Fatos & Crítica 48: A greve nacional dos professores do ensino superior acentuou os impasses do governo de centro direita
Coletivo do CVM
A greve nacional dos professores universitários, dos institutos e centros tecnológicos de ensino federais em luta por reajustar os salários face à inflação acumulada e vigente e conquistar aumento salarial real, após mais de dois meses de luta e negociações, passa no momento pela marcação de assembleias de avaliação do movimento nos próximos dias. Há o consenso de que foi uma luta difícil, sem ganhos, mas que revelou o caráter do governo Lula e acentuou os seus impasses.
A luta
O ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes de Nível Superior comandou a paralisação e se defrontou não apenas com a recusa do governo a conceder o reajuste salarial pleiteado por causa da inflação passada, mas com um sindicato que se opõe radicalmente a ele e funciona como uma correia de transmissão governamental, o Proifes – Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico.
O movimento dos professores iniciado em 15 de abril reivindicava aumento de 22% dividido em três parcelas (2024, 2025 e 2026), processo que remonta à greve de 2015, durante o governo de Dilma Rousseff. Nesse encaminhamento, deparou-se com a oposição do Proifes – um sindicato de carimbo oficial, ainda não reconhecido formalmente até aquele momento e que nunca contou com mais de 6 unidades sindicais (universidades, institutos). Esse sindicato, criado no gabinete de Tarso Genro, ministro da Educação em 2004, foi legitimado com a sua fundação no mesmo ano, na sede da CUT em Brasília. A direção do Proifes, instrumento usado pelo governo Lula para atravessar o ANDES e acabar com a greve, atuou como os velhos pelegos na época da ditadura militar, a exemplo de Joaquinzão (Joaquim dos Santos Andrade), dos metalúrgicos de São Paulo, que aceitava o arrocho salarial em troca de benefícios assistenciais para perpetuar-se na direção do sindicato. Não se pejou a cumprir esse papel de sindicato pelego, mesmo com a resistência de suas próprias bases, que participaram da greve.
O rolo compressor do governo fez o movimento recuar das propostas iniciais. Em 27 de maio, após debate nacional que construiu uma nova proposta, apresentou a reivindicação de 3,5% de reajuste salarial em 2024. Proposta recusada, enquanto o governo estabelecia acordo formal com o Proifes de conceder reajuste apenas em 2025 e 2026. Diante dessa situação o Andes apelou à Justiça federal que admitiu a alegação de que o Proifes não poderia representar os professores por não ser um sindicato reconhecido nos termos da lei. Ou seja, apelou para o status quo dos sindicatos atrelados ao Estado. A que ponto se chega quando se está uma situação percebida como sem saída!
Diferentemente do setor privado, no qual as negociações terminam em convenções coletivas de categorias (cada vez menos) e acordos coletivos de trabalho por empresas (cada vez mais), um reajuste salarial para os professores teria de ser encaminhado por um projeto de lei (PL) orçamentária com solicitação de crédito adicional. O encaminhamento do PL a partir da greve seria algo inadmissível para o governo Lula porque reconheceria a força do PSOL e do PCB que influenciam a direção do ANDES, reeleita em 2023.
A questão orçamentária
A questão orçamentária apareceu de outra forma. A paralisação dos professores fez os reitores das universidades federais reclamarem de que somente havia orçamento a ser executado até agosto desse ano. Por quê? Por causa do contingenciamento da execução orçamentária, uma vez que a estimativa de gastos superou o limite estabelecido pelo “teto de gastos” estabelecido pelo governo durante o ano. O resultado é a não execução total do orçamento, o que permite chegar ao final do ano com recursos financeiros à disposição do governo. O contingenciamento tem importância em períodos eleitorais, como é o caso deste ano, com as eleições municipais.
Ademais, como o orçamento das universidades está organizado? Os investimentos cada vez mais, dependem de mediação política da Câmara dos Deputados, por meio das emendas parlamentares. A autonomia universitária é uma fantasia da qual ninguém se lembra, mesmo os partidos que se assumem como esquerda na oposição ao governo.
Apesar de tudo, o impacto orçamentário do reajuste salarial de 3,5%, estimado em 6,4 bilhões de reais, seria uma parte ínfima se considerarmos, por exemplo, os subsídios governamentais aos capitalistas. Lula, por exemplo, na reunião ministerial da área econômica realizada neste mês, “espantou-se” com o fato de que em 2023 as dádivas governamentais tenham alcançado 6% do PIB. Corresponderam a 646 bilhões de reais, de um PIB de 10 trilhões de reais. Uma fábula!
O governo Lula é tudo menos ingênuo. Recusou o reajuste salarial, mas entregou o fim do ponto eletrônico dos funcionários das escolas como uma concessão e incorporou a reivindicação de investimento público na educação, requentando, com o PAC-Educação, destinado às universidade e hospitais universitários, projeto com recurso já disponível. O PAC está voltado para a construção de novas unidades de ensino pelo país afora, quando a maioria das unidades mal dispõem da infra-estrutura mínima de funcionamento, tanto para os professores como para os alunos filhos das classes trabalhadoras (bolsas, moradias, bandejão, biblioteca). Isso sem falar, obviamente, nas condições de trabalho docente. Com o PAC-educação Lula consegue assim passar a ideia de que faz alguma coisa, quando está a criar vagas para a construção civil que imagina renderão dividendos eleitorais adiante. Enquanto isso, espera que a memória dos fatos políticos vá se esvaindo numa possível retomada do crescimento econômico. Por trás do PAC-Educação está o mesmo bordão repetido em cada eleição presidencial: o Brasil precisa crescer. Um crescimento significativo improvável, porque a tendência mundial é de depressão econômica.
O governo Lula: um governo de centro direita
Durante a greve dos professores, o argumento de que “o fascismo está a espreita”, numa alusão ao bolsonarismo, foi agitado nas assembleias pelos ativistas do Proifes para tentar acabar com o movimento. A ameaça amedrontadora não convenceu, porque no momento não existe. Porém a greve dos professores, ao pressionar o governo, acentuou seu caráter de centro-direita. Acontece que o movimento dos professores dificulta politicamente o governo e o legislativo, voltados prioritariamente para as eleições municipais deste ano. Nessas eleições, a única ameaça consiste no PT não conseguir os aliados à direita para vencer os pleitos e dispor de uma rede de apoio às eleições no segundo semestre de 2026.
O governo Lula é um governo centro direita no qual o presidente e seus ministros atuam com dificuldade devido às “tornozeleiras” que os prendem às decisões do Banco Central e ao Congresso Nacional, controlado pelo centrão. [LINK para o boletim F & Critica sobre o governo Lula como centro direita]
Quem reconhece que o governo de Lula é um governo de centro direita não somos apenas nós, mas nada menos do que José Dirceu, liderança de direita do PT desde os idos de 1991, quando expulsou o PSTU da sigla partidária, em nome da social-democracia à brasileira, ou seja, o social-liberalismo. Em 14 de junho corrente, tendo participado de um seminário do grupo Esfera Brasil, constituído pela mídia bolsonarista pragmática (Jovem Pan, Exame, etc.) , declarou que o governo de Lula era um governo de centro direita, coagido a esta situação do ponto de vista histórico e político. Logo em seguida, no mesmo dia, diante da reação de dirigentes petistas, corrigiu a afirmação: é um governo de centro-esquerda apoiado na direita! Político realista e agora arauto do futuro do PT, Dirceu sabe que o governo Lula, para livrar-se das “tornozeleiras” precisa conquistar uma parte das “elites”, por ele identificadas nos setores produtivos da indústria e do agronegócio. Dirceu sabe muito bem que a chamada burguesia nacional (o que restava dela) despediu-se após 1964, cujo exemplo mais notável é José Mindlin, um bibliófilo (colecionador de livros raros) que se desfez da Metal Leve, empresa metalúrgica do setor de autopeças, vendida para a multinacional Mahle em 1996.
De qualquer forma, um pacto entre essas “elites” com apoio das centrais sindicais lembremos, nada mais será do que a atualização do cartório estatal-privado-sindical de negócios futuros. Para Dirceu, o futuro imediato do governo, em termos de base de sustentação política no PT vai exigir a formação da nova geração petista que se encontra empregada ou vinculada aos ministérios e pastas sociais do governo, abafando a pressão vinda de movimentos de massa. O caminho da formação política de quadros ideológicos e liderança de massas, lemos na imprensa, passará pela UNIPOP- Universidade Popular, escola de formação política surgida em 2007 e em recesso desde o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. A entidade foi relançada em 11 de junho em Brasília.
Há alternativa?
É assim que a banda governista toca, na certeza de que conseguirá arrastar e subordinar a si os trabalhadores, simplesmente por falta de alternativa eleitoral. Quem se propõe a defender os interesses imediatos dos trabalhadores na perspectiva da sua mobilização política independente e contra a sociedade burguesa sabe que existe alternativa. Sabe que ela precisa ser construída na luta e não passa pelo governo. Como procuramos ressaltar, isso ficou bastante claro na experiência da greve nacional dos professores.
O movimento dos docentes está considerando a situação atual, devido à ausência de qualquer ganho salarial, mesmo em termos da recuperação do poder de compra devido à inflação passada. O Comando Nacional da Greve do ANDES aguarda o processo de avaliação das assembleias nas universidades para sistematizar os encaminhamentos a partir de 23 de junho. Existem propostas para o seu prosseguimento, conforme pode ser observada na nota conjunta assinada por diversos coletivos(*), enquanto no Norte e no Nordeste a disposição para continuar a luta é bastante forte.
(*) ver o linK: https://www.instagram.com/p/C8cooUfOcDj/?igsh=MXFqeDk5dHRxMW5idQ%3D%3D&img_index=1)
CVM – 21/06/2024
LEIA EM PDF: CADERNO F&C 48