A perspectiva de classe nas eleições de 2014
texto do CVM para o debate: Esquerdas e Eleições 2014 – blog Marxismo21
1. O projeto hegemonizado pelo Partido dos Trabalhadores teria se esgotado?
A resposta à questão proposta supõe uma breve análise do papel desempenhado pelo Partido dos Trabalhadores na sustentação dos governos de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2006; 2007-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014).
Quando se faz menção ao “projeto hegemonizado pelo Partido dos Trabalhadores” deve-se ter em mente a participação direta deste partido na administração do Estado burguês no Brasil em nível nacional desde 2002. A principal referência para situar esse projeto nos termos do próprio PT é a Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, uma vulgarização do Programa eleitoral do partido intitulado “Um Brasil para todos: crescimento, emprego e inclusão social”.
Esse programa foi sendo gestado ao longo dos anos 1980, de modo contraditório e na maior parte das vezes pragmaticamente, com o abandono do caráter classista original do partido (PT, um partido sem patrões, organizado por núcleos nas diversas categorias de trabalhadores) e a adoção da prática eleitoralista, já visível nas eleições municipais de 1988 quando o PT conquistou prefeituras de várias cidades importantes do país, dentre as quais São Paulo, com a orientação de exercer “um governo para todos” e não um governo voltado para organizar os trabalhadores. Por outro lado, o questionamento da Constituinte congressual de Sarney, a recusa de assinar a Carta de 1988 e a campanha de 1989 da Frente Brasil Popular liderada pelo PT foram expressões da última ondulação do movimento operário “classista”. (Uma análise das possibilidades e limites desse partido encontra-se em “O PT e o partido revolucionário”, de Érico Sachs, disponível em no portal do Centro Victor Meyer).
O delineamento programático de compromisso com a ordem burguesa ficou mais claramente demarcado a partir do 1º. Congresso Nacional do PT, realizado em dezembro de 1991, tendo como alguns dos marcos relevantes a proibição de tendências organizadas dentro do partido (resultando na expulsão da Convergência Socialista), a dissolução da Fundação Wilson Pinheiro (substituída pela Fundação Perseu Abramo, organizada nos termos da legislação burguesa e financiada pelo fundo partidário) e o pouco conhecido Seminário Custo Brasil, realizado em 1996, no qual PT e CUT delinearam, ao lado de ideólogos da burguesia, como Delfim Netto, o ideário “neodesenvolvimentista” com que se propuseram a chegar ao poder. O Seminário, organizado por Lula, resultou na publicação “Custo Brasil: mitos e realidade” (Mantega e Vanucchi, 1997).
Trata-se, portanto, de um projeto construído e desenvolvido na dinâmica de integração à sociedade burguesa pelo caminho das negociações sindicais com o patronato e com os governos burgueses (Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso) e das eleições em todos os níveis de organização do Estado (executivo e legislativo).
Financiado eleitoralmente por banqueiros e empreiteiros, o governo do PT age, desde 2003, em prol da unidade política das classes dominantes, arbitrando as contradições entre os diversos setores e neutralizando as divergências políticas no interior da classe trabalhadora, pela prática de cooptação das lideranças. Os governos de Lula e o de Dilma foram governos exercidos pelo PT em coligação com o PMDB, partido da direita fisiológica e “centrista” da burguesia. Esses governos assumiram características de governos burgueses reformistas, embora o PT não seja um partido burguês. Como assinalamos, o PT é um instrumento político-eleitoral, com base sindical na CUT, de sustentação do Estado burguês no Brasil mediante a ideologia pequeno-burguesa de conciliação de classes entre o proletariado e a burguesia.
O desempenho efetivo deste papel foi possibilitado pela integração entre os dirigentes da corrente majoritária do PT e a Central Única dos Trabalhadores, processo que, após a conquista do governo em 2003, consolidou-se por meio da cooptação dos dirigentes sindicais para ocupar cargos na estrutura estatal (Ministério do Trabalho), para-estatal (conselhos de políticas sociais como o CODEFAT, direção de organizações como SESI e SEBRAE, etc.) e nos fundos de pensão das empresas estatais (Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Eletrobrás, Petrobrás, etc.).
