Retrospectiva do movimento sindical no Brasil nas últimas 3 décadas
Introdução
1. Os trabalhadores só exercerão o seu papel no cenário político nacional quando estiverem organizados independentemente das demais classes sociais, em entidades sindicais e políticas próprias, deixando, assim, de cumprir um papel de meros coadjuvantes na defesa de interesses burgueses, de frações burguesas ou mesmo da pequena-burguesia.
2. Trinta anos depois da criação da CUT, nos encontramos diante da necessidade de realizar um balanço dessa experiência histórica, da trajetória da classe operária e de seu movimento nessas últimas décadas, dos impasses e contradições que vivemos, como ponto de partida imprescindível para situar as alternativas, rumos e tarefas que a esquerda tem pela frente.
3. O nosso foco é a classe operária, pois em nossa opinião continua cabendo a ela o papel hegemônico na condução do conjunto dos trabalhadores rumo a uma sociedade que supere a exploração capitalista, dê fim às crises econômicas, à miséria, ao desemprego e às guerras de intervenção das potências imperialistas e construa a sociedade socialista.
A indústria e a importância da classe operária
4. O Brasil é exportador líquido de bens de consumo duráveis, mas é importador líquido de bens de capital e de tecnologia. O seu atraso tecnológico levou o país à especialização em produtos básicos e bens de baixa intensidade tecnológica. Nesse sentido, continua circunscrito às fronteiras do mundo subdesenvolvido, subordinado economicamente aos países imperialistas.
5. Nos anos mais recentes, a valorização das commodities produzidas pelo país e a política de juros altos, atraindo um fluxo contínuo de capitais externos, geraram uma valorização extraordinária do real e contribuíram para deter o processo de desenvolvimento da indústria, com a perda de competitividade em setores como a metalurgia básica, a indústria automobilística, a indústria química, os têxteis, a indústria do vestuário e a de couros, ao mesmo tempo em que favoreceram o setor baseado na exploração de recursos naturais (minérios, petróleo, alimentos).
6. Atualmente, os produtos que respondem pela maior competitividade internacional das exportações brasileiras são intensivos em recursos naturais e caracterizam o que alguns chamam de “especialização retrógrada”. A participação decrescente dos produtos intensivos em tecnologia nas exportações é uma indicação desse “retrocesso industrial”.
7. Apesar do decréscimo relativo da participação industrial no PIB e do processo desindustrialização cada vez mais especializado em recursos naturais, nas últimas décadas houve um aumento do número de operários, tanto em termos absolutos quanto relativos. Em 1989, no final do auge do movimento operário, o número de operários industriais com carteira assinada perfazia 6,6 milhões. Após quase uma década de descenso e de ofensiva do capital contra os trabalhadores, esse número diminuiu para 4,8 milhões em 1998, mas voltou a subir continuamente a partir daí até chegar a 8,5 milhões em 2010. Considerando os trabalhadores empregados na indústria, com ou sem registro em carteira, seu número saltou de 11,2 milhões em 2002 para 17,2 milhões em 2010. 8. Quanto ao número total de trabalhadores com carteira assinada, ele subiu de 20 milhões em 1985 para 44 milhões em 2010. Para todos os trabalhadores, com ou sem carteira assinada, foi atingido em 2002 o total de 79 milhões, número que se elevou para 92 milhões em 2010. Essa é a dimensão do conjunto da classe trabalhadora brasileira. A tabela a seguir mostra a distribuição dos trabalhadores com carteira assinada no Brasil em 2010.
Distribuição dos trabalhadores segundo grandes setores econômicos – Brasil, 2010
9. Os operários industriais, por sua concentração em grandes unidades fabris, importância no processo produtivo e interdependência no processo de trabalho, são naturalmente chamados a liderar o conjunto da classe trabalhadora e a categoria dos metalúrgicos ocupa, no conjunto dos operários industriais, um papel especial. O metalúrgicos com carteira assinada correspondiam em 2010 a 5,2% dos empregos totais e a 26,4% dos empregos na indústria de transformação.
10. A importância que a categoria tem no contexto da luta dos trabalhadores, traduzida na quantidade de lideranças sindicais e políticas que dela provêm, decorre de sua importância numérica, de seu peso dentro do processo produtivo do país e de sua concentração geográfica e em grandes unidades, que possibilita aos metalúrgicos melhores condições de organização e de luta.
11. A tabela a seguir revela a concentração existente no ramo metalúrgico, ao mostrar que mais de um terço dos metalúrgicos trabalham em fábricas com mais de 500 operários e mais de 60%, em unidades com mais de 100 trabalhadores. O gráfico mostra que ainda é grande concentração dos metalúrgicos na Região Sudeste, apesar da tendência a alguma desconcentração em direção ao Sul e ao Nordeste.
Distribuição de trabalhadores metalúrgicos segundo tamanho da fábrica – Brasil, 2009
Distribuição do emprego metalúrgico segundo região geográfica – Brasil, 1985, 2000, 2010.
