Fatos & Crítica nº 5: O golpe em marcha e os interesses de classe em jogo
O jogo de soma zero instaurado, em agosto de 2015, entre partidos da base aliada do governo Dilma Rousseff (PT-PMDB) e o endosso do “baixo clero” (bancadas ruralista, evangélica e “da bala”)representado na Câmara dos Deputados por Eduardo Cunha, foi, logo em seguida, rompido por não se ter estabelecido uma aliança capaz de viabilizar a pauta encaminhada pelo governo. O início do processo contra Cunha no Conselho de Ética e a denúncia de corrupção pela Procuradoria Geral da República, desencadeou como resposta, ao lado do bloqueio sistemático das reuniões do Conselho, o encaminhamento do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. O jogo de soma zero, entretanto, voltou a ser reafirmado em dezembro do ano passado, com a decisão do STF em negar o processo pretendido por Cunha. O recesso parlamentar e o carnaval adiaram os enfrentamentos mas estes logo se aceleraram desde então, a ponto de indicar um horizonte de desfecho da crise política.
Parecia que a aceitação das acusações da Procuradoria Geral da República contra Cunha pelo STF e sua condenação nos primeiros dias de março de 2016 abririam caminho para o restabelecimento das negociações na Câmara e a estabilização política do governo Dilma, mas a intervenção do Ministério Público virou o jogo político contra o governo, encurralando-o mediante acusações baseadas principalmente pelo vazamento da delação premiada do senador Delcídio Amaral (PT-MS), não homologada pelo STF, de interferência de Dilma Rousseff e Lula na chamada “Operação Lava-Jato”.
Então, imediatamente, em 3 de março, o Ministério Público Federal e de São Paulo, para cumprimento de “mandado de condução coercitiva” expedido pela 13ª. Vara Criminal do Paraná, desencadeou uma nova ação, cercando a residência de Lula com forte aparato policial e obrigando-o a prestar novas declarações. A detenção real do ex-presidente numa sala do Aeroporto de Congonhas deu a maior visibilidade possível à ação cuja legalidade, do ponto de vista do direito burguês, apesar criticada até por juristas da oposição, foi aceita pela ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber e o obsequioso silêncio da turma do STF. Ressalte-se que a decisão da juíza ocorreu somente após a força-tarefa da Lava-Jato comandada por Sérgio Moro, ter se antecipado ao julgamento da liminar no STF onde era questionado a competência de fórum da Lava-Jato sobre o caso. A resposta de Lula foi convocar a militância petista às ruas e insinuar que o Ministério Público pretende impedir sua candidatura em 2018.Manifestações em defesa de Lula e assumidamente contra o golpe foram marcadas para 8, 18 e 31 de março.
A detenção de Lula no dia 3 de março deve ser entendida como um “balão de ensaio” ou de teste da correlação de forças política para a decretação de sua prisão preventiva, ao mesmo tempo em que o processo contra Dilma Rousseff ganha maior fôlego com a revelação da suposta delação de Delcídio do Amaral e a iminência do impeachment por conta da ação de abuso do poder contra ela tramitando no Tribunal Superior Eleitoral. Ou seja, os promotores da Lava-Jato provocaram intencionalmente um teste das forças políticas em jogo para avaliar o desfecho desejado. A saber, a deposição “legal” de Dilma e a inviabilidade da candidatura de Lula em 2018, tirando da cena política o Partido dos Trabalhadores.
Estamos a escrever durante um processo em curso, com mais de um desdobramento possível. Porém é possível afirmar que assistimos nesses dois dias uma demonstração do isolamento político do governo Dilma. Talvez a reação do PT, sob a liderança de Lula, na medida em que venha a ganhar força entre as bases operárias do sindicalismo cutista, ainda possa reverter o quadro.
É importante ressaltar a ausência política do PMDB nos eventos enquanto se ouvem vozes isoladas de denúncia da ilegalidade da ação do Ministério Público, tudo assistido com a complacência da maioria do STF até então a favor do governo. Certamente a decisão de Rosa Weber em negar recurso à Lula passa a adquirir legitimidade para novas ações da Lava-Jato. Exatamente esse quadro permitiu ao PSDB a retomada do pedido de impeachment, com a ameaça de bloquear as votações no Congresso. A euforia do capital financeiro manifesta na alta de 4% nas negociações da Bolsa de Valores e na queda do dólar (de 3,803 para 3,671) num contexto de recessão econômica endossa simbolicamente, do ponto de vista da economia capitalista, o encurralamento do governo e do PT.
