Rosa Luxemburgo: Carta a Wilhelm Dittmann
Rosa Luxemburgo
Friedenau, 23 de maio de 1911
Prezado camarada Dittmann! [1]
Desculpe-me por só hoje lhe dar as informações pedidas sobre a escola do partido – eu estava muito ocupada e não encontrava um minuto livre sequer. Se o senhor quer saber a minha opinião, eu acredito que a organização do ensino na escola do partido foi muito bem-sucedida – com exceção do plano pedagógico, que na minha opinião ainda precisa ser aprimorado. Estou muito feliz por termos, o camarada Schulz e eu, finalmente conseguido introduzir a história do socialismo internacional; agora trabalho para introduzir o movimento sindical e sua história, e também sua situação em diversos países, como matéria específica (fiz essa solicitação na última conferência dos professores e da direção). Eu a considero de uma importância extraordinária e tão necessária quanto a história do socialismo. A sugestão recebeu o total apoio de Bebel e agora é só uma questão de possibilidade prática, o momento em que poderemos realizar este plano. É que precisamos contar muito com o tempo e a capacidade de trabalho dos alunos. Da maneira como o ensino está organizado agora, ele corresponde, na minha opinião, a todas as exigências da pedagogia. Pois temos no máximo trinta alunos no curso,(*) as aulas compreendem diariamente apenas duas, às vezes três matérias, e para cada matéria são previstas duas horas seguidas (nas minhas com uma pausa de um quarto de hora). Assim, apenas a parte da manhã, das 8 às 12 horas, é dedicada ao ensino, na parte da tarde são dadas somente matérias fáceis, pouco cansativas, como Estilística, exercícios de Oratória, Ciências Naturais. Nosso ideal é deixar a tarde completamente livre (também quando há aulas à tarde encerramos normalmente às três ou às quatro horas), pois os alunos precisam da tarde e da noite para trabalhar em casa. Sem essa possibilidade, sem estudar a fundo em casa a matéria vista pela manhã e as anotações, sem ler as brochuras e livros correspondentes, o ensino todo é completamente inválido e inútil. Basta que o senhor considere a escola sindical. O senhor conhece a organização dela? Para mim é absolutamente incompreensível como pessoas com senso prático podem jogar o seu dinheiro e o seu tempo pela janela dessa maneira. Antes de mais nada, cada curso lá dura seis semanas (enquanto nós, em seis meses, mal conseguimos transmitir algo de aproveitável para os alunos!). Além disso, de sessenta a setenta alunos sentam-se juntos, de modo que é impossível pensar em uma discussão com o professor, em um tratamento aprofundado da matéria por meio de questionamentos e de um debate abrangente. E ainda são dadas diariamente cinco matérias seguidas por cinco professores diferentes, uma hora cada uma (apenas uma matéria por dia dispõe de duas horas, das três às cinco horas). Desse modo, as matérias se sucedem umas às outras com tanta rapidez que os alunos mal conseguem pensar. E o ensino é programado de tal maneira – das nove até às seis horas da tarde – que ele ocupa a manhã e a tarde inteiras. Onde sobra tempo para os alunos estudarem e lerem algo por si mesmos, refletirem sobre o que ouviram e digerirem intelectualmente? No intervalo do almoço, das 12 até às 3 horas da tarde, é óbvio que não se trabalha, pois a refeição ocupa boa parte do tempo e o restante é inevitavelmente desperdiçado. Até que cheguem em casa à noite e comam alguma coisa, já são sete ou oito horas, e então naturalmente estão cansados demais e não lhes resta senão irem espairecer em algum “local”, o que não deve contribuir muito para o aprofundamento da ciência nem para o entusiasmo com o trabalho que terão na manhã seguinte. Outra coisa que chama a atenção: do começo de setembro até o começo de abril – enquanto nós completamos um curso – os professores da escola sindical têm de dar quatro cursos em sequência, nos quais inevitavelmente ensinam a mesmíssima coisa quatro vezes! Para mim, o semestre de verão livre depois do encerramento do pesado curso é uma verdadeira redenção, pois nós também não queremos apenas repetir, queremos reunir material novo para cada novo curso, ampliar, modificar, melhorar. Por fim, simplesmente não consigo imaginar que a sua própria aula não se torne repulsiva para um professor, quanto ele tem de martelá-la quatro vezes seguidas num espaço de tempo de sete meses; mesmo com a melhor das intenções ele se torna um fonógrafo. Assim, tudo parece ser programado para inibir qualquer entusiasmo pelo trabalho e qualquer verdadeira capacidade produtiva tanto dos professores quanto dos alunos. Eu considero tudo isso, como o senhor pode ver, apenas de um ponto de vista puramente pedagógico, portanto nem menciono que quem atua como professores nas matérias mais importantes são Bernstein, Schippel, Bernhard, Calwer (justo para cartéis!). A orientação dos professores é questão de convicção, mas a organização do ensino é questão de uma pedagogia racional, e nisso a escola sindical inteira é um enigma para mim. Não são ali os “doutrinadores” e “teóricos” muito mais práticos que os pretensamente “práticos”?
Mas também entre nós, na escola do partido, há muito a melhorar e ampliar. Em cada curso se renova o desejo de alongá-lo ou então de criar um curso de aperfeiçoamento. Para mim seria preferível a última alternativa, e isso poderia ser feito sem sobrecarga alguma para o partido. Mas agora, naturalmente, as eleições parlamentares estão em primeiro plano e não há tempo para planos de reformas. Eu tenho muita esperança de que neste ano a escola simplesmente não funcione, é o que espero – pois também gostaria de poder trabalhar um inverno para mim mesma.
Como estão o senhor e sua esposa? Sua cartinha me deixou muito feliz. Obrigada também pelo relato. O material sobre o liberalismo segue na próxima carta.
Com Ros[enfeld] eu falarei hoje ou amanhã. Por ora minhas saudações cordiais
Sua R. Luxemburgo
(*) Faz três anos que disponibilizamos dez vagas aos sindicatos; mas infelizmente apenas a associação dos mineiros e a dos pedreiros fazem uso delas, enviando cada uma dois alunos por curso. As outras associações, especialmente a dos metalúrgicos, boicotam a escola do partido – em prejuízo deles e nosso!
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Nota:
[1] Publicada em Rosa Luxemburgo, Cartas, III, São Paulo, Editora UNESP, 2017, p.173-76. Tradução de Mário Luiz Frungillo.