Fatos & Crítica 15: tudo como dantes?
Coletivo do CVM
Embora com uma margem menor, Michel Temer conseguiu barrar a segunda denúncia do Ministério Público contra ele na Câmara, utilizando o mesmo método que deu certo da primeira vez. O homem acusado pela Procuradoria Geral da República de ser o líder da organização criminosa “PMDB da Câmara” usou os expedientes tradicionais do sistema político brasileiro para permanecer no cargo. Comprou votos, mediante a aprovação de medidas de interesse de certos setores, como foi o caso da portaria do Ministério do Trabalho que facilitou a vida dos capitalistas que utilizam práticas análogas à escravidão. Além disso, é claro, liberou verbas para alimentar os currais eleitorais dos deputados e nomeou pessoas por eles indicadas para ocupar cargos públicos com grande potencial de “renda” para seus titulares. Um caso interessante em que o acusado Temer reitera o crime e, com isso, consegue se livrar da pena.
Apesar das ingênuas esperanças da pequena burguesia que apoia o justiceiro Moro, o sistema político brasileiro vem demonstrando uma vitalidade e capacidade de reação ímpares, diante dos ataques que sofre, e não apenas nesse caso. Aécio Neves se livrou da cassação graças ao voto de Minerva da Presidente do Supremo Tribunal Federal, em prol da preservação da governabilidade burguesa, que concedeu ao Senado a palavra final no seu caso. Como se sabe, Aécio foi flagrado em um áudio pedindo dinheiro ao maior capitalista do setor de carnes do país, em troca de favores políticos. Os seus colegas senadores, certamente habituados a essas práticas, o absolveram em plenário e arquivaram o caso na Comissão de Ética da instituição, revelando que a ética é sempre um conceito muito relativo.
Completa a contraofensiva dos políticos tradicionais, além das mudanças na cúpula da Polícia Federal, a lei contra o abuso de autoridade, idealizada no Senado com o objetivo enquadrar o Ministério Público e o judiciário e, assim, evitar esses e outros futuros dissabores. Convém destacarque a democracia capitalista se caracteriza pela dominação direta e velada da burguesia sobre a máquina de seuEstado. O fato de ter vindo à luz aquilo que é feito nas trevas, graças ao sistema de delações premiadas, não tem o poder de alterar fundamentalmente a forma utilizada pelo poder econômico burguês para eleger deputados, aprovar leis e medidas de seu interesse. Certamente esses atores terão mais cuidado com suas ações no futuro, de forma a garantir o caráter velado da dominação, mas numa democracia capitalista é impossível evitar que a burguesia utilize todo o seu potencial econômico para comprar votos e representantes e garantir medidas do governo que lhe engordem os lucros.
Os fatos anteriores revelam que o sistema político atual não está disposto a se reformar. Que a burguesia também não tem nenhum interesse nessa reforma fica revelado agora pelo apoio que o capital financeiro vem dando ao governo Temer, ainda que ele seja formado por pessoas cujo extenso prontuário criminal é capaz de causar inveja até aos mafiosos de maior expressão. Quando o presidente se enfraquece, a Bolsa de Valores afunda e vice-versa. A máxima do “rouba, mas faz” ou dos fins que justificam os meios é exercida sem pudores pelo capital financeiro e mantém Temer no poder.
Para não decepcionar quem o sustenta, Temer se empenha na agenda de retirada de direitos sociais, tendo aprovado, com a ajuda de sua maioria parlamentar, a emenda constitucional do teto de gastos e a “reforma trabalhista”, além de conduzir um impiedoso corte de gastos públicos, sem se preocupar com as consequências, que o colocaram na vanguarda isolada dos líderes mundiais de maior impopularidade.
Uma recuperação econômica lenta
Além disso, os primeiros sinais do fim da recessão de 2014/16 começam a aparecer, permitindo que o apoio do “mercado” (leia-se capital financeiro) a Temer se estenda gradativamente para a “sociedade” (leia-se a classe burguesa em geral) e a “opinião pública” (leia-se a mídia empresarial).
De fato, apesar da política recessiva de austeridade de gastos do banqueiro Meirelles, a economia vem apresentando alguns tênues sinais de recuperação, depois de dois anos seguidos de encolhimento.
Os sinais da lenta reversão do ciclo econômico se expressam no crescimento de 1,36% do consumo das famílias e de 1,69% do comércio varejista, no 2º trimestrede 2017, e de 5,23% das exportações no 1º trimestre, produzido principalmente pela safra agrícola. Também oemprego na indústria cresceu 0,83% no 1º trimestre deste ano e 2,24% no segundo, com destaque para o setor metal-mecânico, onde está incluída a indústria automobilística.Vendo a economia como um todo, o Produto Interno Bruto do país aumentou 1,02% no 1º trimestre, mas apenas 0,25% no segundo, revelando que a recuperação, além de lenta, é cheia de percalços.