A política de colaboração de classes teve, contudo, bases objetivas. A partir de 2005, houve uma retomada do crescimento da economia no país, com a recuperação do nível de emprego, base para os aumentos reais de salários, apesar de estarem até hoje em patamar abaixo do salário mínimo necessário apontado pelo DIEESE em sua série estatística. O crescimento foi propiciado pela conjuntura externa favorável, principalmente das compras de minério de ferro, soja e outros produtos primários (“commodities”) feitas pela China e pela alta liquidez internacional e a desvalorização do dólar, a partir da crise de 2008, que direcionou para o país um fluxo intenso de capitais estrangeiros. De 2004 a 2010 o real se valorizou em 60% e foi possível acumular expressivas reservas em moeda estrangeira viabilizando o crescimento das importações .
As elevadas taxas de emprego e os pequenos aumentos do salário real dos trabalhadores, sobretudo na indústria, até 2012, favoreceram o bloqueio ao desenvolvimento de lutas econômicas mais amplas e, obviamente, a possibilidade de sua unificação em termos políticos. A partir de 2013 aumentaram os sinais internos e externos de que a economia não manteria o mesmo nível de crescimento: no nível doméstico, baixo crescimento do PIB e aumento do índice inflacionário; no internacional, diminuição do crescimento chinês e permanência da estagnação econômica na União Européia.
As mesmas medidas utilizadas para retomar o crescimento – suspensão de impostos e desoneração da folha de pagamento das empresas – que, aliás, tiveram sua primeira formulação na proposta de concertação social de 1992, foram utilizadas pelo governo Dilma Rousseff para tentar superar a conjuntura econômica adversa, mas com pouco resultado até o momento.
A pergunta a respeito do esgotamento ou não do projeto hegemonizado pelo PT pode então ser agora respondida. Entendemos que está em curso um processo de esgotamento relativo da política de colaboração de classes, tal como a caracterizamos acima. Relativo a quê?
De um lado, o esgotamento pode ser percebido como o questionamento da colaboração de classes feito a partir das camadas mais avançadas da classe operária e das classes trabalhadoras urbanas. O que se esgota, nesses núcleos, é a ilusão de chegar ao governo para conseguir conquistas reais mediante a colaboração com a classe capitalista. A expressão mais evidente desse esgotamento são as greves ocorridas desde 2006, acompanhadas pela desagregação de algumas bases da CUT, resultando na criação da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) e da Intersindical – Instrumento de Luta e de Organização da Classe Trabalhadora.
Esse questionamento também se dá de maneira difusa nas manifestações que tomaram as ruas das grandes cidades a partir de junho de 2013. É importante observar suas raízes objetivas no baixo crescimento econômico, no recrudescimento da inflação e no alto nível de desemprego entre os jovens, principalmente das classes trabalhadoras. Do ponto de vista político, o descontentamento se expressa na crítica à participação sob a forma da representação eleitoral; não por acaso se constata um pequeno alistamento eleitoral facultativo dos jovens entre 16 e 18 anos no processo eleitoral deste ano.
A posição inicial do PT foi a de se contrapor às manifestações populares, taxando-as de “fascistas”; mas com a ampliação do número de participantes passando da casa dos milhares para os milhões e com a queda de popularidade do governo Dilma, passou a de distinguir as manifestações “ordeiras” do “vandalismo”, na mesma postura da mídia burguesa, sem questionar a brutal repressão desencadeada pelos governos estaduais e a própria infiltração de agentes policiais nos protestos.
Ao descenso político das manifestações seguiu-se o recrudescimento da repressão sob iniciativa do próprio governo Dilma. Promulgou uma legislação repressiva (Lei das organizações criminosas, Garantia da Lei e da Ordem) e articulou a ação do poder judiciário e dos órgãos de repressão nos estados para apresentar-se como fiel garantidor da “ordem e da paz social”, a exemplo do que ocorreu durante a Copa do Mundo em julho deste ano. Em contrapartida, desloca-se cada vez mais para a direita, tendo em vista conquistar a maioria dos votos nas eleições de 2014.
A repressão é, portanto, outro sinal de que a política de colaboração de classes encontra seus limites.
Mas o esgotamento também pode ser identificado do lado da burguesia e da pequena-burguesia, principalmente a partir das manifestações populares em 2013, o que permitiu o crescimento da intenção de voto em candidaturas da oposição burguesa como a de Aécio Neves, com amplo respaldo na mídia burguesa.
Contudo, importa ressaltar que, apesar do desgaste da CUT e do PT, estes não se defrontam com uma alternativa capaz de questionar e superar a sua influência. Tanto Conlutas como Intersindical constituem ainda organizações minoritárias incapazes de polarizar os descontentamentos traduzidos nas greves mais recentes, a exemplo dos garis, professores, rodoviários e metroviários. Ademais nenhum dos partidos de esquerda (PSTU, PCB, PCO e PSOL) constitui o resultado de um movimento operário independente, ainda que possam atuar futuramente nesse sentido se souberem se enraizar e se colocar na vanguarda das lutas que os operários travarem como classe.