12. E dentro do ramo metalúrgico, a indústria automotiva ocupou 22,9% dos trabalhadores em 2010, só perdendo em importância nesse aspecto para o setor siderúrgico, como mostra a tabela a seguir. Isso ajuda a compreender o seu peso na economia nacional e a importância dada pelo governo aos acordos automotivos e aos estímulos fiscais recentemente concedidos ao setor.
Distribuição dos trabalhadores do ramo metalúrgico segundo o setor – Brasil, 2010 O auge do movimento sindical (1978-1989)
13. Os anos de auge do movimento sindical (1978-1989) foram marcados por uma instabilidade econômica sem precedentes históricos no país, que valeu a denominação pelos economistas burgueses como “a década perdida”. O período dos governos Figueiredo (79 a 85) e Sarney (85 a 90) foi caracterizado, adicionalmente, por inflação elevada, aumento do déficit público (a chamada crise fiscal), crise da dívida externa (moratória e renegociação da dívida) e baixa liquidez internacional.
14. No plano internacional, a crise do petróleo de 1973 foi o sinal do esgotamento do sistema construído após a Segunda Guerra Mundial, que teve como base a reconstrução da Europa, a política do pleno emprego, o Estado do bem-estar social e a divisão do mundo em dois blocos. Ainda no marco dessa crise, o imperialismo foi derrotado no Vietnã, as guerras anticoloniais tiveram impulso na África Portuguesa e caíram as ditaduras fascistas em Portugal e na Espanha.
15. A reação do capital se deu no final da década, propiciado, porém, pela financeirização do capital no período anterior: a onda neoliberal iniciada na metade dos anos 70 foi ampliada na década seguinte. Os países periféricos foram impelidos pelos países centrais a seguir um receituário de privatizações de empresas públicas, desregulamentação das atividades econômicas, atingimento de metas de superávit primário, estabelecendo juros em patamares altos, de forma a garantir ao capital financeiro o pagamento das dívidas contraídas.
16. A redução do tamanho e do papel do Estado impôs mais sacrifícios à classe trabalhadora. As soluções para a crise em forma de pacotes econômicos (Plano Cruzado, Plano Verão, Plano Bresser) adotados pelos governos do capital miravam em primeiro lugar os assalariados. Os sucessivos confiscos no bolso dos trabalhadores, com forte achatamento do poder aquisitivo em função da hiperinflação, foram a medida em comum desses pacotes.
Greves no Brasil 1978 – 1991
17. Assim, a partir de 1978, quando são registradas 118 greves no país, tivemos um ciclo ascendente de greves que culminou em 1989, com o auge de 3.943 movimentos paredistas (ver gráfico anterior), inclusive quatro greves gerais, mobilizando nacionalmente todas as categorias de trabalhadores.
18. As greves em 1978 no ABC pegaram os empresários, o regime e seu aparelho de repressão de surpresa. Foram desencadeadas por órgão fabris, comitês de greve e comissões operárias, que se encarregavam de levar a luta adiante, em cada empresa. O governo e os patrões estavam desorientados e despreparados para enfrentar a situação. Acabaram concordando em pagar os dias parados e os acordos coletivos foram concluídos sem a intromissão do Ministério do Trabalho. A partir daí, as greves se alastraram pelo país.
19. No ano seguinte, em 1979, a greve dos metalúrgicos de São Bernardo e Diadema durou dois meses. Durante esse período, o Tribunal Regional do Trabalho decidiu declarar a greve ilegal e rejeitar a proposta de criação dos delegados sindicais nas empresas. Foi criado o Fundo de Greve, o Sindicato sofreu intervenção federal e os trabalhadores realizaram um dos maiores atos de 1º de Maio da história, com a participação de mais de 150 mil pessoas no Estádio de Vila Euclides.
20. Em 1980, a greve dos metalúrgicos do ABCD durou 32 dias e dela participaram cerca de 330 mil metalúrgicos. Foi a greve que levou mais longe o enfrentamento com a estrutura sindical: mesmo após a intervenção da ditadura no sindicato e prisão de seu presidente, a greve continuou sendo mantida através das comissões de fábricas e da diretoria cassada. Quando as empresas começaram a descontar os dias parados, nasceu então o Fundo de Greve. Mas, quando a greve foi encerrada, o Fundo de Greve refluiu e voltou-se à acomodação com os recursos do imposto sindical. São dessa época a prática da devolução do imposto sindical à base, vinculada à contribuição associativa ao sindicato.
21. A greve dos metalúrgicos da CSN (Volta Redonda) em 1988 foi realizada com a ocupação da empresa. A direção da CSN acionou a Justiça para obter a reintegração de posse e pediu a intervenção do Exército. Uma violenta repressão foi desencadeada pelo Exército e pela PM, ocasionando a morte de três operários e centenas de feridos. Os trabalhadores conquistam quase todas as suas reivindicações e elegeram posteriormente o presidente do sindicato e líder da greve, Juarez Antunes, para a prefeitura de Volta Redonda. Juarez veio a morrer em controverso acidente de carro, dois meses depois de sua posse.
