As greves no primeiro semestre de 2023: romper as barreiras que impedem o avanço da luta!
Cem Flores – 15.09.2023
Foto: Operários/as da refinaria da Petrobrás em Canoas (RS) em greve no início de 2023. Enfrentando os patrões, os pelegos e a “justiça”, a combativa greve na refinaria indica o caminho a se seguir: para avançar na luta, é preciso organização pela base e independência frente aos patrões, governos e seus serviçais pelegos.
De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), ocorreram 558 greves no Brasil durante o primeiro semestre de 2023. Uma queda de 17% em relação ao mesmo período do ano anterior, puxada sobretudo pelo setor público. Após dois anos de pequeno crescimento nas greves, 2023 está reforçando um cenário de estagnação na luta sindical no país.
Descobrir e combater os fatores que impedem o avanço da luta em conjuntura de perdas salariais e precariedade nas condições de trabalho é de fundamental importância para as classes trabalhadoras. Motivos não faltam para inúmeras categorias reforçarem sua resistência, assim como os exemplos do último ciclo de greves no país, cujo pico completa uma década, mostram que é possível enfrentar a sanha dos governos e dos patrões. Barrar a atual ofensiva de classe burguesa, que continua no país, só será possível com o avanço da luta nos locais de trabalho, nos bairros e nas ruas!
Leia as publicações do Cem Flores sobre as greves no Brasil:
– Panorama das greves no Brasil: a necessidade de ampliar a resistência das classes trabalhadoras, de 10.09.2022.
– As greves no primeiro semestre de 2022: um começo de reação das classes trabalhadoras?, de 06.12.2022.
– O avanço das greves em 2022: continuar as lutas por melhores salários e condições de trabalho!, de 13.03.2023.
A pequena reação das greves após a crise da pandemia
Entre 2013-16, ocorrem cerca de 2 mil greves anuais no país. A partir de 2017, esse número caiu paulatinamente até chegar em 2020, no auge da pandemia, com apenas 649 greves. Além do risco sanitário e das quarentenas, que influenciaram na forte queda, também é preciso considerar o elevado desemprego resultado das históricas crises de 2014-16 e 2020. A taxa ampliada de desemprego, calculada pelo IBGE, ficou acima dos 20% nesse período de queda das greves, reduzindo o poder de barganha das classes trabalhadoras. A informalidade também cresceu muito, com dezenas de milhões de trabalhadores/as tendo que se virar como podiam, realizando alguma atividade por conta própria, por exemplo.
Associada às crises econômicas no país, houve também uma ofensiva dos patrões e de seu estado. A repressão atingiu novos patamares, também como reação ao ciclo de lutas anterior. A maior integração e intervenção das corporações militares, dentre outras ações de estado de exceção se tornaram cotidianas em atos e mobilizações. Uma nova força política, fascista, consolidou-se no país. A legislação se tornou bem mais avessa à luta sindical, sobretudo após a reforma trabalhista de 2017.
Para completar, a hegemonia do peleguismo nas entidades sindicais e movimentos populares também é um fator fundamental para explicar a queda das greves no país. Os pelegos sempre apostaram na subordinação aos patrões e no atrelamento com o estado. Assim, cumpriram um papel de desorganizar as massas exploradas para a luta. A taxa de sindicalização caiu em todo o período do petismo e continuou a cair com Temer e Bolsonaro. Com o estourar da crise econômica, em contexto de luta mais dura, o movimento sindical pelego não reagiu. Apostou novamente na via institucional e no retorno à máquina governamental, numa frente política envolvendo o patronato e a direita. Quem não se lembra das lives das centrais sindicais no 1º de maio com FHC, Rodrigo Maia, Lula, enquanto as massas exploradas sofriam com desemprego em massa, contaminação e cortes de salários e de conquistas?
Em 2021 e 2022 houve uma pequena reação das greves no país. Em 2021, foram 721 greves, um crescimento de 11% em comparação com o ano anterior. Dentre elas, a greve dos/as operários/as da GM em São Caetano do Sul. O aumento das greves foi puxado pela carestia, que explodiu em 2021. Ao mesmo tempo, as greves também foram influenciadas pela “normalização” da pandemia e pela redução paulatina do imenso desemprego do período anterior.