2. Qual deve ser a atuação das esquerdas no processo eleitoral de 2014?
Como afirmamos, não existe organização partidária ou embrião desta capaz de intervir no processo eleitoral em curso como expressão de um movimento operário independente em nossa sociedade. Os operários, do ponto de vista político, não atuam como uma força política independente no cenário nacional; apoiam, em sua maioria, um partido pequeno-burguês (o PT), cuja política de fato subordina os interesses dos trabalhadores aos da burguesia.
Em decorrência, não está ao alcance de nenhuma das organizações de esquerda que assumem a perspectiva da revolução socialista participar da campanha eleitoral de 2014 para arregimentar as forças da classe operária e de seus aliados para se contrapor ao Estado burguês.
Contudo é fundamental contribuir para o aprofundamento da consciência dos núcleos mais combativos e avançados do movimento operário. Isto significa fornecer elementos de crítica à política de colaboração de classes entre capital e trabalho, entre burguesia e proletariado, de combate à ilusão de que os trabalhadores possam chegar ao governo para conseguir conquistas reais e duradouras mediante a colaboração com a classe capitalista. Esta crítica é o ponto de partida para o entendimento da natureza da sociedade burguesa em que vivemos e do papel do Estado em sua manutenção, assim como das forças sindicais e políticas que aí exercem um papel fundamental em sua legitimação ou consentimento de massa. Referimo-nos especialmente à CUT e ao PT, com sua fraseologia calcada nos lemas de “um país para todos”, “inclusão social”, “garantia de emprego e renda”, etc. mediante a qual procuram conciliar – mas na prática subordinar – os interesses dos trabalhadores aos interesses de classe da burguesia.
Muitos operários e trabalhadores percebem que o PT e, muitas vezes, os partidos que se apresentam como sendo de esquerda falam em nome dos trabalhadores com objetivos exclusivamente eleitorais e não vinculam aos seus problemas concretos e às suas lutas. Deve-se partir desse nível de consciência para deixar claro que o eleitoralismo é uma prática política voltada para reforçar a crença de que as mudanças na situação de classe passam pelo voto, ou seja, pela delegação da vontade “dos cidadãos” aos eleitos cuja participação no Estado pretensamente seria capaz de promovê-las. Não podem enfrentar essa situação de classe porque o Estado, seja no nível legislativo (nas câmaras de vereadores, assembleias legislativas e congresso nacional), seja no executivo (municipal, estadual e federal) de exercício do poder, consiste num instrumento de dominação da classe dominante, da burguesia. A forma democrática do Estado burguês, renovada por meio do voto, fortalece a ficção de ser o Estado uma organização acima das classes, um poder “neutro” e capaz de expressar a “vontade do povo” ou da maioria dos “cidadãos”. Mas a democracia burguesa é uma ditadura velada e direta; velada, pois os interesses da burguesia são impostos aos trabalhadores assalariados por meio da Constituição e das leis ordinárias e garantidos pela Justiça; direta, porque quem exerce o poder são os seus representantes, escolhidos por meio do voto popular, inclusive aqueles que pretendem falar em nome dos trabalhadores.
Isso significa que não se trata de participar da vida política nacional e que devemos assumir, como fazem os anarquistas, uma oposição de princípio a esta participação?
Adotar tal posição um erro, uma idealização infantil das possibilidades de emancipação futura dos trabalhadores. Enquanto a imensa maioria estiver submetida à influência da burguesia, isto é, acreditar que possa melhorar a sua sorte como classe por meio das eleições em qualquer nível de governo, os marxistas militantes tem a obrigação de se dirigir a ela a partir desse nível de consciência e desse comprometimento político com vistas a conquistá-la para uma posição independente.
