Boletim de Conjuntura Internacional Nº 1: Crise mundial e movimentos geopolíticos atuais

Coletivo CVM

 

O espectro de uma nova crise internacional, a primeira após 2008, começou novamente a assustar o mundo. O decréscimo do crescimento chinês e as fortes desvalorizações de suas bolsas abalaram o mercado de capitais nas últimas semanas em todas as principais praças do planeta. A esse cenário, se agregam também as previsões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre tendências de declínio, tanto da economia chinesa, quanto também da economia americana, apesar de esta última ter crescido 3,7% (em base anual) no segundo trimestre. Ou seja, os dois principais motores da economia mundial dão indícios de fadiga.

Ainda que a Europa e o Japão apresentem atualmente sinais de recuperação econômica, depois de um longo período de recessão e estagnação, o peso das economias americana e chinesa no mundo é suficiente para que os seus problemas venham a se refletir em todos os demais países, desenvolvidos ou não.

Expressão disso é o acirramento da concorrência entre as grandes potências, que tem levado a políticas de desvalorização de suas respectivas moedas, de forma a aumentar a competitividade no mercado internacional. Esse tipo de política produziu um dólar desvalorizado, a partir de 2008, que foi sucedido pela desvalorização do yen japonês e, agora, pela do yuan chinês.

Internamente, políticas de diminuição de salários reais ou de direitos sociais foram levadas a cabo, como na Alemanha, na Espanha (onde foram retirados direitos dos jovens no mercado de trabalho) e em outros países desenvolvidos, de forma a mantê-los competitivos em escala mundial. O enfraquecimento do dólar produziu o direcionamento de capitais especulativos em direção às commodities, o que, aliado à demanda chinesa por esses bens, produziu uma rara inversão dos termos de intercâmbio no comércio internacional, favorecendo o crescimento que ocorreu na periferia do capitalismo no início do século XXI, do qual o Brasil foi um dos beneficiários.

O esgotamento desse ciclo, que revela uma superprodução em caráter mundial, leva agora a um movimento inverso de desvalorização dos produtos primários, em primeiro lugar o petróleo, que teve o seu preço abatido pela metade, inviabilizando a sua extração do xisto, nos Estados Unidos.

Historicamente, o aumento da concorrência entre as potências imperialistas no mercado internacional, intensamente disputado, leva a um acirramento dos conflitos geopolíticos.

A cooperação antagônica entre os países imperialistas após a II Guerra Mundial, construída sobre a destruição das potências derrotadas (Alemanha, Japão e Itália) e do enfraquecimento extremo da França e da Grã Bretanha, permanece válida até os dias de hoje. Com o desaparecimento do campo soviético, no entanto, o imperialismo americano se sente mais livre para impor fatos consumados aos aliados, substituindo a hegemonia de consenso anterior, por uma política de coerção, cujo braço político, o G-7 (formado pelos Estados Unidos, Grã Bretanha, Alemanha, Japão, Itália, França e Canadá), quase sempre é consultado posteriormente. Seu braço militar, a OTAN, expandiu-se até a fronteira da Rússia, que já perdeu um terço do território do pós-guerra.

Fora desse ambiente, encontram-se a China e a Rússia. Esta última, extremamente debilitada após o fim da experiência socialista, foi atraída como membro subalterno da Aliança Ocidental, tendo sido incluída durante certo tempo numa ampliação do G-7 (o chamado G-8). Ocorre que a burguesia russa tem interesses próprios, além de contar com um armamento nuclear, herdado do período anterior, que lhe permite pleitear um lugar no mundo bem maior do que aquele a ela reservado pelas potências ocidentais.

A ascensão de Vladimir Putin ao poder revelou essas pretensões, com a centralização econômica interna e o exercício de uma política externa que visou recuperar sua esfera de influência, estreitada pela ação constante das potências ocidentais. Os casos da Geórgia e da Ucrânia são reveladores desse movimento.

Embora passando por graves problemas econômicos – o país está em recessão pelo terceiro ano e sofre com as sanções econômicas ocidentais e a queda drástica dos preços de petróleo, um de seus principais itens de exportação, ao lado do gás natural – a Rússia não abdica de exercer um papel de peso em âmbito mundial e procura uma aliança com a China, para se contrapor às ameaças da Aliança Ocidental em suas fronteiras.

Outro país que está fora do ambiente de cooperação antagônica do mundo ocidental é a China. O país vem crescendo a altas taxas desde 1976, acumula reservas e títulos públicos americanos em escala gigantesca, possui agora uma base industrial complexa e é o principal parceiro comercial de muitos países do mundo, entre eles o Brasil.

A China rompeu o monopólio comercial americano e ocidental e colaborou para a valorização dos termos de intercâmbio do comércio internacional, valorizando as matérias primas produzidas pela periferia e desvalorizando os produtos industriais, dos quais passou a ser a grande produtora mundial.

A sociedade chinesa incorpora, entretanto, um sistema ambíguo. O comando político está nas mãos do Partido Comunista Chinês, há uma intervenção estatal ativa na economia, que inclui a intenção de planificá-la e, além disso, não existe o direito de herança no país, nem a propriedade privada da terra. Fazendo um paralelo histórico, é como de fosse uma grande NEP – a Nova Política Econômica adotada pela Rússia nos anos 20 – ou seja, um capitalismo de estado conduzido pelo Partido Comunista.