22. A primeira greve geral ocorreu em julho de 1983 contra o arrocho salarial e mobilizou entre 2 e 3 milhões de trabalhadores. A segunda greve geral, em dezembro de 1986, contra o Plano Cruzado II e o pagamento da dívida externa, contou com a participação de 10 milhões de trabalhadores. Em agosto de 1987, a greve geral protestou contra o Plano Bresser, com um nível de mobilização similar ao do ano anterior. A CGT, liderada pela dupla Magri e Medeiros, apostou na desmobilização e a CUT entrou no jogo das sucessivas marcações e adiamentos da data de greve, o que veio a enfraquecer o movimento.
23. A greve geral de março de 1989, que protestava contra o Plano Verão, foi articulada pela CUT, a CGT e a Corrente Sindical Classista e envolveu cerca de 20 milhões de trabalhadores, superando em muito o número de trabalhadores das greves gerais anteriores. Enquanto as greves gerais até então tinham duração de apenas um dia, a greve de 1989 teve a duração de dois dias. A mobilização dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo de Diadema foi outro fator relevante. A direção do sindicato vinha mobilizando a categoria para a Campanha Salarial e foi surpreendida pelo decreto do Plano Verão, o que “acendeu o pavio” da categoria. A Campanha Salarial se iniciou em janeiro daquele ano, inteiramente colada à mobilização pela greve geral, e culminou em 19 de abril com uma greve dos metalúrgicos que durou 22 dias.
24. Nesse período os sindicatos, mesmo os ditos combativos, continuaram a depender, em grande parte, do imposto sindical, preservaram a mesma base territorial municipal prevista em lei e a submissão às Comissões de Enquadramento do Ministério do Trabalho da velha CLT. Entretanto, algumas entidades passaram a devolver o imposto sindical e a realizar unificações à margem dos parâmetros da CLT, como nos caso do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, dos petroquímicos e químicos da Bahia, dos químicos e trabalhadores da indústria de plásticos de São Paulo. A própria formação da CUT e de outras centrais representou uma ruptura parcial com a velha legislação sindical. Mas, no que concerne à organização pela base nos locais de trabalho, os padrões alcançados estiveram muito distantes dos praticados por um sindicalismo livre.
25. A Constituição de 1988, sob a pressão dos sindicatos, eliminou algumas amarras ao movimento, como a intervenção estatal, mas manteve a necessidade de registro, a unicidade e a base territorial municipal mínima, bem como o imposto sindical, sólidos pilares do velho atrelamento. O movimento sindical combativo não teve força suficiente para alterar as condições básicas do atrelamento sindical na Constituição de 1988 e a contribuição confederativa, por ela introduzida em caráter suplementar ao imposto sindical, reeditou, mais uma vez, a dependência financeira dos sindicatos a recursos arrecadados compulsoriamente, o que permite a sobrevivência de entidades sem representatividade.
26. Ao longo dos primeiros anos após a sua fundação, ocorrida em agosto de 1983, a Central Única dos Trabalhadores passou por uma luta por sua hegemonia política. No II CONCUT, em agosto de 1986, as tendências sindicais ficaram claramente demarcadas. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, o Sindicato dos Bancários de São Paulo e os Petroleiros de Campinas apoiam a corrente majoritária, que viria a ser conhecida como “Articulação Sindical”. De outro lado, ativistas ligados às tendências classistas, composta por uma variada gama da esquerda: trotskistas, setores da igreja e o Movimento de Oposição Metalúrgica de São Paulo – MOMSP. Este último iria se configurar na maior tendência cutista de oposição, a chamada CUT pela Base, hoje, Alternativa Sindical Socialista.
27. Em 1987, a CUT (grupo de São Bernardo do Campo) lançou chapa própria para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo (Chapa 2), em oposição à Chapa 3 do MOMSP. O processo implicava o apoio mútuo no segundo escrutínio para a chapa com maior número de votos. A direção do MOMSP seguiu o acordo, retirando a Chapa 3 do pleito, mas a maioria das bases não seguiu a sua direção. O resultado foi uma pequena transferência de votos, o que serviu de pretexto para culpar o MOMSP como responsável pela vitória de Medeiros. O “sindicalismo de resultados” se fortaleceu enquanto corrente ideológica de direita, abrindo caminho para a fundação da Força Sindical em 1990. Enfraquecido em decorrência de demissões e afastamento de seus principais dirigentes das grandes fábricas e com uma posição ambígua em relação à CUT, o MOMSP entrou numa crise fatal.
28. A partir do III CONCUT, em setembro de 1988, a Articulação Sindical promoveu alterações no estatuto da CUT que restringiram a participação das oposições sindicais, atingindo as correntes minoritárias que atuavam na Central. Este momento também marca o início do fim do sindicalismo classista na CUT pela Articulação. Entretanto, como as suas bases iam além das fronteiras do MOMSP, o sindicalismo classista sobreviveu ao processo de burocratização dentro da CUT, até a criação da Intersindical, em 2006.
Os anos de reação (1990-2002)
29. O período que se estende de 1990 a 2002 (governos Collor, Itamar e Fernando Henrique) é marcado pela implantação de reformas econômicas neoliberais, como a abertura do comércio externo, as privatizações e a diminuição do papel do Estado. Nesse período, foi alcançada a estabilização monetária com o Plano Real, de 1994, que atrelou a nova moeda nacional ao dólar e adotou uma política econômica apoiada nos pilares fundamentais que permanecem até hoje: a chamada “responsabilidade fiscal” (perseguição de superávits primários e limites de endividamento público), o controle da inflação por meio da elevação de juros, a valorização do câmbio e a liberdade para a entrada e saída de capitais externos.
