Eleições na UE: antessala da última oportunidade para a unidade?

Michael Roberts – 9 de Junho de 2024
Tradução revisada por Sebastian Gimenez

A Europa está em ebulição. O recente avanço dos partidos de extrema direita nas eleições do parlamento europeu, o alinhamento canino a liderança dos Estados Unidos e aos ditames expansionistas da OTAN são manifestações mais visíveis da crise capitalista mundial que se arrasta a longo tempo. Neste artigo, Michael Roberts traz à luz as bases econômicas dessa crise, terreno esse em que se movimenta a luta de classes e que pode contribuir para a compreensão dos acontecimentos mais recentes na Europa. (CVM)

 

As eleições para a Assembleia Europeia ou Parlamento da União Europeia (UE) terminam hoje.  Os cidadãos de 27 estados membros da UE votam em 720 membros da Assembleia.  As atuais sondagens de opinião sugerem que os dois principais grupos de membros ‘centristas’ (a Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas de centro-esquerda e o Partido Popular Europeu de centro-direita) perderão mais terreno para aqueles à esquerda ou à direita do centro; mas particularmente os chamados partidos da ‘direita dura’ na UE.

Estes partidos de direita opõem-se geralmente à imigração, o avanço da integração econômica e política da UE, o fim das políticas ‘verdes’ e ainda estão relutantes em endossar a política externa das lideranças da UE que apoia os EUA e a OTAN na guerra na Ucrânia.  A ‘direita dura’ está dividida em muitas destas questões, mas ainda possui potencial de ganhar votos devido à fraca expansão econômica europeia, especialmente desde o fim da crise pandêmica da COVID, quando os padrões de vida caíram devido à elevada inflação dos preços, à estagnação da produção e ao declínio das exportações e do investimento.

A economia ’Europeia’, (se a considerarmos como uma unidade regional), tem estado em sérios apuros.  Após cada crise econômica global (A Grande Recessão de 2008-9 e o colapso da Pandemia de 2020), a economia tem lutado para se recuperar, fracassando na tentativa de regressar à sua trajetória anterior de crescimento (enfraquecimento), pior ainda quando comparada com os EUA.

Na verdade, a história econômica da Europa desde que formou as suas diversas entidades políticas e econômicas (Mercado Comum, União Europeia, Zona do Euro) tem sido de relativo declínio no século 21.  Na década de 1980, a Europa contribuiu com 25% do PIB mundial, enquanto crescia cerca de 2% ao ano.  Na década de 2020, o percentual de participação da Europa no PIB mundial caiu para menos de 15%, com um crescimento de apenas 1% ao ano.

De fato, em 2023, os principais países centrais, como a França e a Alemanha, estavam em recessão total, após dois anos de inflação acelerada impulsionada pelos elevados preços da energia, na medida em que o gás e o petróleo russos baratos foram abandonados, (como parte das sanções contra Rússia) em favor do caro gás líquido importado dos EUA e de outros lugares.  Como resultado, o setor industrial da Europa tem se contraído nos últimos dois anos (no gráfico, abaixo de 50 significa contração).

O crescimento do investimento tem sido muito fraco (e inexistente nos setores produtivos como a indústria transformadora).

Ainda existem grandes disparidades entre o núcleo rico da Europa e os estados mais pobres da UE, ou seja, aqueles na Europa Oriental que aderiram após o colapso da União Soviética e obtiveram a adesão em 2004 e aqueles nas partes do sul da região.  Contudo, a relativa estagnação na Europa Central, especialmente nos últimos anos, significou que os novos membros de 2004 reduziram um pouco a disparidade nos padrões de vida em relação ao centro.

Em 2004, 75 milhões de pessoas de dez países candidatos tornaram-se cidadãos da UE. Entre 2004 e 2019, o PIB per capita destes países quase duplicou. Segundo o Banco Mundial, com base na sua medida de PPP [NT: Purchasing Power Parities, Paridades de poder de compra] oito dos dez países que aderiram à UE em 2004 pertenciam ao grupo de rendimento médio em 2004 (exceto Chipre e Malta), e estão agora no grupo de rendimento elevado.  Um estudo calcula que quase um terço do seu atual nível de vida pode ser atribuído à sua adesão à UE (a abertura do comércio, fácil circulação de fluxos de trabalho e de capitais, bem como financiamento social da UE).  Isso contribuiu com cerca de metade do aumento do PIB per capita entre 2004 e 2019.

Mas, até certo ponto, esta ‘convergência’ (experimentado por todos os novos participantes na UE no passado) é uma ilusão.  O crescimento mais rápido do PIB real per capita em relação ao núcleo foi alcançado principalmente pela queda da população e não por um crescimento mais rápido da produção nacional.  As pessoas nos estados pobres da Europa Oriental emigraram para os estados ocidentais em busca de trabalho, tal como as pessoas nos estados do sul de Espanha, Itália, Portugal e Grécia tinham feito no passado.  Eles enviaram dinheiro de volta e assim o PIB por pessoa aumentou.

Aliás, um grande problema para a Europa é o provável declínio da população (particularmente da população em idade ativa), à medida que as taxas de fertilidade caem. Existe cinco países no mundo onde se prevê que a força de trabalho cresça mais de 10 por cento nos próximos 35 anos. São eles a Irlanda, Austrália, EUA, Canadá e Noruega.  Prevê-se que dois outros países, o Reino Unido e a Suécia, tenham aumentos entre 5 e 10 por cento. Todos os outros países desenvolvidos devem esperar a diminuição da sua população ativa.  No Japão, já está caindo e prevê-se que diminua 35 por cento até 2050.