Em 2022, esses fatores persistiram e as greves chegaram a 1.067. Desde 2019 não ocorriam tantas greves. Grandes exemplos foram as lutas dos/as garis no Rio de Janeiro e dos/as operários/as da CSN. A pandemia continuou a recuar, mas a inflação continuava a corroer o poder de compra das massas, defasando ainda mais os salários. Com o segundo ano seguido de recuperação econômica após a crise da pandemia, o desemprego amplo ficou abaixo dos 20% pela primeira vez desde 2015.
A ofensiva burguesa, representada pelo governo Bolsonaro, continuava em 2022, assim como o peleguismo reinante no movimento sindical, que apostava todas as fichas nas eleições daquele ano. Mas as enormes perdas salariais empurraram muitas categorias para a luta, sobretudo do funcionalismo público, cuja situação contratual dá mais segurança à atividade sindical. O funcionalismo público foi o setor que puxou o aumento das greves em 2022, com mais da metade (54%) da quantidade e parcela ainda maior das horas paradas (70%). O setor privado desde 2020 não rompe o patamar de cerca de 400 greves anuais.
As greves no primeiro semestre de 2023 e as formas de sabotagem do novo governo à luta das classes trabalhadoras
Houve 558 greves no primeiro semestre de 2023, uma queda de 17% em relação ao mesmo período do ano anterior, como vimos. O número de horas paradas caiu pela metade: cerca de 20 mil horas, voltando ao patamar de 2021. Tais resultados apontam para uma estagnação das greves no país.
O funcionalismo público, que puxou as greves no período anterior, teve a queda mais expressiva nesse período em 2023 (22%). De 417 greves no primeiro semestre de 2022 para 323. O setor privado caiu de 234 para 209. As empresas estatais tiveram o pior resultado de greves em anos: apenas 16 greves.
Segundo o DIEESE: “de modo esquemático […] as greves do primeiro semestre de 2023 poderiam ser descritas, sucessivamente, em três momentos: inicialmente, na esfera privada, pelo pagamento de salários em atraso; depois, entre profissionais docentes do funcionalismo público, pelo pagamento do reajuste do piso salarial; e, por fim, entre o funcionalismo público, em sentido amplo, pelo pagamento de reajustes salariais com reposição da inflação acumulada”.
Em relação ao caráter das greves, as pautas defensivas continuam prepronderantes, como a luta por pagamento de salários atrasados, que se destacaram no início do ano, sobretudo no setor privado. Apesar disso, as pautas propositivas, como reajuste salarial, estão maiores se comparadas ao período da pandemia. Essa última pauta esteve presente em 41% das greves, seguida da luta por pisos salariais, que envolve por exemplo várias categorias de professores e enfermeiros em todo o país.
Enfermeiros e professores se lançaram à luta por seus salários em vários estados no primeiro semestre de 2023.
A base de dados do DIEESE continua com poucos registros de resultados das greves no país. No primeiro semestre do ano, há apenas informações sobre 30% das greves realizadas. Nessa amostra, o atendimento das reivindicações se mostra bem semelhante ao ano anterior. 65% das greves tiveram pelo menos atendimento parcial das demandas. Em 2023, importante lembrar, a pressão inflacionária tem diminuido paulatinamente, reduzindo assim o percentual de reajuste necessário para cobrir perdas salariais do ano anterior. Em agosto de 2022, o reajuste para cobrir perdas de 12 meses era de 10%, e hoje 3,5%. Como resultado, os reajustes salariais acima da inflação foram maioria (76,5%) no primeiro semestre de 2023, mesmo com enfraquecimento das greves. Mas não podemos esquecer das perdas acumuladas dos períodos anteriores, que seria necessário recuperar também, pela luta e pelas greves.
Essas perdas salariais acumuladas de 2021 e 2022 continuam altas em várias categorias, junto à carestia de vida ainda nas alturas. No final de 2019, em SP, com R$ 500 era possível realizar uma compra mensal de alimentos básicos no mercado, segundo o DIEESE. Hoje, para comprar os mesmos alimentos, se gasta quase R$ 800. Um aumento de 60% em 3 anos e alguns meses. Enquanto isso, o salário mínimo aumentou apenas 30%. A exploração também só aumenta, com terceirização em larga escala, recorde do chamado “trabalho análogo à escravidão”… Razões não faltam para a luta sindical crescer em 2023.