30. Reflexo da conjuntura de reação e das políticas neoliberais, o número de operários da indústria com carteira assinada no Brasil encolheu significativamente no período, passando de 6,6 milhões em 1989 para 4,8 milhões em 1998. Além disso, ocorrem importantes mudanças organizacionais e tecnológicas, com a prática de um “toyotismo sistêmico” nas grandes empresas, caracterizado pela tentativa de mobilizar as capacidades subjetivas da força de trabalho com os Programas de Qualidade Total e pelo enfraquecimento da organização operária, com a terceirização e a descentralização produtiva.
31. Nesse período, ao contrário do anterior, a burguesia brasileira, sob a orientação do capital internacional, unificou-se gradativamente em torno do projeto neoliberal, que foi iniciado por Collor em 1990, prosseguiu com um discurso menos radical com Itamar Franco e, finalmente, foi levado à prática com todas as suas consequências por Fernando Henrique Cardoso. Somaram-se ao esgotamento do movimento de massas pós-1978, a derrota eleitoral de Lula no segundo turno em 1989, o fim do bloco socialista em torno da URSS em 1991 e o desemprego dos anos 90. Nessa conjuntura, os trabalhadores foram obrigados a entrar em defensiva.
32. Como é possível observar no Gráfico a seguir, o período que vai de 1990 a 2002 se caracteriza por um decréscimo do número de movimentos grevistas, depois do auge observado em 1989, quando ocorreram 1962 greves. O governo Collor, com a sua truculência nas privatizações e no desmonte da máquina do estado, teve sucesso em diminuir o número de greves para apenas 556, em 1992.
Total Anual de Greves no Brasil 1983 a 2012
33. O reflexo da conjuntura adversa refletiu-se também sobre a organização sindical. Desde os anos 80, já existia no movimento sindical a divisão entre um sindicalismo de colaboração de classes, representado pelo velho peleguismo ou pelo chamado“sindicalismo de resultados”, e o sindicalismo classista praticado pela CUT. A nova conjuntura contribuiu para o fortalecimento do “sindicalismo de resultados”, com a formação da Força Sindical, fruto de uma articulação entre o governo neoliberal de Collor, a FIESP e pelegos sindicais de origens diversas (inclusive do PCB, como Medeiros). A Força Sindical surgiu em março de 1991, no primeiro aniversário do governo, defendendo o capitalismo “neoliberal” e as privatizações.
34. A própria CUT não ficou imune a uma disputa entre uma corrente classista e uma socialdemocrática, a “Articulação Sindical”. Exemplo disso foi a Plenária Nacional da CUT de 1990, em Belo Horizonte, que significou a virada do sindicalismo de confrontação para o sindicalismo “propositivo”, com a aprovação da luta pelo contrato coletivo de trabalho, em detrimento das garantias proporcionadas pelo direito do trabalho, e a constituição de Câmaras Setoriais.
35. No IV CONCUT, em setembro de 1991, a minoria ainda tinha embates com as forças majoritárias, mas a CUT se institucionaliza e se burocratiza: 83% dos congressistas eram formados por dirigentes sindicais. O ponto crítico se dá no V CONCUT, em maio de 1994, com a diretriz da “Central Cidadã”, que implementava atividades de formação profissional, intermediação de emprego, cooperativismo e acesso ao crédito com recursos públicos. O Plano Nacional de Qualificação Profissional com recursos do FAT, criado em 1995, rendeu aportes milionários para a CUT, muito superiores às contribuições sindicais: 2 milhões de dólares em 1998; 12 milhões em 1999; 20 milhões em 2000, o que contribuiu para fragilizar a autonomia da Central frente ao Estado.
36. Além dos recursos estatais para a profissionalização e a participação dos sindicatos na organização de programas de crédito consignado em folha, outro elemento de cooptação dos dirigentes sindicais foi a participação em conselhos de cogestão nas áreas de saúde, educação, etc., cujo número, em 1991, já alcançava 30.000.
37. Em março de 1992, foi assinado o primeiro acordo setorial entre os sindicatos de metalúrgicos do ABC e de Betim (todos da CUT), o governo e as montadoras de automóveis. Em julho de 1992, a Plenária da CUT em São Paulo decidiu pela filiação da CUT à Confederação Internacional de Organizações Sindicais Livres (CIOSL), a participação nas Câmaras Setoriais e a substituição dos Departamentos da CUT por federações ou confederações por ramos de atividades, em mais uma etapa na direção de sua institucionalização, perda de autonomia e reforço da ideologia de submissão ao mercado.
38. O impeachment e a ascensão do governo de Itamar Franco configurou uma espécie de interregno político, permitindo uma relativa retomada das lutas até atingir um nível em torno de 1100 greves por ano, que foi mantido também nos dois primeiros anos do governo de Fernando Henrique. Coube a este, entretanto, utilizar todos os instrumentos da conjuntura adversa para dirigir uma ofensiva contra o movimento dos trabalhadores e infringir-lhe uma derrota, cujo marco foi a greve dos petroleiros de 1995.