Nosso entendimento acerca da participação no parlamento (congresso nacional e assembleias legislativas estaduais) e da atitude diante do poder executivo do Estado burguês, em qualquer nível de governo (municipal, estadual ou federal) toma como fonte de inspiração e de referência as teses da Internacional Comunista aprovadas nos seus quatro primeiros congressos (1919, 1920, 1921 e 1922) quando ainda tinha vigência uma política e ação revolucionárias. Mesmo considerando que o momento em que vivemos é muito diferente da época revolucionária em que foram escritas as referidas teses, estas continuam sendo uma importante fonte de inspiração e de referência para o exercício de uma política de classe independente dos trabalhadores exercida pelos partidos revolucionários da classe operária de cada país nas campanhas eleitorais, nos parlamentos e nos governos. Não sendo possível desenvolver aqui as posições acerca da tática eleitoral remetemos o leitor interessado em conhecê-la no acesso do portal do CVM [4 primeiros Congressos da IC: vol 1 e vol 2].
No caso do processo eleitoral de 2014, estamos diante de um processo ainda inconcluso de formação independente dos trabalhadores no Brasil, tanto do ponto de vista sindical, quanto político. Aos avanços desse processo nos anos 80, que culminaram com a criação do PT e da CUT, sucederam-se retrocessos decorrentes da ofensiva política e econômica da burguesia nos anos 90, que redundaram na descaracterização do PT enquanto instrumento de luta política independente dos trabalhadores.
A consolidação da hegemonia da pequena-burguesia e da burocracia sindical no PT expressou-se nas mudanças gradativas da chamada “política de alianças”, que redundou na composição da chapa presidencial com um partido burguês (o PL) nas eleições de 2002, nos compromissos assumidos na “Carta aos Brasileiros”, no sentido de preservação de todos os interesses básicos da burguesia, e na atual aliança com o PMDB.
Respondendo, portanto, à pergunta inicial, a participação no processo eleitoral é fortemente limitada pela ausência de um partido independente dos trabalhadores, como foi o PT nos seus primórdios, mesmo com todas as suas limitações. Assim, os pequenos núcleos políticos que defendem uma política independente dos trabalhadores não estão em condições de utilizar a campanha eleitoral na mesma escala que ocorreu, por exemplo, na campanha presidencial de 1989.
Hoje, o caráter limitado de nossas forças permite apenas apoiar um ou outro candidato em nível local, comprometido com o desenvolvimento de uma propaganda socialista e com o apoio às lutas dos trabalhadores, conduzidas de maneira independente. Os principais candidatos aos governos estaduais e federal expressam diferentes variações de alianças entre partidos burgueses e pequeno-burgueses.
Assim, a menos de exceções pontuais que devem ser decididas em nível local, os grupos que defendem a organização independente dos trabalhadores se inclinam, no presente momento, para a propaganda do voto nulo nas eleições de 2014, especialmente nas majoritárias (poder executivo). Votar nulo significa opor-se aos processos, como o exercício do “voto útil”, que dão legitimidade às instituições do Estado burguês vigentes em nossa sociedade.
Do ponto de vista estritamente prático, a defesa do voto nulo deve ser uma atividade de propaganda realizada junto aos núcleos mais avançados do movimento operário.
O voto nulo enquanto manifestação de classe significa, por outro lado, que os trabalhadores precisam assumir a tarefa de se construir um partido político próprio, independente e oposto aos interesses, políticas e instituições da burguesia, tarefa que passa pelo amadurecimento e o salto de qualidade nas suas lutas.
3. Como construir uma política de esquerda enraizada e comprometida com a transformação da sociedade brasileira?
A atuação da esquerda comprometida com a perspectiva da revolução socialista deve estar concentrada na classe operária, pois em nossa opinião continua cabendo a ela o papel hegemônico na condução do conjunto dos trabalhadores rumo a uma sociedade que supere a exploração capitalista, dê fim às crises econômicas, à miséria, ao desemprego e às guerras de intervenção das potências imperialistas e construa a sociedade socialista.
Os trabalhadores só exercerão o seu papel no cenário político nacional quando estiverem organizados independentemente das demais classes sociais, em entidades sindicais e políticas próprias, deixando, assim, de cumprir um papel de meros coadjuvantes na defesa de interesses burgueses, de frações burguesas ou mesmo da pequena-burguesia.
Vale ressaltar que a formação do partido da classe operária jamais é alcançada mediante listas de filiação e registro de estatutos na Justiça Eleitoral. O partido resulta da constituição de lideranças revolucionárias no âmbito da luta de classe, isto é, no contexto de um movimento operário de massa que defenda seus interesses como classe. Tendo em vista um estudo e compreensão aprofundada da questão, sugerimos a leitura do documento “Partido, vanguarda e classe”, disponível em http://www.marxists.org/portugues/sachs/1968/mes/partido.htm.
