Os trabalhadores e a Constituinte
Erico Sachs
Texto publicado no Boletim Nº 2 da Fundação Wilson Pinheiro em agosto de 1985.
“O poder emana do povo”, diz hoje, nestas ou noutras palavra, qualquer Constituição democrática, desde os dias da República de Weimar. “Mas nunca mais voltou”, emendou um escritor crítico, que não se contentou com esta meia verdade.
Lassalle, no século passado, advertiu os operários a distinguir entre “constituição escrita” e “constituição real”: “O exército, os canhões fazem parte da Constituição de um país”. Hoje, podemos acrescentar: o poder econômico, o imperialismo, etc. Igualmente fazem parte da constituição real, independente do que a constituição escrita diz a respeito. Esta experiência amarga já tivemos em 1964. E a verdade se torna novamente atual, quando lemos na imprensa que as associações dos empregadores estão organizando um fundo de trilhões de cruzeiros para garantir a eleição de 300 candidatos para a Assembleia Constituinte, “soberana e independente” do ano vindouro. Nesse caso, a atuação da classe dominante é preventiva. Ela quer evitar que possa sofrer restrições legais, embora o seu domínio não dependa de textos escritos.
Desde já, todos os nossos políticos (com exceção do PT e de organizações recém legalizadas) estão unânimes que a constituição tem que declarar o Direito à propriedade que para eles é sinônimo de “liberdade” e “democracia”.
O que fazer frente à semelhante Constituinte? Evidentemente não podemos dizer aos trabalhadores que a Constituinte resolverá os seus problemas. Isto seria entrar no coro das mentiras da política burguesa. Devemos ignorá-la? Boicotá-la? Mas, tal atitude nos isolaria completamente da vida política do país. Temos que estar presentes, pois justamente há ilusões sobre os resultados dos trabalhos da Assembleia, e, por isto, a nossa obrigação é estar presente com alternativas às propostas e resoluções que surgirão naquele recinto.
Qual é o sentido, então, qual é a finalidade da nossa participação na Constituinte? Considerando que, durante um período extenso, os trabalhos da Assembleia estarão no centro das atenções políticas do país (em maiores proporções do que acontece com a rotina do Congresso), temos uma oportunidade única para tornar público não só o nosso Programa, como os meios de chegar até lá. Um partido que combate o capitalismo, o imperialismo e a exploração do homem pelo homem tem que apresentar a alternativa para este estado de coisas. Isto quer dizer que sua representação na Constituinte tem que tornar-se porta-voz do Brasil Socialista.
Propomos três reivindicações fundamentais:
1) estatização dos bancos e das grandes indústrias;
2) desapropriação das propriedades imperialistas;
3) nacionalização das terras e sua entrega aos que nelas trabalham, de forma coletiva ou individual.
Esses três pontos não esgotam ainda o retrato do Brasil Socialista. Mas criam os seus fundamentos, quebrando o poder das classes exploradoras. Representam igualmente as condições sine qua non de qualquer futuro desenvolvimento socialista no Brasil.
Isso não limita as tarefas de uma representação de trabalhadores na Constituinte. Outra é o desmascaramento do funcionamento da democracia burguesa. Nesse campo temos de retornar às críticas dos clássicos. Foi Marx quem denunciou que as eleições de quatro em quatro anos, sem possibilidade de revogar os deputados que, fracassaram na defesa das reivindicações populares ou que se passam para o lado da burguesia, tira dos eleitores o controle dos eleitos.
Um segundo recurso que a classe dominante tem para controlar os trabalhos do Legislativo é a divisão deste em duas câmaras: a criação de uma segunda câmara, o Senado, com direitos a obstruir ou barrar leis incômodas para a classe dominante ou fração desta, quando os “representantes populares” levam longe demais a sua soberania.
Um terceiro recurso é o veto presidencial, que permite ao Executivo mutilar e abolir praticamente qualquer lei incômoda. São esses truques do jogo parlamentar, que facilitam o controle do legislativo e que contribuem para que qualquer democracia burguesa não passe de um instrumento das classes dominantes.
Temos que reivindicar, portanto, também:
1) revogabilidade, a qualquer momento, da eleição de deputados pelos seus eleitores;
2) estabelecimento de uma câmara única;
3) abolição do veto presidencial;
Evidentemente não acreditamos que o Estado atual possa enfrentar essas tarefas. Socializar a indústria e a terra só poderá ser feito por um Estado dos Trabalhadores e um Governo dos Trabalhadores.
Não acreditamos tampouco que a Assembleia Constituinte aceite nossas sugestões. Trata-se para nós de propagar o Brasil Socialista, como alternativa à sociedade capitalista exploradora, com suas misérias, crises latentes e agudas e injustiças sociais.
– Então é pura propaganda? – ouvimos dizer de muita gente, em tom de depreciação. É verdade, é propaganda, mas sem propaganda não há atividade política, principalmente atividade em prol do socialismo. Quem renuncia consciente ou inconscientemente à propaganda, renuncia à atividade em torno do objetivo final. Temos que semear para poder colher. Por milagre o capitalismo não se extinguirá neste país.
Porém, com esta atividade não se esgotam as tarefas de uma representação dos trabalhadores na Assembleia Constituinte. Além de velar pelo futuro, temos de cuidar do presente. Outro aspecto é a discussão das leis fundamentais, onde temos de intervir. Não devemos esquecer que a Constituinte foi convocada para elaborar uma superestrutura jurídica para o funcionamento do atual domínio de classe. Refletindo as atuais relações de forças existentes no país, a maioria dos deputados procurará o domínio da classe dominante, criando uma aparência democrática de governo “de todo povo”. Nossa tarefa não consiste em colaborar neste esforço, nem em contribuir para que se produza uma Constituição que permita este intuito. O que podemos visar é criar um ponto de partida mais favorável para os trabalhadores em geral e a classe operária em particular nas lutas que virão. De resto, temos de ter alternativas radicais contra as propostas que fortalecem o poder dos patrões e a propriedade dos meios de produção. Importante é que não deixemos ilusões a respeito da Constituição que sairá da Assembleia. Ilusões desarmam os trabalhadores e enfraquecem a sua luta contra o poder burguês. E a fraqueza ou a força dos trabalhadores – seu grau de consciência e de organização – fazem igualmente parte da constituição real do país.
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Os trabalhadores e a Constituinte – Erico Sachs