialismo ou sociedade solidária, isso não deve aquecer demais os ânimos no debate atual. No final das contas, trata-se da questão da propriedade. Para poder abordá-la seriamente, é necessário ajustar os parafusos. No Partido do Trabalho da Bélgica, isso é visível. No debate da esquerda alemã, ainda não. Há mais perguntas do que respostas a serem esperadas. Para terminar, uma previsão otimista que olha bem para o futuro. Mas também, por que não?

“Estou convencido de que os historiadores, daqui a 200 anos, dirão: Houve um tempo em que vivíamos no capitalismo. Era o lucro que decidia para onde iam os recursos na sociedade, não para satisfazer as necessidades das pessoas, mas para gerar mais lucro. E as pessoas dirão que éramos loucos. Os arqueólogos se perguntarão como nosso mundo poderia funcionar assim.” (Raoul Hedebouw, presidente do PTB/PvdA)

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Status: 5.6.2023

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