39. Os petroleiros já haviam realizado uma greve em setembro de 1994, encerrada com um acordo com o governo, posteriormente cancelado, em consequência de uma campanha da mídia burguesa, que defendia a ortodoxia do Plano Real. Como reação, os petroleiros retomaram a greve em duas refinarias, terminada após a assinatura de um protocolo com a empresa, cujos termos também não foram cumpridos. Assim que assumiu o governo, FHC encaminhou ao Congresso um projeto de emenda constitucional para acabar com o monopólio da Petrobrás, o que, aliado às promessas não cumpridas, motivou a adesão dos petroleiros à greve unificada do setor público, iniciada em maio de 1995. Mais de 90% dos petroleiros pararam refinarias, plataformas, terminais e setores administrativos da Petrobrás por 32 dias.
40. A burguesia usou todos os meios a sua disposição para infringir uma derrota ao movimento operário, que pudesse servir de exemplo para todas as demais categorias, nos moldes utilizados por Margareth Thatcher contra os mineiros de carvão, na Inglaterra. Todas as armas foram utilizadas: a repressão administrativa da Petrobrás, a intervenção do Exército, as multas da Justiça do Trabalho sobre os sindicatos, o desabastecimento do gás de cozinha, provocado pelas próprias empresas privadas de distribuição, e a campanha negativa da grande mídia. O objetivo dessa união de esforços era o mesmo: ganhar uma batalha decisiva, que determinaria as relações entre capital e trabalho no país.
41. Resultado geral da greve: R$ 2,1 milhões de multas para cada um dos sindicatos de petroleiros, cujas contas foram bloqueadas, tendo sido penhorados seus bens e retidas as contribuições de seus associados; 73 demitidos e mais de mil trabalhadores punidos com suspensões de até 29 dias.
42. Para coroar o seu governo e consignar na legislação a vitória política alcançada diante de um movimento operário enfraquecido, FHC conseguiu reformar as leis previdenciárias em detrimento do trabalhador, como foi o caso da introdução do “fator previdenciário”, e encaminhou ao Congresso, no final de seu segundo mandato, um projeto de lei que tinha como objetivo dar prevalência aos acordos coletivos em relação à CLT. Esse projeto foi abortado com a mudança de governo em 2003.
Os governos do PT (de 2003 em diante)
43. O governo Lula caracterizou-se pela continuidade da política econômica do período precedente (metas de inflação, câmbio flutuante, superávit primário, juros altos), embora tenha contado com forte influência de fatores externos positivos, que propiciaram uma retomada do crescimento, a recuperação do emprego e o pagamento da dívida com o FMI, em 2005.
44. O primeiro desses fatores favoráveis diz respeito à valorização dos termos de intercâmbio (de 35% entre 2004 e 2010), ou seja, valorização relativa dos produtos de exportação brasileiros (minério de ferro, soja, etc.), principalmente por causa do crescimento econômico chinês. O segundo desses fatores foi a alta liquidez internacional e a desvalorização do dólar, a partir da crise de 2008, que direcionou para o país um fluxo intenso de capitais estrangeiros. De 2004 a 2010 o real se valorizou em 60% e foi possível acumular expressivas reservas em moeda estrangeira. O crescimento anual médio do PIB atingiu 3,5% no primeiro governo de Lula e 4,6% no segundo.
45. Com Lula, aprofundou-se o compromisso de repassar ao capital financeiro percentual enorme da renda nacional sob a forma de pagamentos de juros da dívida pública: 8,2% do PIB, na média dos quatro anos, participação superior, inclusive, à do governo FHC.
46. Financiado eleitoralmente por banqueiros e empreiteiros, o governo do PT age em prol da unidade política das classes dominantes, arbitrando as contradições entre os diversos setores e neutralizando as divergências políticas no interior da classe trabalhadora, pela prática da cooptação de lideranças. O governo Lula não foi um governo exercido unicamente por partidos da burguesia, mas desempenhou o papel de um governo para a burguesia, sob a hegemonia do capital financeiro.
47. Para representar esse papel, em junho de 2003 foi lançada a Carta ao Povo Brasileiro pela coligação entre o PT e o então inexpressivo Partido Liberal, simbolizando o compromisso entre os trabalhadores e o empresariado nacional. Nos termos da Carta, propõe-se a retomada do crescimento econômico baseado no respeito aos contratos e obrigações do país, com o que se afirma o compromisso geral com a manutenção da propriedade privada, a necessidade de preservar o superávit fiscal primário e de conquistar a confiança dos investidores e credores estrangeiros na capacidade de o governo honrar os seus compromissos financeiros. Atribui-se às empresas exportadoras a virtualidade de criar as condições para reduzir a taxa de juros e recuperar a capacidade de investimento público para alavancar o crescimento econômico.
