“Abaixo e à esquerda” define grupos que se mobilizam contra a Copa
Foto de Caio Castor
Quem são os grupos que protestam contra a copa?
Por Beatriz Macruz e Caio Castor do blog Viomundo
Mais de 100 coletivos, grupos e movimentos políticos, sociais e culturais assinaram o manifesto do ato “15M – Copa sem povo, tô na rua de novo”, que reuniu certa de 7000 pessoas no dia 15 de maio, e que começa com a seguinte frase:
“O Comitê Popular da Copa SP (articulação horizontal e apartidária de movimentos sociais, organizações, coletivos e indivíduos) desde 2011 se organiza para denunciar as violações de direitos humanos e fortalecer a resistência abaixo e à esquerda contra a violência estatal que se intensifica com a Copa da FIFA de 2014.”
Em comum, além de questionar a realização da Copa no Brasil, todos os grupos signatários, que apoiaram a realização do ato, entendem estar “abaixo e à esquerda”, expressão cunhada pelo Movimento Zapatista (EZLN). Sublinhar esta referência é importante, pois ela evidencia a mudança de paradigma de organização e ação política que dá o tom da maioria das mobilizações em torno da realização da Copa no Brasil.
“A gente tem um tipo de organização que não podemos chamar de trabalho de base, preferimos dizer que é uma construção coletiva”, define Vanessa Santos, integrante do Comitê Popular da Copa – SP, que faz parte de uma articulação nacional de comitês nas outras onze cidades que vão receber os jogos da copa do mundo.
Vanessa dá exemplos de como funcionam o diálogo e a construção de pautas e mobilizações coletivamente: “Os ambulantes, por exemplo; o trabalho autônomo, é uma pauta muito forte [por conta da áreas comerciais exclusivas para a Fifa previstas na Lei Geral da Copa], então a gente faz uma série de atividades junto com eles, para a gente poder construir juntos argumentos, sobre o que é que essa Copa do Mundo não corresponde com a pauta deles”, explica.
Ela lembra que o Comitê abraçou o mote “Copa sem povo, tô na rua de novo”, a partir de uma reunião com a Frente de Resistência Urbana, “da qual fazem parte vários outros coletivos; e a gente entende que esse é o trabalho do Comitê, estar junto com eles. Então, o fato de a gente ter esse lema, que nem fomos nós que colocamos, que veio dos próprios movimentos, mostra que nosso trabalho de três anos deu resultado.”
Várias frentes de resistência
“O Comitê é uma das articulações em relação à Copa do Mundo, existem várias delas”, explicou o coordenador do MTST – Movimento dos Trabalhadores sem Teto, Guilherme Boulos, durante o ato convocado pelo movimento, que aconteceu na quinta-feira, 22 de maio, exatamente uma semana depois do ato 15M, “nós estamos articulados na Frente de Resistência Urbana [que reúne principalmente grupos que lutam por moradia digna em várias cidades brasileiras], mas mantemos uma relação com os companheiros do Comitê, que estão aqui hoje, apoiam os atos, e nós também apoiamos as atividades que eles constroem.”
Segundo os organizadores da manifestação — que trazia (bem como de todas a mobilizações do MTST em torno da Copa) o mote “Copa sem povo, tô na rua de novo” — aproximadamente 20 mil pessoas se reuniram no Largo da Batata manifestando-se pelo que o MTST e a Resistência Urbana chamaram de“Campanha pelo Hexa de Direitos”.
O coordenador do MTST reitera que o legado social da Copa é negativo, uma vez que “a Copa evidencia uma série de contradições: gastos públicos com estádios e com obras que vão ter uma finalidade pública e social bastante duvidosa, ao mesmo tempo que se dá todo este processo de exclusão urbana também proporcionado pela Copa”.
Copa pra quem?
“Como a gente entende que a Copa não é para a gente, decidimos realizar uma copa que fosse nossa”, conta Vanessa. Em dezembro do ano passado e em maio deste ano aconteceram a 1ª e a 2ª edição da Copa Rebelde dos Movimentos Sociais, organizada pelo Comitê e coletivos parceiros de maneira autônma.