A Alemanha enfrenta um declínio de quase 30 por cento; Portugal, Itália e Grécia em mais de 20 por cento.  Os dez principais países com a redução mais rápida da população estão todos na Europa Oriental, de acordo com Projeções da ONU. Estima-se que a Bulgária, a Letônia, a Moldávia, a Ucrânia, a Croácia, a Lituânia, a Romênia, a Sérvia, a Polônia, a Hungria vejam a sua população diminuir 15% ou mais até 2050. Para a Ucrânia, essa previsão aumentou.

A Bulgária é o país que encolhe mais rapidamente do mundo, com sua população devendo cair de 7 milhões em 2017 para 5,4 milhões em 2050. Na Letônia, estima-se que a população diminua de 1,9 milhões em 2017 para 1,5 milhões, enquanto na Moldávia estima-se que a população diminua de 4 milhões para 3,2 milhões.

A Europa precisa compensar este déficit demográfico com um aumento significativo da produtividade.  Mas os níveis de produtividade da Europa (não obstante, se mede isso generosamente) permanecem 25% abaixo em ralação aos EUA, que também experimentou uma desaceleração em seu crescimento de produtividade desde a década de 1990.

Neste momento, muitos países dependem de uma série de regimes de apoio e isenções da UE que visam atenuar o golpe financeiro da pandemia de Covid-19, incluindo o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR), que viu os países da UE emitirem dívida conjunta pela primeira vez. Continuam a proporcionar uma tábua de salvação aos países com mais dívidas.  A UE está investindo bilhões de euros em projetos verdes e digitais através deste fundo específico — no valor de mais de 700 bilhões de euros.  Mas isto deverá acabar no final de 2026 e a Alemanha e a França estão divididas sobre a manutenção da despesa pública e dos subsídios da UE para sustentar o crescimento à custa do aumento déficits e dívida; ou redução para cumprir metas orçamentárias anteriores da UE.

Uma área onde não serão impostos limites de despesas é a defesa.  A mensagem dos governos partidários centristas do Norte da Europa é que a OTAN e os EUA devem ser apoiados na sua guerra com a Rússia pela invasão da Ucrânia.  A Finlândia e a Suécia, anteriormente ‘neutras’ na OTAN, aderiram agora, alegando uma ameaça russa à ‘democracia europeia’.  A mensagem dos líderes europeus para os seus cidadãos é ’prepare-se para a guerra.‘  Os gastos militares aumentaram 7% este ano, com uma meta de 2% do PIB para cada membro da OTAN.  Isso consumirá as despesas civis durante o resto deste próximo parlamento da UE.

O setor capitalista da Europa está profundamente preocupado.  Eles temem ser espremidos entre os EUA e a China em sua intensificação da guerra geopolítica, com as exportações para a China, um mercado anteriormente grande, caindo enquanto o investimento na China é revertido sob instruções dos EUA.  A guerra na Ucrânia já atingiu gravemente a indústria europeia e aumentou os custos em todos os níveis.

A rentabilidade do capital no centro da Europa caiu gravemente desde o fim da Grande Recessão e durante a Longa Depressão da década de 2020 e sem recuperação após a queda da pandemia de 2020.  A rentabilidade da França caiu mais de 30%, a da Alemanha mais de 25%.

Fonte: base de dados AMECO

Mesmo os novos estados membros no leste (exceto a Polônia) viram a rentabilidade cair.


Fonte: base de dados AMECO

O declínio relativo da Europa econômica e politicamente parece destinado a continuar durante este próximo período da Assembleia da UE, e com a crescente divisão e conflito na Assembleia e entre os Estados-Membros sobre que direção tomar.  A participação eleitoral nas eleições para a Assembleia é baixa: 42-51% nas últimas quatro votações.  Curiosamente, os estados da Europa do Leste que ganharam mais economicamente (pelo menos para o setor empresarial), têm os índices mais baixos em votações (todos bem abaixo de 40%).

Isso não significa que a UE esteja a caminhar para uma dissolução.  Ainda existe um forte apoio entre os cidadãos da Europa à ideia de um ‘Europa unida’, embora o apoio tenha diminuído desde a pandemia e a subsequente espiral inflacionista.

No decorrer da Longa Depressão da década de 2010, após a crise financeira global e a crise da dívida do euro, não é de surpreender que a maioria dos cidadãos europeus considerasse que a economia estava no mau caminho.  Agora as pesquisas mostram que o sentimento é de meio a meio, dividido de forma equilibrada.  Geralmente são as pessoas que se consideram de esquerda que demonstram o maior apoio à continuação da UE.  Mas a maioria daqueles que se consideram de direita também são a favor –, mesmo quando existem governos céticos na UE, como a Hungria ou a Eslováquia.  É apenas na França e no Reino Unido que a maioria dos eleitores de direita quer deixar a UE.  O Reino Unido se retirou em 2020, com resultados terríveis para a economia e as famílias do Reino Unido.

No entanto, se as economias da Europa continuarem a perder terreno e o capital europeu for cada vez mais espremido pela batalha de poder global entre os EUA e a China, esse apoio majoritário à ideia da UE poderá dissipar-se na próxima Assembleia da UE.

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