Fatos & Crítica nº 4: roda da economia em marcha a ré, roda política em ponto morto
Foto : Repressão policial aos trabalhadores da Usiminas de Cubatão
(Intersindical, Instrumento de luta e Organização da Classe Trabalhadora)
De outubro de 2014 a setembro de 2015 a economia brasileira revelou um quadro de crise econômica de gravidade inédita. Foram quatro trimestres seguidos de recessão no país. Depois de um crescimento anual pífio em 2014 (0,1%), as previsões de uma contração de 3,3% em 2015 e de outro encolhimento de 2% em 2016 revelam que os efeitos da crise de 2008, postergados por uma série de medidas “anticíclicas”, apresentam-se agora em toda a sua dimensão.
Crescimento do Produto Interno Bruto do Brasil
A mídia burguesa põe a culpa da situação atual na política econômica de Mantega, com seus contornos keynesianos, mas as crises econômicas do capitalismo são cíclicas e inevitáveis. A recuperação ocorrida em 2010, após a pequena recessão de 2009, pode ser atribuída à decisão do governo de combater os efeitos da crise elevando o crédito dos bancos públicos, mas beneficiou-se também da conjuntura ainda favorável para a exportação de commodities.
Os efeitos positivos das medidas no curto prazo calaram as vozes discordantes, mas agora, que o arsenal keynesiano se esgotou e a crise se revela em toda a sua dimensão, as vertentes neoliberais do pensamento econômico burguês se levantam para denunciar os erros da política “anticíclica” e para acusar Mantega e Dilma de serem os responsáveis pelo tamanho da crise. Trata-se de uma injustiça, pois as crises fazem parte da natureza do sistema capitalista, podem ser retardadas ou amainadas pela ação dos governos, mas não suprimidas.
Aqui cabe um parêntesis. Tanto o keynesianismo quanto o liberalismo são formas burguesas de pensamento econômico e suas receitas têm sido utilizadas pelos governos conforme as circunstâncias conjunturais, no Brasil e no mundo. Não são necessariamente formas de pensamento de frações burguesas distintas, mas maneiras de favorecer a acumulação de capital como um todo, em distintas situações.
O keynesianismo de Mantega propiciou uma recuperação rápida em 2010, mas hoje já não é mais eficaz. A burguesia necessita de retomar a acumulação às custas dos trabalhadores e, assim, do governo de plantão é exigida a mudança da orientação econômica, de forma a garantir a elevação da taxa de lucro. Não importa que o governo seja do PT. Para ter sustentação social, tem que atender aos interesses da classe dominante liderada pelo setor financeiro.
O novo programa econômico consensual da burguesia brasileira corresponde aos interesses do capital financeiro e à cartilha neoliberal. Até o PMDB, partido que representa uma infinidade de interesses de frações burguesas e pequeno-burguesas dispersas, o adotou publicamente. Mesmo o PT, que deveria teoricamente defender os interesses dos trabalhadores, acha as medidas necessárias e, no máximo, pensa em trocar seis por meia dúzia, propondo a substituição de Levy por Meirelles (nem pensar em chamar Mantega de volta!).
E qual é o novo programa econômico? Em síntese: reduzir os salários reais pela inflação, desindexar o salário mínimo e as pensões, adotar a idade mínima para a aposentadoria, reduzir os benefícios de programas sociais (como o FIES, Minha Casa Minha Vida e Pronatec), abrir uma nova rodada de privatizações de empresas estatais e de concessões, acabar com as desonerações de impostos para certos setores escolhidos e abrir o país para o comércio internacional , por meio de acordos bilaterais que ajudem a integrar o Brasil nas chamadas “cadeias globais”.