A prolongada recessão reduziu a inflação e, com isso, possibilitou a queda da taxa básica nominal de juros, de 14,25% para 7,5%. Ainda que os juros reais brasileiros se situem entre os mais altos do planeta, a sua diminuição pode favorecer a retomada da acumulação capitalista.
Entretanto, a taxa de lucro das empresas com ações na Bolsa de Valores ainda se encontra em níveis muito baixos, embora tenha se elevado ligeiramente, passando de 5,5%, em 2015, para 7% em junho de 2017. Ainda assim, ela é muito menor que o custo de capital (juros), da ordem de 12,2%, em 2017, o que desestimula o investimento e, portanto, a recuperação econômica. Ajudam a travar o processo de retomada da acumulação do capital o recente arrefecimento da demanda externa por produtos brasileiros e a enorme capacidade ociosa das indústrias, em função da recessão. Estima-se que o baixo investimento decorrente desses fatos, aliado às incertezas sobre quem vencerá as eleições do ano que vem, só venha a ser revertido em 2019.
Incertezas no panorama eleitoral
A indefinição eleitoral para 2018 causa grande preocupação para a burguesia. Com o sistema político tradicional desmoralizado, estão abertas as portas para toda sorte de salvadores da pátria, como Bolsonaro, e criaturas de “fora” do sistema político tradicional, como Luciano Huck, o banqueiro Meirelles e o empresário Dória, este último bastante chamuscado pelas suas ações desastradas na prefeitura de São Paulo. Mas também no campo eleitoral o velho sistema tende a se rearticular, reapresentando Alckmin, Ciro Gomes, Marina Silva e Lula, para o grande temor do mundo burguês, que não vê mais espaço econômico para a política de colaboração de classes.
Lula já demonstrou claramente, com fatos, que tem grande capacidade de se adaptar e de atender aos principais interesses da classe dominante. Basta lembrar a “Carta aos Brasileiros” e a nomeação do banqueiro Meirelles para o Banco Central. Mas é evidente que a burguesia prefere alguém que implante na íntegra a sua política, sem concessões aos trabalhadores, dando seguimento à linha econômica neoliberal implantada por Joaquim Levy, no governo Dilma, e continuada por Meirelles, no governo Temer. Para deter a candidatura Lula, a burguesia certamente contará com a ajuda decidida da pequena-burguesia de direita, alojada no sistema judiciário, encarregada de julgar as ações que correm contra o candidato no âmbito da Operação Lava-Jato.
Lula, entretanto, pratica a sua tradicional habilidade conciliatória, acenando cordialmente, de um lado, para os algozes de sua sucessora – o PMDB – e, de outro, para os trabalhadores, ao fazer críticas a Dilma por ter escolhido Joaquim Levy para conduzir a política econômica de austeridade, assim que ela se reelegeu. Lula parece se esquecer que o seu candidato a Ministro da Fazenda, na época em que Dilma compunha o seu novo ministério, era, nada mais nada menos, que o próprio banqueiro Meirelles. Por conhecer bem essa trajetória política, inclusive, é que o Sindicato de Metalúrgicos de Ipatinga se recusou a participar da Caravana de Lula, quando ela esteve em sua região.
Para os trabalhadores, a questão mais importante no momento é a entrada em vigor, em 11 de novembro, da famigerada “reforma trabalhista”. Movimentos e greves estão sendo organizados pelas centrais sindicais para o dia 10, de forma a marcar posição contra a lei que faz retroceder os direitos sociais dos trabalhadores às condições do século XIX. A nova lei é tão drástica que põe em risco a própria existência da Justiça do Trabalho. Não é por outra razão que, defendendo suas prerrogativas corporativas, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA manifestou-se contra ela, chegando a incitar os magistrados a simplesmente levar em conta a inconstitucionalidade de alguns dispositivos e deixar de aplicá-los no julgamento das ações.
Mas a ofensiva do capital continua, aproveitando-se da fraqueza do movimento sindical e da situação geral de desemprego.
As campanhas salariais estão em defensiva, lutando mais pela preservação de cláusulas sociais do que por reajustes, e aguardando a entrada em vigor da nova lei trabalhista. Porém, já se observa alguma movimentação entre os trabalhadores: os químicos de Vinhedo entraram em greve; há insatisfação em Volta Redonda com a supressão de um turno de trabalho; bancários da Caixa Econômica Federal se mobilizam contra a iminente privatização da empresa e os do BNDES, contra o esvaziamento da instituição.
Em São Bernardo do Campo, a ocupação de um grande terreno central por trabalhadores sem teto tem atraído manifestações de apoio, inclusive de artistas, impedindo que a Polícia Militar cumpra o mandado de reintegração de posse em favor do proprietário.
São indícios que mostram que, ainda que hoje tudo pareça estar como dantes, não ficará assim por muito tempo.
CVM, 09/11/2017