O maior impulso para o processo de organização independentemente dos trabalhadores brasileiros ocorreu no auge dos movimentos da década de 80 e resultou na fundação do PT e da CUT. Esse processo sofreu profundos reveses nos anos que se seguiram, mas, apesar disso, deixou marcas indeléveis no movimento sindical brasileiro.
Os anos de reação e defensiva da classe operária nos governos Collor, Itamar e FHC deram ensejo ao rebaixamento das lutas e à penetração da ideologia reformista no seio do movimento sindical, mesmo onde predominava o “sindicalismo combativo”.
Os anos de crescimento econômico e recuperação dos salários, sob a égide dos governos do PT, não contribuíram para o combate a essa tendência. Pelo contrário, a política de conciliação de classes por ele promovida, apenas consolidou a tendência reformista que tomou conta da ala mais combativa do movimento dos trabalhadores, nos anos 1990. A maioria dos sindicatos deixou de ser um instrumento de mobilização das classes trabalhadoras, para funcionar como meio de refrear a luta contra a exploração capitalista.
Em decorrência, ao assumir o governo federal a partir de 2002, o PT não foi capaz de utilizar a participação política como uma forma de avançar na organização independente da classe operária e das classes trabalhadoras. Tratou-se, como vimos, de uma escolha consciente, expressa na Carta aos Brasileiros.
O que a esquerda pode fazer?
Há a necessidade imperiosa de conquistar força no terreno sindical, a partir da participação nas lutas econômicas, com maior ênfase quando assumem a forma de greves uma vez que aí se inicia a educação de classe, e disputa das direções sindicais na perspectiva da oposição ao atrelamento dos sindicatos ao estado burguês.
Hoje, existem parcelas significativas de trabalhadores que não abrem mão de sua independência de classe e que, no dia a dia da vida sindical, praticam formas de luta e de organização que contribuem para quebrar o atrelamento sindical e retomar o processo de organização independente. Entre essas práticas de organização, destacam-se:
1. A devolução do imposto sindical aos trabalhadores, associada ao estímulo a sua sindicalização voluntária;
2. A direção colegiada nos sindicatos, com a prática de rodízio nos cargos de direção;
3. A criação de fundos de greve;
4. A organização pela base em grupos e comissões de fábrica;
5. A construção de organismos intersindicais independentes que possam, no futuro, vir a formar uma Central Sindical baseada em novos princípios, desatrelada do Estado e livre da dependência econômica do imposto sindical.
Para aqueles que, ao ler estas palavras, raciocinam como se estivéssemos a propor uma atuação limitada, lembramos que o enraizamento da perspectiva revolucionária no movimento operário precisa corresponder ao nível de consciência e de organização dos setores decisivos desse movimento.
Não estamos aqui a dizer nada de novo. A experiência do enraizamento mais conhecida na esquerda brasileira é a descrita por Lenin em “O que fazer?”, na qual ele apresenta as diferentes fases e os desafios pelos quais a social-democracia russa, como então se chamava, passou. Quando surgiu, no final do século XIX, ela era um movimento de intelectuais. Entre 1881 e 1894, “a social-democracia existiu sem movimento operário”. Não só porque os seus adeptos ainda podiam “ser contados nos dedos”, mas também porque a classe operária ainda não tinha despertado. A segunda fase, de 1894 a 1898, permitiu a vinculação entre intelectuais e operários nos “círculos”, mediante a literatura de denúncias da exploração capitalista e da opressão política e policial do czarismo, coincidindo com as greves. A segunda onda de greves em São Petersburgo já aconteceu com a participação dos círculos que, ao permitir uma atuação contínua e sistemática dentro do movimento operário, abriu caminho para a expansão da propaganda socialista para além da presença física dos círculos. Nesse processo criou-se, num primeiro nível, o enraizamento ou fusão do socialismo com o movimento operário existente, uma vez que a fusão definitiva se daria durante a Revolução de 1905.
Evidentemente as condições ali descritas contêm as particularidades russas da época, mas o caminho para a formação do partido da classe operária, onde quer que sua necessidade se imponha, ainda precisa seguir o mesmo método. Como parte deste caminho, um desafio importante para a esquerda brasileira comprometida com a perspectiva do socialismo consiste em aproveitar a oportunidade aberta por Marxismo XXI e estabelecer um diálogo em torno das questões fundamentais sinalizadas nos documentos sobre as eleições de 2014.
Coletivo Centro de Estudos Victor Meyer
22 de agosto de 2014
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A perspectiva de classe nas eleições de 2014