“Essa copa aconteceu em um terreno bem simbólico, que fica em uma região conhecida como Cracolândia, que tem um número grande de população em situação de rua”, explica.
O terreno em questão é o espaço que foi anteriormente ocupado pela antiga Rodoviária da Luz, alvo de acirrada especulação imobiliária, mas que está, neste momento, abandonado.
“A gente sabe que tem um projeto, um projeto que já custou milhões só pra ser desenhado para esse terreno, e para o qual a população não foi consultada, que não corresponde com a população que mora e que vive ao redor daquele terreno”, completa Vanessa.
“Por isso resolvemos ocupar esse lugar simbólico com a realização da Copa Rebelde”, na qual se juntaram 32 bandeiras de movimentos, coletivos e grupos sociais da cidade de São Paulo, incluindo times da população em situação de rua e que vivem nos cortiços no entorno da antiga rodoviária.
Outro coletivo político que propõe novos paradigmas de mobilização e se somou às atividades do Comitê Popular da Copa é o Movimento Passe Livre (MPL-SP), um dos principais articuladores da jornada de lutas contra o aumento da passagem de transporte público que eclodiu em junho de 2013.
Já naquele momento, em meio à variedade de pautas e atores políticos que pouco a pouco engrossaram o complexo caldo de mobilizações que tomou a cidade de São Paulo, e depois diversas outras capitais brasileiras, o MPL buscou reiterar o caráter anticapitalista e autônomo da sua forma de mobilização pelo transporte público e a tarifa zero.
Segundo porta-vozes do coletivo, foi nessa mesma toada que o MPL-SP começou a discutir os impactos da Copa do Mundo desde que foi anunciada, em 2009.
“Fizemos um seminário sobre as alterações na política de transportes por conta da Copa, buscando articular a luta por transporte com demais lutas urbanas. As obras envolvendo a Copa do Mundo reproduzem um modelo autoritário de cidade, no qual as pessoas não participam das decisões acerca dos investimentos que serão feitos. É uma cidade construída para a circulação do capital e para o aumento da exploração dos trabalhadores; o transporte também se organiza dessa maneira. Nesse sentido lutar pela tarifa zero e questionar as obras da Copa do mundo se inserem na luta por uma cidade que esteja à serviço dos trabalhadores e trabalhadoras que cotidianamente a constroem.”
“Sempre tivemos o Comitê Popular da Copa como um aliado, tentamos construir conjuntamente alguns debates e mobilizações” esclarecem os porta-vozes, “nós participamos das duas Copas Rebeldes, e quanto aos atos do mês de maio também participamos das reuniões organizativas e de sua construção.”
A bateria da Fanfarra do M.A.L. (ou do Movimento Autônomo Libertário) participou das duas edições da Copa Rebelde. “A Fanfarra não é um movimento social, mas a partir dos nossos princípios [de horizontalidade, solidariedade, autonomia, poder popular, apartidarismo, combatividade e anticapitalismo] apoiamos e integramos lutas contra injustiças sociais. Entendemos que não existe Copa boa, que se mobilizar contra ela é legitimo, as pautas da moradia, do transporte, do acesso à cidade vão bem ao encontro do que acreditamos e tentamos emitir através de nossas músicas e presença nos atos”, afirmam as porta-vozes do coletivo que busca fortalecer, potencializar e agitar manifestações populares com sua bateria e suas composições.
A Fanfarra também participou de alguns atos da frente “Se não tiver direitos, não vai ter Copa”.
“Chegamos a dar oficinas de bateria em alguns dos atos”, afirmam as porta-vozes, “por acreditar que se deve existir uma autonomia entre manifestantes, não vemos diferenças entre as frentes [de luta em torno da Copa], mas optamos por construir com os movimentos populares no Comitê, por uma afinidade política”.
Se não tiver direitos, não vai ter Copa?