Apesar de o governo Dilma seguir a cartilha do capital financeiro, adotando o ajuste fiscal em curso, viabilizando o fim do monopólio do Pré-sal pela Petrobrás e o aumento da participação estrangeira no setor aéreo em até 49%, e sustentar a expectativa de uma pequena recuperação econômica no segundo semestre de 2016, a sua defesa deixou de ter sentido para a burguesia. Em primeiro lugar porque o crescimento anterior não pode mais ser retomado, da qual a crise econômica é expressão. Em segundo lugar não quer mais sustentar este governo pois os efeitos políticos na economia vão perdurar, ou seja, as intervenções judiciais contra a corrupção na qual o governo está envolvido acarretarão baixa na taxa de investimentos e queda na taxa de lucro nos setores que controlam o mercado de modo oligopolista.
A esse respeito importa chamar atenção para o brutal equívoco expresso na Nota da CUT “Em defesa de Lula, da democracia e contra o golpe”, de 04 de março, quando afirma que as “forças conservadoras recorrem ao golpe para voltar ao governo com o objetivo de retomar o derrotado projeto neoliberal…” uma vez que tal projeto, além de não ter sido derrotado, é parcialmente levado adiante pelo próprio governo Dilma. Na caracterização “social-liberal” que críticos de esquerda fazem de seu governo, cada vez mais as posições liberais predominam sobre as “sociais”, expressando a subordinação dos trabalhadores aos interesses do capital. A saída de Dilma, contudo, abre caminho para um novo governo burguês “puro sangue”, capaz de aplicar medidas de arrocho contra os trabalhadores.
A CUT, por ter perdido o horizonte de classe dos trabalhadores, a saber, o da superação da sociedade capitalista, deixa de apontar – e de esclarecer os trabalhadores de suas bases – como a saída da recessão econômica exige, para a burguesia, o aumento da exploração da força de trabalho em condições de competitividade internacional. Aliás, o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Grandra, do TST, explicitou essa exigência com a maior clareza possível ao tomar posse em 2 de março: é indispensável flexibilizar a CLT, impor o negociado sobre o legislado, apontando o exemplo do Programa de Proteção ao Emprego, defendido aliás… pela CUT e pelo sindicato dos metalúrgicos do ABC!
Se a CUT afirma, na Nota, que há um “acirramento da luta de classes no país” tem de tirar consequências dessa posição e assumir o ponto de vista de classe dos trabalhadores, o que significa romper com a política de colaboração de classes com o capital, pautado no sacrifício dos direitos dos trabalhadores em nome da defesa do emprego até o nível admissível para suas próprias bases sindicais.
Frente ao golpismo em curso, adotar uma posição de classe significa muito mais do que denunciar a supressão desta ou daquela cláusula da Constituição e do direito burguês, a exemplo de acusações sem prova material, e denunciar sim a intenção política do Ministério Público depor este governo para viabilizar os interesses de classe da burguesia, tornando-o alvo exclusivo do desmonte do esquema de corrupção que sempre alimentou a democracia burguesa não apenas no Brasil mas em qualquer país do mundo. De reconhecer que a democracia burguesa é uma forma de ditadura na qual se dá aplicação do proverbial princípio da política burguesa: “aos inimigos, a lei” mesmo se a lei for burlada – como está a acontecer no Brasil neste momento – alvo de “interpretações” amparadas exclusivamente na autoridade de quem as aplica.
Por tudo o que afirmamos acima, somos contra o golpe em marcha contra o governo Dilma e a perseguição política contra Lula e o PT, sem que isso signifique defender este governo e a política da conciliação dos interesses de classes que tal liderança e partido expressam.
Importa ainda alertar os trabalhadores de que os promotores do golpe “branco” ou “legal”, tendo à frente a “mídia” burguesa, parecem estar a dirigir apelos na direção dos quartéis, pedindo sua intervenção se a crise não tiver uma solução nas altas esferas do Estado.
Apenas a mobilização independente dos trabalhadores poderá enfrentar e superar a situação de conjunto em que vivemos. Esclarecê-los dos interesses que estão em jogo na cena política nacional nos debates que precisam acontecer nas assembleias sindicais e organização nos locais de trabalho é um passo fundamental e urgente.
Coletivo CVM 7/03/2016