Fatos & Crítica nº 8: o Governo Temer tem futuro?
Concluído o processo de impeachment de Dilma Rousseff, cujo destino já estava selado desde a retirada do apoio do PMDB ao seu governo, ficam duas perguntas: qual será o destino do PT e qual será o destino do Governo Temer?
Ao contrário da defesa de Dilma no processo, que disse que a causa do impeachment foi uma “vingança de Eduardo Cunha”, as razões para a crise política são muito mais profundas: dois anos de recessão liquidaram a política de conciliação de classes, expressa na aliança entre o PT, o PMDB e os pequenos partidos que compõem o Centrão.
O segundo Governo Dilma já havia aplicado várias medidas de arrocho (enquanto estudava outras), que a burguesia exigia, para a retomada da taxa de lucros. Para isso, ela nomeou Joaquim Levy ministro da Fazenda, colocando-se em confronto com o programa que defendera na campanha de 2014 e com a própria base social que a elegera. Os tarifaços de energia elétrica e de combustíveis, bem como os cortes orçamentários – inclusive nos programas sociais – só agravaram a crise, gerando dois anos seguidos de recessão econômica inédita no país.
Que a política de conciliação de classes foi posta em xeque pela crise econômica demonstram as tentativas pontuais de Dilma, no governo, de diminuir a tutela do PT, seguida da tentativa muito mais bem sucedida dos partidos burgueses de se desvencilhar dela, por mostrar-se incapaz de levar adiante o programa de choque econômico, com a firmeza, a velocidade e a profundidade exigidas pela classe dominante.
Percebendo que o barco afundava e que a Operação Lava-Jato, descontrolada, ameaçava suas próprias lideranças, o PMDB decidiu finalmente abandonar o governo, não sem antes apresentar um programa econômico – conhecido como “Ponte para o Futuro” – para credenciar-se a assumir o papel que a burguesia, unanimemente, exigia. O instrumento para isso seria o impeachment e a posse de Michel Temer, personagem que em várias ocasiões já havia se apresentado publicamente como opção e que conspirava abertamente contra a sua companheira de chapa.
O PT diante da crise política
Se o PT ainda fosse aquele partido de trabalhadores de sua origem – e não um partido puramente eleitoral, dominado por políticos profissionais e burocratas sindicais, que usufruíram durante treze anos de cargos e benesses do poder – talvez pudesse refletir sobre a profundidade do poço em que se encontra e as causas que o levaram a cair nele.
Talvez pudesse repensar “o amplo arco de alianças” com partidos burgueses, que o levou a entrar no jogo da distribuição de cargos, da cooptação de lideranças para o governo, da corrupção em larga escala (com fins eleitorais e pessoais), da política de desmobilização dos trabalhadores nas suas lutas reivindicatórias e da renúncia à defesa dos interesses deles, sempre que a burguesia assim o exigiu.
Mas é pedir muito que o PT faça essa autocrítica. Acostumado à política de conciliação de classes, mal se consumou o “golpe parlamentar” e o partido já estava votando no direitista Rodrigo Maia para a Presidência da Câmara, para preservar um espaçozinho de poder na instituição. Não teve nem pejo de negociar com o seu algoz (o PMDB) para preservar as condições de elegibilidade de Dilma. Além disso, participa das alianças eleitorais mais espúrias para as eleições municipais deste ano. O seu destino está, portanto, selado: será o mesmo dos partidos socialdemocratas e comunistas de outras partes do mundo, que se degeneraram e viraram simples simulacros do que um dia pretenderam ou chegaram a ser.
Que muito pouco se pode esperar vindo de dentro do PT mostra a posição de sua ala mais à esquerda, expressa em recente artigo de Wladimir Pomar no Brasil Debate. Depois de se referir aos “erros estratégicos” cometidos pela maioria que comanda o PT, ou seja, “à conciliação de classes; à prioridade para as atividades institucionais; ao abandono da ligação com as bases sociais; ao desprezo pelos processos de formação ideológica e política; à imitação dos métodos burgueses de sustentação partidária; e à leniência com casos de tráfico de influência e de corrupção”, com o que concordamos plenamente, ele aponta para a proposta de “transformar a Frente Brasil Popular numa organização ainda mais ampla, incluindo setores sociais e políticos de centro que se opuseram ao golpe parlamentar e judiciário”, com o objetivo de convocar uma nova Assembleia Constituinte, que pudesse aprovar as inconclusas reformas “democrático-populares”.
Ou seja, mais uma vez os destinos políticos dos trabalhadores deveriam se confundir com o de setores burgueses, ficando subordinados à convocação de uma Constituinte, onde os seus interesses próprios teriam tanta ou menor chance de prevalecer que na assembleia que aprovou a Constituição de 1988.
A oposição dentro do PT reincide, assim, no erro central que levou o Partido à situação em que se encontra hoje: abrir mão da independência dos trabalhadores, em prol de uma aliança com partidos burgueses, tendo como consequência lógica a política de conciliação de classes. Quando esta se torna impossível, como agora, ocorre a sua sumária exclusão do governo.
Repetiu-se a história de todos os partidos de esquerda que participaram de governos em aliança com a burguesia: depois de prestar serviço na pacificação das lutas de classes, foram jogados pela classe dominante na lata de lixo, assim que se tornaram um estorvo à acumulação de capital.
O Governo Temer tem futuro?