Parte significativa da economia é privada, está em mãos capitalistas, mas estes não podem ser representados diretamente nos órgãos de poder. Todas as iniciativas da burguesia de instituição de mecanismos “democráticos”, que a dotassem de poder político proporcional ao seu peso econômico, malograram com a repressão política do estado. Seus movimentos ficam restritos à influência indireta que possa eventualmente vir a exercer em alguma ala do Partido Comunista.

O operário chinês, em contrapartida, também não pode se expressar de forma independente, pois seus órgãos de representação, como os sindicatos, são praticamente instrumentos do estado, dentro do padrão stalinista tradicional. Os camponeses continuam a ser a grande base do sistema político chinês. A China, ao contrário da Rússia dos anos 30, não expropriou os camponeses e continua contando com o seu apoio político.

A economia chinesa, a segunda em importância no mundo e uma das que mais cresce, virou um padrão para o mundo no quesito da produtividade do trabalho. Quem quiser competir com a China no comércio externo terá que cuidar também da derrubada dos salários e dos direitos sociais dos seus trabalhadores, no plano interno.

Pergunta-se atualmente se existe imperialismo chinês. O país tem hoje uma forte presença econômica em toda a periferia capitalista, seja ela a Ásia, a África ou a América Latina. Se o imperialismo for identificado simplesmente com a exportação de capitais, os números não deixam margem a dúvidas. Falta à China, entretanto, a presença militar que seria a expressão política desse poder econômico em nível mundial. No momento, a expansão do país está principalmente embasada no comércio, na tentativa de estabelecer uma nova “Rota da Seda”, que permita a sua integração com diferentes regiões do mundo. A ferrovia que liga o Atlântico ao Pacífico, passando pelo território brasileiro, é parte desse projeto global.

Do ponto de vista militar, o país aquece seus músculos apenas nas fronteiras do seu território, no Mar da China, onde se confronta com o Japão na disputa por ilhotas desabitadas onde se suspeita existir petróleo. Ao mesmo tempo, se aproxima da Rússia, no que parece ser um movimento com implicações além da esfera econômica.
A formação dos BRICS com a Rússia, atraindo países médios como o Brasil, Índia e África do Sul, também mostra de que a segunda potência mundial não está disposta a ser mera coadjuvante no cenário político internacional.

No momento, entretanto, a fraqueza militar da China e a fraqueza econômica da Rússia, se não as coloca no ambiente da “cooperação antagônica” das potências ocidentais, também não as impele ao exercício do antagonismo puro e simples, nos moldes do que ocorria entre os Estados Unidos e a União Soviética na época em que o mundo era bipolar, ou seja, dividido nos blocos capitalista e socialista. Há ainda muitos interesses comuns. As relações atuais poderiam ser denominadas, no máximo, de “antagonismo cooperativo”.

Já a Aliança Ocidental vive hoje uma situação que coloca em questão a sua hegemonia em escala mundial. Ao tentar afastar as influências da Rússia e da China no Norte da África e no Oriente Médio, contribuiu para desestabilizar o frágil equilíbrio de poder no mundo árabe e colheu disso tudo uma Líbia em estado anárquico, incapaz sequer de deter o fluxo de africanos para os países europeus, e uma Síria em guerra civil sem solução, que também fornece milhões de refugiados em todas as direções, mas principalmente para a Alemanha e a Grã Bretanha.

Cutucaram a Rússia com vara curta, liberando as forças fascistas na Ucrânia, e produziram o desmembramento do país, com a reincorporação da Crimeia à Federação Russa e a guerra civil em sua região oriental.

Capítulo a parte é o chamado Estado Islâmico. Os Estados Unidos semearam e cultivaram o fundamentalismo islâmico medieval no Afeganistão contra os soviéticos e colheram anos depois os atentados em Nova Iorque e o domínio de extensas regiões do Iraque e da Síria.

Derrubaram Saddam Hussein, para colocar no seu lugar uma corruptocracia, incapaz sequer de organizar um exército ou de manter o país unificado. Tanto melhor para os curdos, que têm hoje uma chance de realizar o seu velho sonho de ter um estado próprio.

Um mundo cada vez mais instável é o cenário que se apresenta. Infelizmente, a crise de 2008 não produziu nada de novo no cenário político da esquerda mundial. As posições reformistas, de caráter pequeno-burguês de agremiações como o “Podemos” na Espanha e o “Syriza” na Grécia foram desmoralizadas com a capitulação incondicional do governo grego diante dos credores internacionais.

As crises econômicas dos países da América do Sul, impactadas fortemente pela queda dos preços das matérias primas, dão ensejo ao surgimento de movimentos de massa de direita que têm como objetivo tirar do poder os governos que, em maior ou menor grau, não rezaram conforme a cartilha econômica dos países imperialistas. O caso da Venezuela é, nesse sentido, o mais grave, pois o desgaste do governo com a crise pode ensejar a eleição de um parlamento com maioria da direita ainda este ano.

O novo cenário político internacional que se descortina aponta para o aguçamento ainda maior dos conflitos geopolíticos, para o desemprego em escala mundial e o consequente aguçamento da luta de classes. Apenas a organização do proletariado de forma independente poderá impedir que o preço desses conflitos e da crise econômica seja pago com o aprofundamento da miséria ou com o derramamento do sangue dos trabalhadores.

CVM – agosto de 2015

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Boletim de Conjuntura INTERNACIONAL Nº1

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Comentários

  1. otavino alves da silva disse:

    Muito boa a análise do sistema capitalismo a nível mundial apresentando suas contradições internas e alimentando a sua única preocupação e razão de ser continuar a exploração dos trabalhadores da cidade e do campo.