Estratégia ou tática, reforma ou revolução: A questão das eleições do ponto de vista dos primeiros Congressos da Internacional Comunista (1919-1922)
CVM
No momento em que as esquerdas brasileiras também se voltam para pensar, debater e participar do processo eleitoral que acontecerá em outubro de 2014 é de grande importância refletir e discutir as teses e declarações dos primeiros congressos da Internacional Comunista. É importante ter em mente que os congressos, realizados entre 1919 e 1922, assumiram posições sobre a tática eleitoral numa época revolucionária.
A Internacional Comunista foi a iniciativa dos partidos revolucionários da classe operária tomada em Moscou, no período de 2 a 6 de março de 1919, com o objetivo de romper com a política de colaboração de classes e de traição aberta, durante a I Guerra Mundial (1914-1918), adotada pela social-democracia, à frente da qual se encontrava a maior organização política de massas do mundo, o partido social-democrata alemão, sob a liderança de Karl Kautsky, August Bebel e outros. Para diferenciar-se dos social-patriotas, organizados na II Internacional, autodenominarem-se III Internacional e abandonaram a social-democracia como denominação ideológica, substituindo-a pela de comunismo.
O I Congresso da Internacional ocorreu no contexto da guerra civil na Rússia Soviética, sob bloqueio das potencias imperialistas europeias (Inglaterra e França) que agiam abertamente em favor da contra-revolução ou, como se tornou conhecido mundialmente, do terror branco, mas também da tragédia do assassinato de Rosa Luxemburg e de Karl Liebcknecht pelas tropas do governo social-democrata presidido por Friedrich Ebert, durante a revolução alemã, em 15 de janeiro de 1919.
A análise dessa situação de conjunto na perspectiva revolucionária encontra-se no primeiro texto, a convocatória do I Congresso. Neste documento está colocada, de modo contundente, a tarefa de preparar a classe operária para a conquista do poder político, a derrubada e a expropriação da burguesia e, mediante a aliança com a maioria das classes trabalhadoras da cidade e do campo, iniciar a construção do socialismo.
A questão eleitoral na sociedade burguesa é entendida do ponto de vista da tática, como parte da luta pela conquista revolucionária do poder político, tal como formulada por Marx e Engels após a Comuna de Paris, em 1891, a saber: a destruição da máquina de Estado burguês e sua substituição por uma organização política transitória, simultaneamente executiva e legislativa, de modo a expropriar a burguesia dos meios de produção e, com a socialização destes, orientar a produção material e cultural para as necessidades sociais da população e não mais para o lucro e a apropriação da riqueza pela minoria.
Evidentemente, a democracia burguesa não é entendida, sob os pressupostos revolucionários da Internacional Comunista nesses primeiros congressos, como um objetivo estratégico, na suposição, como pretendiam os social-democratas (ou um “valor universal” como alegam seus sucessores contemporâneos) de que a sua contínua ampliação (em termos da conquista da maioria parlamentar) permitira a passagem pacífica ao socialismo. Não bastasse a experiência da revolução alemã de 1919, poderíamos lembrar a inviabilidade dessa transição no governo da Unidade Popular no Chile entre 1971 e 1973, sem a quebra da máquina de Estado, principalmente de seus instrumentos de repressão.
Mesmo considerando que o momento em que vivemos é muito diferente da época revolucionária em que foram escritas as referidas teses, estas continuam sendo importante fonte de inspiração e de referência para o exercício de uma política de classe independente dos trabalhadores nas campanhas eleitorais, nos parlamentos e nos governos.
A tática eleitoral é apresentada no documento “El partido comunista y el parlamentarismo”, durante o II Congresso da Internacional. Encontra-se no arquivo Los cuatro primeros congresos de La Internacional Comunista nas páginas 117 a 126.
Em linhas gerais, a participação nas eleições e a atuação parlamentar não devem ter como objetivo o desenvolvimento de uma atividade orgânica, dentro das regras parlamentares. Não deve colaborar para difundir a ilusão de que nas Câmaras e Assembleias serão resolvidos os principais problemas dos trabalhadores, originados da exploração capitalista.
A tribuna parlamentar deve ser vista como um ponto de apoio secundário para o desenvolvimento das lutas de massas dos trabalhadores em torno de suas reivindicações econômicas e políticas e a elas deve estar totalmente subordinada.
Assim, o momento eleitoral e a tribuna parlamentar só devem ser utilizados, se for possível a difusão da propaganda anticapitalista e socialista, de forma a colaborar para a conquista, para a vida política, de parcelas de trabalhadores que dela se acham afastados.
No caso da conquista de poderes executivos locais, cabe a criação de medidas econômicas e sociais em benefício dos trabalhadores e das camadas mais pobres da população, denunciar os obstáculos levantados pelo estado burguês a todas as reformas importantes, desenvolver uma constante propaganda anticapitalista e socialista e promover a fundação de órgãos de representação direta dos trabalhadores, com poder deliberativo.
A primeira formulação da atitude dos revolucionários diante do governo local encontra-se na Introdução à obra As lutas de classes na França, de Marx, escrita por Friedrich Engels em 1895.
Já a participação em governos estaduais e federal, esta deve estar condicionada às circunstâncias políticas e às alianças que os sustentam. Governos de coalizão entre partidos burgueses e partidos de origem operária, como é o caso atual do governo Dilma, que é sustentado por uma aliança do PT com o PMDB, não merecem apoio dos trabalhadores, pois colaboram para enganá-los sobre o verdadeiro caráter de classe do Estado e disseminam ilusões sobre a capacidade de o capitalismo atender às reivindicações dos trabalhadores, inclusive as mais imediatas como a garantia ao emprego, salários que atendam às necessidades sociais de saúde, moradia, transportes e educação em todos os níveis, de qualidade.
A posição da Internacional encontra-se no documento “El gobierno obrero”, apresentado no IV Congresso, em novembro de 1922. Encontra-se nas páginas 149 a 151 do segundo volume dos congressos.
Participar de governos estaduais e federal só teria sentido com a exclusão de partidos burgueses da coalizão governista, o que permitiria ao governo levar adiante medidas de interesse dos trabalhadores, mesmo que estas medidas se defrontassem com os limites da ordem social e econômica capitalista. Um governo desse tipo, por seu caráter contraditório (levar a cabo medidas anticapitalistas dentro de uma ordem social, econômica e política ainda capitalista), teria um caráter de transição e só poderia se instalar dentro de uma conjuntura de ascensão das lutas de classes.