48. Do ponto de vista parlamentar, o governo Lula experimentou a dificuldade de contar com apoio parlamentar estável. O resultado foi a retomada, pelo governo, do caminho tradicional da política de negociação a cada votação de seu interesse, empenhando verbas para emendas parlamentares. O recurso desta lógica clientelista apareceu com nitidez na segunda votação do salário mínimo na Câmara dos Deputados, quando foi necessária a liberação de R$ 300 milhões em emendas de parlamentares, para a aprovação de um salário mínimo de R$ 260,00.
49. Buscando superar esta limitação inicial, o governo Lula passou por duas experiências sucessivas: a primeira consistiu em tentar governar diretamente com as bases dos partidos coligados e passar por cima das máquinas partidárias. Implicou na corrupção parlamentar pelo chamado “mensalão”, que quase inviabilizou politicamente o governo Lula. A segunda conduziu à coligação com a principal máquina partidária, o PMDB, que se torna, a partir de 2006, o fiel da legitimidade governamental frente à burguesia.
50. Para isso, foi necessário extirpar a oposição interna no PT e cooptar os movimentos e as organizações dos trabalhadores. A expulsão de Heloísa Helena estabeleceu o limite da oposição interna dentro do PT e sua transformação no partido do governo. O abandono do caminho da luta de massas e das greves, pela negociação com os patrões e o governo, foi imediatamente assumido na CUT e depois, progressivamente, em movimentos sociais. O apoio à Reforma da Previdência, que suprimiu a aposentadoria integral dos servidores públicos e criou um fundo de aposentadoria complementar, no início de 2003, marcou o prematuro enquadramento da Central Sindical.
51. Assunto menos comentado é o da mudança na Lei das Falências, sancionada em fevereiro de 2005, com o nome de Lei de Recuperação de Empresas. Pela legislação antiga, os créditos trabalhistas tinham prioridade absoluta; com a nova lei se restringem a 150 salários mínimos e os créditos trabalhistas restantes “vão para o fim da fila”.
52. A cooptação da CUT, e mais tarde das demais centrais sindicais, acabou por integrar a cúpula sindical ao sistema de governo por meio de sua representação nos fundos de pensão das empresas estatais (PETROS, PREVI, etc.), nos fundos públicos (Fundo de Assistência ao Trabalhador, Fundo de Garantia por Tempo de Serviços), nos serviços sociais como o SESI e nas pastas ministeriais da área social.
53. A CUT transformou-se no braço sindical do governo e assumiu o papel de principal instrumento da colaboração de classes entre trabalho e capital, adotando a estratégia de defesa do emprego e do “desenvolvimento econômico”, de forma a garantir trabalho e renda e viabilizar a paz social.
54. Entre as medidas destinadas a criar as bases de sustentação do governo entre os trabalhadores estão aquelas destinadas a possibilitar o acesso ao microcrédito para a aquisição de bens de consumo duráveis, o subsídio à compra da casa própria, a redução do pagamento do Imposto de Renda para as faixas mais baixas e a isenção de cobrança de tributos federais sobre alimentos da cesta básica. Boa parte destas medidas fazia parte de reivindicações apresentadas pelo movimento sindical, nas quais se constata a convergência entre CUT e a Força Sindical em torno do “sindicalismo de resultados”.
55. As centrais iniciaram, em 2004, uma campanha pela valorização do salário mínimo, com o uso dos métodos da “concertação social”, isto é, de pressão de caravanas sindicais junto ao governo e ao Congresso Nacional. Obtiveram relativo êxito, pois entre 2005 e 2006 o salário mínimo teve o maior índice de aumento real, com variação de 21,27%. Conseguiram também a política de reajuste pelo INPC e aumento real equivalente à variação do PIB a cada dois anos.
56. Em 2008 as centrais obtiveram o reconhecimento formal do governo. O reconhecimento implicou em critérios de representatividade e abriu caminho para o recebimento de 10% do imposto sindical (eufemisticamente denominada contribuição sindical, para ocultar seu caráter compulsório).
57. O descontentamento das bases da CUT com a política de colaboração de classes e a cooptação governamental assumiu dimensão de ruptura por ocasião da Reforma Sindical e Trabalhista proposta em maio de 2006 pelo governo Lula com apoio ostensivo daquela central. Mantendo as limitações do atrelamento dos sindicatos ao Estado (base territorial municipal, sindicato único por categoria, enquadramento sindical) e propondo a extinção gradual do imposto sindical, a proposta tinha por objetivo flexibilizar a CLT para estabelecer contratos coletivos de trabalho “em todos os níveis e âmbitos de representação”. Atribuía a um Conselho Nacional de Relações de Trabalho, composto paritariamente por representantes de governo, trabalhadores e empregados, a atribuição de implementar a reforma.
58. Apesar das divergências entre o patronato e as centrais, e destas entre si, a reforma não avançou porque, no segundo governo, Lula e o grupo dirigente do PT viram-se, em decorrência da crise do “mensalão”, constrangidos a ampliar a base de alianças partidárias. A pasta do Trabalho foi entregue ao PDT e, portanto, à influência direta da Força Sindical.
59. A ruptura com a linha dominante no movimento sindical, com a CUT na liderança, começou a tomar forma com a Reforma da Previdência, acarretando a desfiliação do ANDES e, a partir de 2004, com a organização de outros sindicalistas dissidentes na Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas). No decorrer da tentativa de Reforma Sindical e Trabalhista do governo Lula em 2006, a Coordenação se pôs à margem da CUT e em 2010 transformou-se em CSP Conlutas – Central Sindical e Popular.