O Governo Michel Temer apoia-se numa ampla coalizão burguesa, que congrega a antiga oposição ao governo do PT (PSDB-DEM-PPS), o PMDB (com quase todas as suas frações) e os partidos minúsculos que compõem o Centrão. A antiga oposição, representante dos interesses puros do grande capital, e por isso chamada por alguns de ala “ideológica” do governo, exige que as medidas de choque econômico sejam levadas à prática com a necessária firmeza e rapidez e que a influência do Centrão no bloco do poder seja reduzida.
A luta do bloco PSDB-DEM-PPS para predominar no governo é a expressão político-partidária do exercício da hegemonia do capital financeiro, sobre todas as demais frações da burguesia, que reagiram unanimemente contra o Governo Dilma, mas agora têm que ser convencidas de que as medidas de interesse do grande capital também são de seu interesse.
A vitória de Rodrigo Maia do DEM sobre Rogério Rosso do PSD e a cassação de Eduardo Cunha por larga margem mostraram que a ala “ideológica” vem sendo bem sucedida nesse embate. O próximo passo para enfraquecer de vez os pequenos partidos fisiológicos que compõem o Centrão é a introdução de uma cláusula de barreira que inviabilize no futuro o acesso deles à representação parlamentar e ao fundo partidário, o que teria o bônus adicional de complicar a existência do PCdoB, do PSOL e de outras pequenas legendas de esquerda que aspiram chegar ao parlamento.
O PMDB, que representa uma miríade de interesses de frações burguesas regionais, exercita no novo governo a posição de centro que o habilitou ao papel de ator coadjuvante da maioria dos governos burgueses, desde o fim da ditadura militar. Dividido internamente, manobrou para preservar no processo do impeachment os direitos políticos de Dilma, sem o conhecimento dos seus aliados “ideológicos” (e talvez do próprio Temer), mas também cooptou o Centrão, mantendo a política fisiológica da farta distribuição de cargos públicos.
Não menos importantes são as ameaças de novas delações premiadas no âmbito da Operação Lava Jato, vindas da Odebrecht, da OAS e, eventualmente, do próprio Eduardo Cunha, que já ameaçou revelar o que sabe, com a publicação de um livro (daí a passar à delação premiada quando for preso, vai um pequeno passo). “Michel é Eduardo Cunha”, como confidenciou Romero Jucá a um dos delatores, é a sentença que está sempre ecoando nas paredes do Palácio do Planalto, a ameaçar o destino político de seus ocupantes.
Para blindar o governo das ações da Lava Jato, seus líderes tentam aprovar no Congresso leis que reduzam o poder do Ministério Público e também uma anistia geral para os políticos que utilizaram o caixa dois nas suas campanhas eleitorais. No STF, querem influir para rever a recente decisão do tribunal de prender o réu após a condenação em segunda instância, que atemoriza tanto a grande maioria dos políticos, pois eles têm a corrupção como meio e fim da sua própria atividade.
Equilibrado num fio de arame, Michel Temer precisa driblar as denúncias de corrupção contra ele e seu governo e, ao mesmo tempo, preservar as suas relações com o Centrão, o PSDB, o PMDB do Senado e o PMDB da Câmara, para poder aprovar as principais medidas exigidas pelo capital. De um lado, a ampla privatização e desestatização financiada pelo BNDES para dispor de novos negócios praticamente sem o custo do investimento. De outro, implementar as condições para aumentar a taxa de exploração dos trabalhadores no conjunto da economia, mediante o estabelecimento de um congelamento do orçamento federal, prejudicando o futuro dos sistemas de saúde e educação; o aumento da idade de aposentadoria para 65 ou até mesmo 70 anos; a flexibilização da jornada de trabalho diária para até 12 horas; a permissão para a terceirização das atividades fins das empresas; e a prevalência do acordado sobre as disposições da CLT.
A resposta dos trabalhadores
Se todos os desafios acima já não fossem suficientes, o Governo Temer ainda tem pela frente a reação dos trabalhadores diante das medidas que estão sendo urdidas contra as suas condições básicas de subsistência.
Temer foi surpreendido pela expressividade da reação contra a sua ascensão ao poder, por parte dos movimentos sociais organizados, que se manifestaram praticamente em todo o país, especialmente, em São Paulo. O Movimento Fora Temer, direcionado até o momento para novas eleições diretas, pode ganhar força social e ser um instrumento político importante para barrar as medidas contra os direitos dos trabalhadores, se for acompanhado de ações mais contundentes do que as manifestações de rua e ultrapassar o seu horizonte político pequeno-burguês.
Uma expressão disso é a notícia de que em 8 de setembro entidades dos metalúrgicos que fazem parte da Intersindical, como o Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e o Sindicato dos Metalúrgicos da Baixada Santista, participaram de reunião com sindicatos e federações dos metalúrgicos de várias regiões do país, com a presença também da CUT e Conlutas,“com o objetivo de construir um calendário de lutas contra os ataques do governo Temer à Previdência, aos direitos e salários dos trabalhadores”, visando uma paralisação nacional da categoria no dia 29 de setembro. Essa ação é vista como primeiro passo para uma greve geral, unindo outras categorias em luta, como os bancários e os trabalhadores dos Correios.
Se isso vier a ocorrer, estão lançadas as bases para o ressurgimento do movimento dos trabalhadores e da classe operária no cenário político do país.
Coletivo CVM – 09/2016