A roda política em ponto morto
Depois de passar pelos momentos mais difíceis, em que esteve próximo de cair por um processo de impeachment, o governo Dilma respira aliviado, depois de selar acordo com o que existe de pior na política brasileira: os partidos fisiológicos que compõem a “base aliada” e o líder do “baixo clero” da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
Numa situação em que Dilma e Cunha mantinham suas armas apontadas um contra o outro e a oposição esperava apenas para liquidar o sobrevivente, o acordo entre os dois apresentou-se como o mal menor. Já tinha havido uma reforma ministerial para agradar os fisiológicos da “base aliada” e o PT abstem-se agora de afundar Cunha na Comissão de Ética da Câmara, formada para investigar a conduta do deputado em relação às propinas aplicadas em contas no exterior.
Desarmados os dois lados, ao menos provisoriamente, o governo obteve vitórias no Congresso, relativas a medidas de interesse para o programa econômico de contenção de gastos: o aumento do Judiciário foi barrado, bem como o reajuste das pensões pelo índice do salário mínimo.
Esse resultado deixou a oposição parlamentar sem ação, pois seu principal aliado, Cunha, mudou de lado. Diante disso, passou a observar problemas morais no deputado e trabalha abertamente contra ele, de maneira a eleger um novo presidente da Câmara que possa levar adiante o processo de impeachment.
O novo quadro também esvaziou os movimentos de massa da direita, que agora estão restritos a uma vanguarda comandada por lideranças da extrema-direita e policiais civis e militares armados, que clamam pela volta do regime militar. Acampados diante do Congresso, por autorização do ex-aliado Cunha, agora estão em vias de serem desalojados por uma contraordem também assinada por ele.
Não foi a toa que em 15 de novembro não se repetiram os massivos movimentos ocorridos neste ano e que a greve de caminhoneiros pela saída de Dilma foi facilmente neutralizada por uma medida provisória que instituiu multas pesadas a quem bloqueasse estradas.
Reflexo sobre os trabalhadores
A crise atingiu em cheio os trabalhadores. Calcula-se que 1.400.000 trabalhadores com carteira assinada perderam o emprego nos últimos doze meses. Só em 2015, foram 340.000 na indústria e 250.000 na construção civil. A situação é particularmente ruim no setor siderúrgico. A Companhia Siderúrgica Nacional anunciou um prejuízo líquido de 533 milhões de reais no terceiro trimestre, superior ao dobro do resultado negativo sofrido no mesmo período de 2014, em função da queda nas vendas de aço e minério de ferro, além da variação cambial.
As consequências para a classe operária são imediatas. Eis aqui um exemplo do que virá pela frente. A unidade da Usiminas, em Cubatão, ameaçou com a paralisação “temporária” da produção e a consequente demissão de cerca de quatro mil trabalhadores diretos, por causa da queda da demanda de aço nos mercados interno e externo. Segundo estimativas, outros quatro mil trabalhadores que prestam serviço à unidade poderiam também ser afetados pela medida.
Para protestar contra essa ameaça, os operários fizeram uma manifestação na manhã do dia 11 de novembro e tentaram bloquear o acesso à usina de dezenas de ônibus que levavam trabalhadores, no que foram reprimidos violentamente pela Polícia Militar, com o uso de gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Três operários foram detidos.
Os policiais haviam jantado de madrugada a convite da empresa no refeitório da Usiminas, de onde atemorizaram os operários com a sua presença e aguardaram o início dos protestos. Dando respaldo à ação da polícia, uma ordem judicial determinou que os manifestantes ficassem distantes dos portões de acesso à usina, revelando que, além da PM, também a justiça burguesa cumpriu tempestivamente o seu papel de defesa dos interesses do empresariado.
Depois dos tumultos com a PM, os manifestantes se dirigiram à sede da Prefeitura, onde foi realizado um novo ato e, em seguida, saíram em passeata pelo Centro de Cubatão, contando com o apoio de outros setores, como o comércio, que será profundamente afetado pelas demissões de tantos trabalhadores.
Ao que parece, a roda do movimento operário também começa lentamente a se mover.
Coletivo CVM 21/11/2015
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FATOS e CRÍTICA N 4