60. O Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas, em 2006, juntamente com dezenas de outros Sindicatos, Oposições e Coletivos de diversas categorias iniciariam a construção da INTERSINDICAL – INSTRUMENTO DE LUTA E ORGANIZAÇÃO DA CLASSE TRABALHADORA. A Intersindical surgiu da corrente denominada CUT pela base, cujas raízes remontam às oposições sindicais da década de 1980. Sua ênfase na luta de classe entre trabalho e capital no âmbito sindical conduziu à afirmação da necessidade da organização de base para a conquista da liberdade sindical e à crítica da política de colaboração de classes seguida pela CUT. O núcleo desse movimento, autodenominado Alternativa Sindical Socialista, resolveu disputar a base social da central. Conquistou várias diretorias de sindicatos até que, por ocasião da proposta de Reforma Sindical, entendeu ser necessário romper com a central.
61. O governo Dilma não se difere muito do de seu antecessor, mas vem sofrendo os efeitos da crise econômica na Europa, que repercutiu em todo o mundo, provocando a diminuição do crescimento econômico chinês e interrompendo o ciclo de crescimento brasileiro pós 2003, baseado na valorização das commodities exportadas pelo país.
Brasil: variação histórica do PIB
62. A resposta governamental à desaceleração do crescimento da economia capitalista no Brasil em 2011 foi a de “reduzir o custo Brasil”, com a suspensão de impostos sobre produtos industrializados e desonerações sobre a folha de pagamentos das empresas, com a redução do valor da contribuição previdenciária. Apesar dessas medidas, a taxa de crescimento continuou baixa.
63. No contexto dominado pela revisão dos direitos e legislação social, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC protagonizou, em fins de 2011, em nome da “modernização das relações de trabalho”, uma tentativa de retomada da Reforma Sindical e Trabalhista. Propôs o Acordo Coletivo Especial para legitimar as transformações na legislação trabalhista, a exemplo do Banco de Horas, impostas por convenções coletivas, e a criação de Conselhos Sindicais de Empresas como fiadoras dos acordos no âmbito das empresas. Os CSE absorveram as antigas comissões de fábrica, organizações autônomas surgidas nas greves e sustentadas na mobilização de massa, assemelhando-se às delegações sindicais características do sindicalismo anterior ao golpe militar de 1964.
64. Mas o ano de 2011 também foi marcado pela retomada das greves. A posição governamental foi a de confronto, como no caso dos professores universitários, na qual o governo federal desconheceu a representação sindical nacional (ANDES) e definiu arbitrariamente um sindicato pelego (Proinfes) para impor sua própria pauta; e também no caso dos operários da construção civil de Jirau e Santo Antonio, em Rondônia que, por ameaçar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), levou ao envio de tropas federais e à exigência de entendimentos entre a CUT e a Força Sindical para o estabelecimento da organização sindical capaz de transformar a revolta em movimentos grevistas.
65. Na mobilização dos operários da construção civil de Jirau merece destaque a reivindicação da PLR. Esta passou a assumir o importante papel de aumentar a renda dos trabalhadores frente aos baixos percentuais de aumento real e pisos salariais igualmente baixos observados nos resultados das campanhas salariais e greves. A contrapartida tem sido a intensificação da exploração da força de trabalho pelo capital, na medida em que a PLR está condicionada ao aumento e exigências de qualidade da produção. Um questionamento a estas exigências aconteceu na greve dos operários da Volkswagen em São José dos Pinhais, que durou 37 dias em maio de 2011.
66. Em 2012 as relações entre trabalho e capital foram marcadas por conflitos. O balanço realizado pelo DIEESE aponta, na série histórica já apresentada anteriormente, uma retomada das greves, a partir de 2008, registrando que o total das greves registradas no ano de 2012 foi o maior verificado desde 1997.
67. O balanço de 2012 mostra que o número de greves foi maior no setor privado do que no público, embora o total das horas paradas tenha sido maior neste último. A indústria registrou o maior número de greves e de horas paradas. A luta por reajustes e aumentos salariais predominou, mas a Participação nos Lucros e Resultados (PLR) no setor privado assumiu maior importância do que os reajustes salariais.
68. A situação geral de baixo crescimento e retomada da inflação, com elevado nível de desemprego entre os jovens mais pobres, conduziu aos protestos populares de junho de 2013 e, pouco depois, à manifestação dos trabalhadores das cidades e do campo em torno do Dia Nacional de Luta (DNL).
69. Vale destacar o comportamento divergente entre as centrais sindicais – posicionando-se favoravelmente aos protestos populares contra os aumentos das tarifas de transportes coletivos apenas depois do pronunciamento presidencial convocando a negociação com os movimentos sociais – e a Intersindical, posicionada ao lado desses movimentos na luta pelos direitos sociais ao transporte, educação e saúde.