Além da Resistência Urbana e do Comitê Popular da Copa, a articulação de coletivos que se reúne sob o lema “Se não tiver direitos, não vai ter Copa”, composta por outros grupos e coletivos, foi a responsável pelas primeiras seis mobilizações em torno da copa que ocorreram em São Paulo desde janeiro de 2014, e que sofreram muita repressão policial em seu início, e cujo lema “não vai ter Copa” foi extensamente questionado na imprensa e nas redes sociais.
Por outro lado, Rafael Padial, membro do coletivo Território Livre, que participou da construção destes atos, enxerga muita semelhança entra as pautas defendidas pelo “Não vai ter Copa” e as outras: ’é claro que [a frente] “Se não tiver direitos, não vai ter Copa” tem vários grupos, e por isso tem várias pautas diferentes. Mas a maioria dos grupos tem uma proximidade de pauta, de programa com os grupos do Comitê Popular da Copa”, explica.
A frente “Se não tiver direitos, não vai ter Copa” é composta principalmente pelos grupos Território Livre, Fórum Popular de Saúde, O Protesto não pára, e um segmento do grupo Anonymous, além de militantes autônomos e independentes.
Segundo Rafael, “o Território Livre é o único que destoa, porque somos os únicos que pedimos o cancelamento da Copa — com a perspectiva de que seria uma demonstração de força do povo, e uma derrota para o governo, que permite ao povo, estando mais forte, reivindicar os seus direitos depois”.
Mas ele explica que o que de fato separou a articulação do “Não vai ter Copa” do Comitê foi “a vontade de ir para a rua antes, ou não; de acompanhar a juventude radicalizada que não saiu das ruas desde junho passado. A maioria destes grupos tem a perspectiva de usar a Copa para negociar direitos.”
O povo na rua de novo
Apesar das diferenças de método e/ou programa, Vanessa Santos pondera que o Comitê acha “muito sadia” a variedade de grupos que problematizam o tema e ocupam a rua. “Conversamos com esses outros coletivos, tanto é que o ato 15M foi um ato unificado. Foi o sétimo ato que saiu às ruas problematizando essa questão da copa, os seis atos anteriores foram os atos chamados pelo “Não vai ter Copa”, e durante todo esse tempo a gente [do Comitê] perguntou “Copa pra quem?”, chegou a hora de responder”, afirma.
Como São Paulo, além de sediar algumas partidas, vai receber também o congresso da FIFA, há uma série de protestos programados para a cidade.
Guilherme Boulos, do MTST, considera qualquer tentativa de apropriação de pauta por parte da direita como ilegítima e diz que será condenada pelo movimento.
“A direita é especialista em distorcer e ressignificar pautas populares. O que nós achamos lamentável é que determinados setores, que historicamente eram relacionados à luta dos trabalhadores, à luta popular, se valham desta argumentação para deslegitimar mobilizações populares. A gente se diferencia deste discurso e da apropriação da direita na prática, se mobilizando, e à medida que vamos clarificando nosso discurso.”
Ele afirma que a questão não é ser contra a Copa: “Não é este o debate que está colocado no MTST, é denunciar as contradições que a Copa traz, e ao mesmo tempo aproveitar este momento para o atendimento das nossas reivindicações, se a Fifa e as empreiteras foram atendidas, os trabalhadores também precisam ser atendidos”.
O ato do MTST foi, até agora, a maior mobilização em torno da Copa na cidade de São Paulo; reuniu aproximadamente 20 mil pessoas que caminharam desde o Largo da Batata, na Av. Faria Lima, até a Ponte Estaiada, em luta e apoio às reivindicações do movimento e a problematização da Copa.
Enfrentaram o fantasma da estranha manifestação de 17 de junho de 2013, ocorrida quase um ano atrás, em que a luta contra o aumento da passagem sofreu uma guinada e foi diluída em pautas diversas, que nem sempre tinham a ver com a linha política autonomista e anticapitalista que o Movimento Passe Livre procurou imprimir ao movimento. Falou-se em “invasão coxinha” e “sequestro de pauta” pela direita.