A presença majoritária do peleguismo no movimento sindical, dominando o grosso da máquina sindical e boicotando a organização e a luta das bases, continua a ser uma grande barreira a essa luta hoje. Ainda mais agora que o reformismo voltou ao governo federal. Como ocorrido nos outros anos de governo do PT, o movimento sindical está largamente cooptado através de cargos e financiamento e se tornou novamente uma correia de transmissão desse governo dos patrões.
O atual governo e seus braços no movimento sindical e popular, assim, agem ativamente para conter a revolta das massas trabalhadoras, enrolá-los com mil promessas e espaços de “participação” nas instituições burguesas e suborná-los aos interesses dos patrões. Ao mesmo tempo, consolidam as “reformas” e a ofensiva de classe burguesa!
Nesse primeiro semestre de governo Lula-Alckmin, houve vários exemplos da volta dessa política de cooptação dos movimentos, desmobilizando e sabotando a luta dos/as trabalhadores/as (e, caso seja necessário, também se lançará mão da repressão aberta, como já o fez tantas vezes!). Logo no início do ano, os entregadores de aplicativo marcaram mais uma paralisação, no dia 25 de janeiro, por melhores condições de trabalho e salário. De imediato, a “militância” petista foi às redes condenar tal mobilização, afirmando que essa luta prejudicaria seu governo. Ao mesmo tempo, membros do governo começaram a se reunir com algumas lideranças da categoria, recebendo-as inclusive nos ministérios em Brasília, com várias promessas de negociação e atendimento das demandas. O resultado foi o cancelamento da data por parte do movimento, enfraquecendo e muito a paralisação, que ocorreu só em alguns locais. Nenhuma demanda, obviamente, foi atendida, e após meses de enrolação, até os movimentos que entraram na negociação do governo estão ameaçando de novo uma greve.
O desestímulo a qualquer movimento grevista, seja no setor público ou privado, também tem ocorrido em outras categorias. Afinal, para os pelegos, não estaria na hora de lutar. O próprio Lula disse recentemente, no caso do movimento no campo, que não há mais necessidade de ocupação de terras, já que agora os problemas dos/as trabalhadores/as serão resolvidos pelo governo, “sem barulho”. Isso depois de mais de uma década governando junto com o latifúndio! As direções pelegas seguem seu chefe maior, apesar de uma ou outra bravata, até porque não podem prejudicar os vários cargos que os movimentos sindical e popular têm alcançado nesse governo, fora as novas possibilidades de financiamento.
As grandes campanhas e eventos do movimento sindical desse ano foram todos em obediência ao governo. Do primeiro de maio à marcha das margaridas, ambos palcos para governo discursar, passando pela campanha contra os juros, em auxílio direto à Lula. Tais movimentos não falam pelas massas exploradas e seus interesses, muito menos são instrumentos de luta úteis à sua causa!
No dia 18 de janeiro se alinharam ao governo as duas Intersindicais, NCST, UGT, CUT, Força Sindical, CTB, CSB, Pública e Conlutas.
Seguir o caminho da independência da classe e reconstruir nossa força nas lutas concretas
Mesmo os pelegos estando bastante desacreditados, não conseguindo iludir as massas como antes, e mesmo com várias lutas se dando à revelia e contra eles, o cenário continua difícil para a luta sindical no país. Reflexo do próprio recuo da luta proletária e da crise do campo revolucionário, que poderia servir de alternativa ao peleguismo reinante.
Nosso patamar de luta está baixo no país, mas o que não falta é trabalho e construção a se fazer! Temos o desafio de continuar nas lutas por salários e melhores condições de trabalho, construindo organizações e coletivos autônomos de trabalhadores/as e rompendo com as amarras e as ilusões do peleguismo e desse novo governo.
Também é preciso aliar essa retomada e reorganização dos locais de trabalho com as formas de luta e união presentes nas periferias do país e nos enfrentamentos ocorridos no campo. Unir, nos locais onde for possível, os processos já em curso. Só assim teremos novas conquistas e barraremos os ataques que continuam no governo de Lula-Alckmin.
A difícil situação enfrentada pelas classes trabalhadoras no Brasil é também compartilhada pelos nossos irmãos e irmãs nos EUA, na China, na França… E em vários desses lugares há lutas importantes em curso, que devem servir de inspiração para nós.
A LUTA CONTINUA!
15/09/2023