70. O DNL de 11 de julho de 2013 paralisou cidades, rodovias, fábricas e outras empresas em todo o país. Contudo, também aí se expressou a diferença entre os métodos de luta encaminhados pelas centrais sindicais e a Intersindical. Enquanto nos sindicatos de base da Intersindical o DNL foi marcado pela paralisação da produção pelos operários, naquelas das centrais a paralisação resultou de acordo entre o sindicato e os patrões, como no caso das montadoras do ABC e do Complexo Industrial-Portuário do SUAPE, em Recife.
Considerações finais
71. Os anos de reação e defensiva da classe operária nos governos Collor, Itamar e FHC deram ensejo ao rebaixamento das lutas e à penetração da ideologia reformista no seio do movimento sindical, mesmo onde predominava o “sindicalismo combativo”.
72. Os anos de crescimento econômico e recuperação dos salários, sob a égide dos governos do PT, não contribuíram para o combate a essa tendência. Pelo contrário, a política de conciliação de classes por ele promovida, apenas consolidou a tendência reformista que tomou conta da ala mais combativa do movimento dos trabalhadores, nos anos 1990. A maioria dos sindicatos deixou de ser um instrumento de mobilização das classes trabalhadoras, para funcionar como meio de refrear a luta contra a exploração capitalista.
73. Em decorrência, ao assumir o governo federal a partir de 2002, o PT não foi capaz de utilizar a participação política como uma forma de avançar na organização independente da classe operária e das classes trabalhadoras. Tratou-se, como vimos, de uma escolha consciente, expressa na Carta aos Brasileiros.
74. Sabemos que assumir o poder executivo no Estado burguês como consequência de um processo eleitoral é um problema para as forças de esquerda. Em outros termos, a possibilidade de alcançar a maioria do ponto de vista eleitoral e de compor o governo nos limites da legalidade burguesa somente pode ser admitida se for para avançar a luta de classes e preparar a conquista do poder. Este é o sentido da palavra de ordem de um governo revolucionário de transição para o socialismo, diametralmente oposto a de um governo de colaboração de classes, “socialdemocrata”, “democrático-popular” ou qualquer denominação semelhante.
75. Os riscos de um governo de colaboração de classes para os trabalhadores ficam mais evidentes em situações de crise quando a exigência de “governabilidade” exige concessões cada vez mais à direita, inclusive o desencadeamento da repressão contra greves e manifestações de massa, como assistimos recentemente, a partir de junho de 2013.
76. O contraponto a esta tendência hegemônica no movimento sindical e para o necessário enfrentamento dos interesses da burguesia tem sido representado pela Intersindical, que resulta de uma cisão e disputa nas bases da CUT, uma experiência ainda recente que avança em termos de organização independente dos trabalhadores, mas precisa ampliar-se para os setores estratégicos do operariado, o que exige, por sua vez, a educação política dos ativistas nela envolvidos.
77. A taxa de exploração da força de trabalho no Brasil tem aumentado sistematicamente nas três últimas décadas, principalmente a partir de meados de 1990, quando as empresas passaram a terceirizar as suas atividades e, ao mesmo tempo, intensificaram a produção por meio da chamada Participação nos Lucros e Resultados (PLR). Combinam-se, portanto, as formas de exploração absoluta e relativa da mais-valia, resultando em taxas de lucro elevadíssimas que permitem às empresas capitalistas instaladas no Brasil enfrentar a competição por redução de custos sem grandes investimentos em novas tecnologias.
78. O enfrentamento deste nível de exploração da força de trabalho dentro dos limites do capitalismo ultrapassa as possibilidades de uma luta puramente sindical, exigindo, por exemplo, uma luta articulada para regulamentar a demissão sem justa causa. Mas é certo que esta luta encontra um obstáculo na estrutura sindical atrelada ao Estado, uma vez que o enquadramento sindical e a base territorial municipal impostos pela Consolidação das Leis do Trabalho dificultam a passagem da luta econômica à luta política. Lutar contra a exploração do capital e conquistar o sindicato livre são, portanto, dois lados inseparáveis de um processo de organização independente da classe trabalhadora.
79. O maior impulso para o processo de organização independentemente dos trabalhadores brasileiros ocorreu no auge dos movimentos da década de 80 e resultou na fundação do PT e da CUT. Esse processo sofreu profundos reveses nos anos que se seguiram, mas, apesar disso, deixou marcas indeléveis no movimento sindical brasileiro.
80. Hoje, existem parcelas significativas de trabalhadores que não abrem mão de sua independência de classe e que, no dia a dia da vida sindical, praticam formas de luta e de organização que contribuem para quebrar o atrelamento sindical e retomar o processo de organização independente. Entre essas práticas de organização, destacam-se:
1. A devolução do imposto sindical aos trabalhadores, associada ao estímulo a sua sindicalização voluntária;
2. A direção colegiada nos sindicatos, com a prática de rodízio nos cargos de direção;
3. A criação de fundos de greve;
4. A organização pela base em grupos e comissões de fábrica;
5. A construção de organismos intersindicais independentes que possam, no futuro, vir a formar uma Central Sindical baseada em novos princípios, desatrelada do Estado e livre da dependência econômica do imposto sindical.
CVM, novembro de 2013
Leia e divulgue este texto em pdf: