Fatos & Crítica 11: Os trabalhadores começam a se mover

Coletivo do CVM

 

Nunca tantos estiveram prestes a perder tantos direitos sociais de uma só vez, em tão pouco tempo. Essa é a situação vivida atualmente pelos trabalhadores brasileiros, homens e mulheres, trabalhadores urbanos e rurais, ameaçados de ter fixada em 65 anos a idade mínima para a sua aposentadoria e de ter que trabalhar por 49 anos para ter direito à aposentadoria integral, em média já baixíssima.

Como se essas duas medidas não fossem por si só suficientemente drásticas, são previstas ainda na chamada “reforma” da Previdência (contrarreforma seria um termo melhor) a elevação do tempo mínimo para a aposentadoria proporcional de 15 para 25 anos, a diminuição do valor do benefício pago a idosos e portadores de deficiência, a imposição de pelo menos 25 anos de contribuição para o trabalhador rural, a proibição do acúmulo de pensão e aposentadoria e o corte de até 40% no valor da pensão por morte.

Por mais estranho que possa parecer, essas medidas estão sendo impostas por um governo que está na corda bamba, ameaçado de cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral, e estão previstas para ser aprovadas por uma maioria de parlamentares totalmente desmoralizados, sobre os quais pesam gravíssimas acusações de corrupção em larga escala.

Medidas tão drásticas, para serem implantadas, necessitariam normalmente de ditaduras abertas e indiretas da burguesia, como a ditadura militar. Mas agora, estão sendo promovidas por um governo politicamente fraco, cujo barco faz água por todos os lados. E a única razão para que essa tentativa prossiga é que, até o momento, os trabalhadores estão assistindo ao golpe contra os seus direitos sem uma reação à altura.

O tamanho do golpe contra os direitos previdenciários será inversamente proporcional à capacidade de resistência dos trabalhadores. Mas, a verdade é que o proletariado encontra-se anestesiado por mais de uma década de política de conciliação de classes promovida pelo PT e pela CUT, à qual se acrescentam os efeitos desagregadores do desemprego e da redução dos salários reais. Isso dentro de uma situação histórica geral em que ficou inconcluso o seu processo de formação enquanto classe independente, com objetivos próprios e oposta à burguesia.

Mas, a dimensão do golpe que está sendo armado contra os direitos sociais é, por si só, um estímulo à resistência. Não foi à toa que no dia 15 de março, apesar de tudo, centenas de milhares de trabalhadores foram às ruas, em especial em São Paulo (200.000 manifestantes) e no Rio de Janeiro (100.000), para protestar contra a “reforma” da previdência. É natural que, na retomada das lutas, o ponto de partida ainda seja baixo e que o movimento tenha amplificado a sua repercussão, principalmente na capital paulista, por meio da greve dos metroviários e dos rodoviários.

Ressalte-se que, desta vez, além das greves locais de servidores, professores e bancários, a paralisação alcançou também algumas fábricas.  Segundo a Intersindical – Instrumento de Luta e Organização da Classe Trabalhadora, em Campinas mais de sete mil metalúrgicos pararam por 24 horas a produção na Samsung, no Complexo Maxion e na CAF e por mais de 3 horas na Toyota. Em Limeira, houve atraso na entrada das fábricas da Whirpool e da Brascabos. Em Santos, houve paralisação na Petrobrás. Em Vinhedo, a produção da Globalpack foi paralisada por três horas.

Diante do tamanho do ataque, a reação ainda deixa a desejar, mas novas manifestações estão por vir no dia 31 de março e é evidente que somente uma greve geral contra a “reforma” da previdência pode deter esse avanço do capital sobre os direitos dos trabalhadores.

 

Governo Temer continua balançando na pinguela

Há indícios de que as condições políticas instáveis do Governo Temer, ameaçado pela Lava Jato e pelo TSE, são uma restrição importante para a imposição de medidas impopulares, porém exigidas pelo capital financeiro, que é a principal força social que o sustenta e comanda.  Uma indicação que já começam a aparecer fraturas no bloco no poder é o pronunciamento do notório Renan Calheiros por uma “reforma” branda, provavelmente preocupado com o impacto que os cortes nas aposentadorias e pensões dos trabalhadores rurais venham a ter sobre o desempenho eleitoral do seu partido, o PMDB, no interior.

Vacilações também produziram a retirada dos 5 milhões de servidores públicos estaduais e municipais do projeto de “reforma”, atitude posteriormente “corrigida” por imposição dos representantes do capital financeiro, com a introdução de um exíguo prazo de seis meses para as Assembleias Legislativas aprovarem leis próprias sobre o assunto, sob pena de prevalência da lei geral.

Sintoma de que as coisas de fato não vão bem para o Governo Temer foi o resultado apertado da votação do projeto sobre a terceirização na Câmara dos Deputados, que passou com 231 votos a favor e 188 contra, uma maioria que seria insuficiente para aprovar uma emenda à Constituição, como é o caso da “reforma” da Previdência, que necessita de 308 votos.

Ocorre que a maioria que o governo possui no Congresso decorre em grande parte de um movimento de autodefesa dos parlamentares em relação às ameaças da Operação Lava Jato. Se o governo se mostra incapaz de por limites à ação dos procuradores e da Polícia Federal, ao mesmo tempo em que não atende plenamente à nomeação de indicados políticos para continuar a assaltar os recursos públicos ao velho estilo, então a sua base parlamentar não se sente também com ânimo de se apresentar à população como os algozes responsáveis pela retirada dos seus direitos sociais.

Sabedor de suas dificuldades, o Governo Temer age para construir, com a ajuda de Gilmar Mendes do STF e dos investigados presidentes da Câmara e do Senado, medidas de blindagem para conter os danos da Operação Lava Jato ao mínimo possível. A manutenção do foro privilegiado para os parlamentares investigados tem como propósito alcançar a tão desejada prescrição das penas, pois o STF é reconhecidamente lento em seus processos e será muito mais considerando o volume de réus a serem julgados após as delações da Odebrecht.

Outras medidas necessárias à blindagem dos membros do governo e de seus apoiadores no parlamento são a anistia para o Caixa 2 nas campanhas eleitorais e a aprovação da lei contra o “abuso de autoridade”, que tem como propósito conter os promotores e os juízes que os acusam e os julgam. Por último, uma medida tem como objetivo salvar da inevitável derrota eleitoral os acusados de corrupção: o chamado “voto em lista”, que garantiria a tranquila eleição dos caciques partidários, confortavelmente instalados nos primeiros lugares dessas listas.

Aproxima-se, entretanto, o julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE e a divulgação pelo STF das acusações que atingirão a cúpula do poder, com base nas delações da Odebrecht, ameaçando o plano de estabilização política e de aprovação da “reforma” da previdência. Que o ambiente está conturbado e que o pior pode acontecer a qualquer momento, fica demonstrado pelos ataques de nervos dos principais personagens dessa trama. Gilmar Mendes acusa os procuradores de cometer o crime de vazamentos seletivos, assunto que não o incomodava minimamente, quando o alvo era o PT e o governo anterior. Sentindo-se ofendido, o Procurador Janot reagiu e acusou Gilmar de sofrer de “disenteria verbal”, episódio que revelou o nível raso a que foi relegada a respeitabilidade burguesa das mais altas autoridades judiciárias da República.

Os procuradores e juízes da Lava Jato são a expressão no Judiciário de uma pequena-burguesia formada por pequenos empresários e assalariados de alta renda afetados pela crise econômica, que organizou-se em movimentos de direita, adquiriu autonomia e fugiu do controle das forças hegemônicas do poder burguês, acreditando poder banir a corrupção das práticas da dominação política. Agora, precisa ser domada e ter a sua ação restringida, em prol da “governabilidade”.

O fracasso numérico das manifestações convocadas pelos movimentos de direita no dia 26 de março mostra que esse setor social se sente parcialmente contemplado com o afastamento do PT do poder e começa a suspeitar que as medidas urdidas pelo governo também podem afetá-lo de alguma maneira, como é o caso da “reforma” da Previdência. O movimento “Vem pra rua”, por exemplo, já acusou uma divergência em seu interior em relação ao assunto.

O enquadramento dos procuradores e juízes de primeira instância é a bandeira que une Gilmar a Renan, Maia e Temer e que é a condição para a manutenção da maioria parlamentar necessária ao objetivo maior: aplicar uma das maiores derrotas aos trabalhadores do país.

Há, entretanto, um Plano B, caso a estabilização política venha a se inviabilizar pela revelação do conteúdo das delações da Odebrecht ou pela impugnação da chapa Dilma-Temer pelo TSE. A situação delicada dos presidentes da Câmara e do Senado nos processos anticorrupção coloca a presidente do STF Carmen Lucia como uma alternativa de curto prazo, que pode ser prolongada até 2018 por meio de uma eleição indireta no Congresso.

Tudo indica, entretanto, que a crise política só terá condições de ser equacionada com as eleições gerais de 2018, onde a direita apresentará seus candidatos nas versões light (Dória) ou integral (Bolsonaro, apoiado pelo submundo das milícias) e a esquerda pretende manter a sua aposta em Lula, caso ele não venha a ser apanhado pelos procuradores e juízes de Curitiba, o que parece ser o mais provável, considerando o ódio de classe que estes lhe dedicam. Que o líder do PT mantém as suas esperanças mostram seus movimentos recentes, como o ato comemorando a transposição do Rio São Francisco e a participação no comício do dia 15 de março na Avenida Paulista. Na impossibilidade de sua candidatura, aparecem como alternativa figuras como a de Ciro Gomes.

 

“Reforma” trabalhista ao gosto do capital

Aproveitando a inércia dos trabalhadores, a burguesia apressou-se para aprovar um item integrante de uma pauta antiga, porém nunca viabilizada por conta da resistência da CUT e sua influência no governo anterior: a lei da terceirização. Aprovada por estreita margem em sua versão mais danosa para os trabalhadores, essa lei permite a terceirização de atividades-fim das empresas e até do setor público e exime, em princípio, a contratante em relação às obrigações da contratada, abrindo as portas para a regressão das relações trabalhistas ao que se praticava no país no início do século XX, quando a proteção ao trabalhador era mínima.

Outras medidas como a prevalência do acordado sobre o legislado na CLT e a aprovação do trabalho intermitente estão na lista de uma “reforma” trabalhista bem ao gosto do capital, que espera se livrar das amarras que restringem a sua liberdade de explorar sem limites a mais valia absoluta dos trabalhadores.

Para chantagear os sindicatos pelegos, o relator do projeto ameaça com o fim do imposto sindical, caso haja alguma resistência por parte deles ao novo pacote de leis trabalhistas. Sabemos que isso é só chantagem, pois o imposto sindical, ao preservar o peleguismo, atende aos interesses gerais da burguesia. A ela só interessaria de fato o fim do imposto se os sindicatos exercessem uma posição independente e de classe no cenário político, pois, neste caso, seria dinheiro colocado pelo estado na conta do inimigo.

 

A recuperação econômica é incerta e a “carne é fraca”

O governo comemorou os pequenos sinais de retomada do crescimento industrial e do emprego como uma grande vitória, pois depende do seu desempenho nessa área para se firmar politicamente. Que a comemoração foi desproporcional ao motivo ficou demonstrado pelo anúncio logo em seguida de que rebaixava a previsão para o crescimento do PIB, de 0,8% para apenas 0,5% em 2017.

A queda da inflação por conta da terrível recessão e a consequente diminuição da taxa de juro básica da economia, aliada à queda dos salários reais e à recuperação dos preços das commodities no mercado internacional, são as causas dessa tímida e ainda incerta recuperação econômica.

Foi nesse ambiente de esperança de uma melhoria da situação que o governo foi pego de surpresa pela ação midiática da Polícia Federal sobre os frigoríficos. Além de ter sido um atestado de que o governo é incompetente para controlar a sua própria polícia, o exercício de exibicionismo do delegado produziu um impacto econômico desastroso sobre as exportações de carne do país, num momento crítico para o governo.

CVM – 29 de março de 2017

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