Fatos & Crítica nº 2: Jogo de soma nula
Os últimos acontecimentos mostram um governo federal desgastado e sem capacidade de reação diante dos péssimos resultados econômicos, de uma campanha sistemática da mídia empresarial e, principalmente, das investigações da Operação Lava-Jato, que incriminam parlamentares da base aliada e do PT e se aproximam perigosamente do financiamento da campanha da própria Dilma.
Apesar de ter implantado o programa econômico do capital financeiro, deixando o câmbio flutuar, aumentando drasticamente os juros, os impostos e os preços administrados, cortando gastos sociais do seguro-desemprego e das pensões dos trabalhadores e prometendo a privatização parcial da Caixa Econômica, o governo não foi capaz de neutralizar a virulenta campanha da mídia empresarial, que alimenta as manifestações pelo impeachment lideradas pelos setores direitistas radicais da pequena-burguesia.
Para agravar o cenário, uma greve nacional dos caminhoneiros – setor historicamente disponível para apoiar golpes e aventuras direitistas na América Latina – ameaçou o abastecimento das grandes cidades e a exportação de cargas agrícolas. Neste caso, a aprovação de uma lei regendo a atividade foi suficiente para abafar o movimento, restrito agora a bolsões que continuam a exigir a diminuição dos preços do diesel, mantidos altos pelo governo para capitalizar a Petrobras.
Completando o inferno astral em que se encontra o Governo Dilma, os presidentes da Câmara e do Senado resolveram praticar a independência política nas respectivas casas, dando vazão à insatisfação reinante entre os parlamentares, como forma de pressionar o governo a controlar ou limitar drasticamente as iniciativas investigativas da Polícia Federal e da Procuradoria Geral da União em relação à Operação Lava-Jato.
Como formas de chantagem política, foi devolvida a Medida Provisória sobre o aumento das contribuições previdenciárias das empresas e há uma ameaça de aprovação da correção de 6,5% sobre as tabelas do Imposto de Renda, bem como de aumento da idade de aposentadoria dos juízes do Supremo Tribunal Federal para 75 anos, o que restringiria as nomeações que Dilma pudesse fazer nessa área.
Satisfeito com a autonomia revelada pelo Presidente do Senado, o líder da oposição Aécio Neves foi cumprimentá-lo efusivamente no Plenário, atitude pela qual deve estar hoje bastante arrependido, pois logo pôde constatar que Renan Calheiros constava da lista dos que recebiam propina na Operação Lava-Jato, ao lado de ninguém mais ninguém menos do que o próprio coordenador do programa de governo do PSDB nas últimas eleições, o ex-governador de Minas Gerais e afilhado político de Aécio, Antonio Anastasia. Por muito pouco não viu também o seu nome relacionado como recebedor de propina oriunda de contratos com Furnas, pois o Procurador Geral julgou insuficientes os indícios contra ele.
Assim, uma possível coligação PSDB-PMDB, que poderia ser uma alternativa política no caso do impeachment de Dilma foi neutralizada por problemas de corrupção envolvendo os seus dois componentes, em tudo idênticos aos atribuídos à coligação governista. O que mostra que não há diferença no principal modus operandi dos partidos burgueses no Brasil: as grandes empresas fornecem dinheiro para os políticos, que nomeiam os executivos de cargos públicos, que contratam as grandes empresas e retribuem os favores financeiros recebidos com recursos do governo. O pragmatismo do PT incorporou essa prática há muito tempo, mas certamente não é justo dizer que foi ele quem a inventou.
As condições políticas para o impeachment ficaram, assim, duplamente enfraquecidas. Primeiro, porque a adoção por Dilma do programa econômico puro do capital financeiro tira os motivos principais da classe dominante para afastá-la do cargo. Segundo, porque não há no momento no Congresso a possibilidade de formação de um bloco que possa dizer, ou pelo menos aparentar, que tem as mãos limpas em relação à corrupção. A possibilidade de um golpe militar também é longínqua, pois o movimento dos trabalhadores não está ameaçando.
Chegamos assim a um jogo de soma nula, no qual a possibilidade de um impeachment tem reduzidas chances de prosperar. Isso não quer dizer que a mídia burguesa vá suavizar as críticas ao governo. Manter Dilma sob pressão é uma forma de garantir que o programa econômico seja cumprido na íntegra, sem retrocessos, e, eventualmente, reveja-se a legislação relativa ao pré-sal e acelerem-se as privatizações.
A pequena-burguesia direitista também continuará a propagar o “Fora Dilma”, mas dificilmente empolgará o restante da população. Marcou uma manifestação para 15 de março, um domingo, para expressar a sua insatisfação, mas é difícil que a palavra de ordem emplaque, diante das denúncias generalizadas que atingem os partidos burgueses e que tendem a se ampliar com as novas delações premiadas, para setores além da Petrobras, do PT e do PMDB.
A crise política tende a se arrastar e a se ampliar, mas, mais cedo ou mais tarde, um acordo em benefício da governabilidade será selado entre o PT e o PMDB, mesmo que seja necessário o sacrifício emblemático de alguns bodes expiatórios, apenas para manter as aparências, pois mudar a principal maneira pela qual a burguesia controla as eleições usando o seu poder econômico está fora de questão.
Diante das ameaças da pequena-burguesia direitista, a burocracia sindical que apoia o governo também marcou uma manifestação, para a sugestiva data de 13 de março, uma sexta-feira, como também ocorreu com o famoso Comício da Central, há 51 anos. Aqui, a história mais uma vez se repete como farsa. O governo Dilma está muito longe de propor “reformas” ao estilo de Goulart, muito pelo contrário, apresenta um programa econômico ortodoxo como a sua principal política. Em substituição às reformas, os organizadores da manifestação apelam para a defesa da Petrobras e da “nação”, face aos ataques da direita.
A outra diferença é que não há agora nenhuma mobilização política forte por parte dos trabalhadores, soldados e marinheiros, como em 1964. Na verdade, hoje os sindicalistas não conseguem mobilizar politicamente as suas bases, diante de um governo que faz a política do grande capital e gera inflação, desemprego e corte de benefícios sociais. A verdade é que os atos convocados em defesa da Petrobras e da Caixa Econômica têm congregado um público pequeno, restrito a lideranças políticas e sindicais.
Os trabalhadores hoje travam uma luta defensiva, limitada a objetivos econômicos de defesa do emprego e do salário. As greves na indústria automobilística e os movimentos dos operários do Comperj e dos professores do Paraná são exemplos recentes disso e mostram que o acirramento da crise os tornará cada vez mais comuns.
Para a sua existência e generalização será necessário, entretanto, passar por cima da burocracia sindical, que freia e controla as ações dos trabalhadores. Só assim será possível retomar e acelerar o processo de organização independente dos trabalhadores, que constitui o primeiro passo para que venha a ter peso na política nacional.
Coletivo CVM– 5 de março de 2015