Sindicatos franceses financiados pelos patrões em milhões de euros
por Anthony Torres
do site World Socialist Web Site – Publié par le Comité international de la Quatrième Internationale (CIQI). 18 de Outubro de 2013. Tradução de André Ribeiro.
Na segunda-feira, um ex-alto funcionário de organizações patronais francesas, Denis Gautier-Sauvagnac, confessou ter financiado secretamente as principais confederações sindicais francesas de trabalhadores, num montante que chega a dezenas de milhões de euros.
O ex-chefe da Federação de Metalurgia dos Empregadores admitiu diante de um juiz que as retiradas de € 16,5 milhões em recursos líquidos da caixa do Fundo Mútuo Profissional das Indústrias de Metais foram destinados aos sindicatos. Esses pagamentos foram escalonados entre 2000 e 2007.
O caso remonta a lutas internas nas camadas superiores da burguesia que se preparava para iniciar ataques contra os aposentados sob a presidência de Nicolas Sarkozy em 2007. Desde 2004, o Ministério das Finanças estudava os saques ilícitos das contas da poderosa União das Indústrias e Negócios de Metalurgia (UINM), que controlava Gautier-Sauvagnac. Ele era considerado como um rival de Parisot, dirigente do MEDEF[1] e contrário à Sarkozy em alguns aspectos.
Em 2007, Gautier-Sauvagnac surgiu devido a “quebra de confiança” e pagamento de uma remuneração adicional em espécie aos empregados da UINM.
Arnaud Leenhardt, um dos antecessores na direção da UINM (1985-1999) afirmou no dia 9 de outubro que os beneficiários dos envelopes com dinheiro eram “os cinco sindicatos representativos… Esses são os sindicatos, tal como ele disse”. Ele se refere à Confederação Geral do Trabalho (CGT), a Confederação Francesa Democrática do Trabalho (CFDT), a Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos (CFTC), a Confederação Geral de Quadros (CGQ) e a Confederação Geral do Trabalho – Força Operária (CGT-FO).
Leenhardt explicou que a burguesia tem a necessidade de controlar os sindicatos, que funcionam como organizações policiais para reprimir a classe operária: ”O patronato teve necessidade de que os sindicatos fossem fortalecidos. Quando temos as greves com reféns[2], ficamos satisfeitos de ter um sindicato capaz de canalizar esses excessos e incentivar a retomada do trabalho.”
Na segunda-feira, Gautier-Sauvagnac se retratou de suas declarações anteriores para o tribunal. “Na verdade, eu admito não ter sido suficientemente claro até agora e posso confirmar aqui a fala de Arnaud Leenhardt “, ele disse. Ele não quis dar os nomes daqueles que estavam recebendo dinheiro da UINM, por medo de que suas organizações sofram a ira irreversível dos trabalhadores.
Gautier – Sauvagnac disse que esse auxílio se apresentava sob duas formas. A primeira, sob forma de cheques, “envolveu a compra de espaço publicitário a preço de ouro ou na locação de estandes, também a preço superfaturado, ou através da compra de jornais sindicais”, listou o ex-patrão afirmando que se tratava na verdade “de uma forma de camuflar as contribuições” para o financiamento dos sindicatos. “Entretanto, isso não era suficiente, era um pretexto que tinha seus limites”, disse, passando a explicar que as contribuições restantes foram dadas “em espécie” de forma “mais discreta”.
Dominique Renaud, chefe de contabilidade da UINM, descreveu a forma como o esquema era operado: “Uma vez por semana, me dirigia ao escritório do Sr. Gautier-Sauvagnac para assinar normas da UINM. (…) Quando o senhor Gautier-Sauvagnac tinha necessidade de resgatar o dinheiro, ele me falava: ‘Precisaremos de muito dinheiro. “Peguei o ritmo de sacar 200.000 € a cada vez”.
Jacques Gagliardi, ex-diretor de estudos da UINM, declarou em 2008 que Pierre Guillen, antecessor de Gautier-Sauvagnac na direção da UINM “deu somas de dinheiro em espécie para os sindicatos … Em relação à CGT, ele me disse que deu algumas centenas de milhares de francos por ano.”
Os sindicatos não têm desmentido as palavras de Gautier-Sauvagnac. Pela intermediação de uma alta liderança, a central metalúrgica CFDT reconhece ter recebido da UINM uma assistência financeira para “reembolso de despesas para a participação em reuniões conjuntas, que a central recebeu da UINM entre 2002 e 2006, num total de 21,626.13 euros”.
Ele acrescentou: “Eu, pessoalmente, nunca ouvi falar de envelopes. No entanto, sim, a UINM nos ajudou comprando páginas de anúncios publicitários em nossos jornais ou alugando um estande na nossa conferência. Quando fomos inquiridos como parte do “caso UINM”, tudo estava nas nossas contas, a rastreabilidade dessas operações foi muito clara. Não temos nada a esconder.”
A CFDT afirma ter enviado à justiça os documentos que mostram uma contabilidade transparente. No entanto, visto que o dinheiro doado pela UINM era em espécie, é improvável que apareça no balanço contábil da organização.
Estas revelações são uma prova evidente de colaboração entre o Estado, os patrões e os sindicatos contra da classe trabalhadora. Depois de décadas em que os trabalhadores abandonaram os sindicatos em massa, as burocracias sindicais se tornaram cascas vazias, financiadas e geridas por uma aristocracia financeira.
O relatório “Perruchot”, suprimido pelos parlamentares no ano passado, documentou a falta completa de uma base financeira independente nos sindicatos: “Na França, provavelmente quase 4 milhões € são gastos por ano na atividade sindical. A maioria desses meios (90 por cento) parece vir do exercício dos direitos sindicais nas empresas e serviços públicos, enquanto as contribuições diretas de sindicalizados sob forma de contribuições representam, após dedução do auxílio fiscal, apenas 3 a 4 por cento.”
Esta dependência dos sindicatos em relação ao Estado é apenas o reflexo financeiro do colapso das bases operárias dos sindicatos e sua eliminação das lutas sociais.
Percentagem de trabalhadores sindicalizados na França – 1949 à 2004
Número de jornadas individuais não trabalhadas (JINT) devido à greve nas empresas (em milhares) – 1975 à 2004
Estes gráficos mostram o colapso dos sindicatos como organizações da classe operária ou da luta de classes.
Seu papel reacionário e pró-capitalista aparece em todos os níveis sociais e em todos os ataques contra as conquistas sociais, tais como as aposentadorias na França e em toda a Europa. Eles negociam primeiro as medidas de austeridade com os patrões e seu Estado. Em seguida, eles procuram impedir as mobilizações sociais contra a austeridade para que não se transformem numa greve geral do proletariado: isso ameaçaria o desencadeamento de uma luta revolucionária contra as suas fontes de financiamento.
Estes dados reforçam a necessidade de criar novas organizações de luta da classe operária, e um novo partido político para dar uma perspectiva socialista.
O escândalo da UINM revela a história do processo pelo qual os sindicatos são transformados: de organizações de defesa da classe trabalhadora em dos instrumentos da reação imperialista. Gautier-Sauvagnac disse que essas contribuições dadas aos sindicatos “eram uma forma de apoio que ao longo de décadas, a UINM proporcionou para as organizações dos assalariados e dos empregadores.”
Este fundo mútuo para as indústrias e metais foi criado em 1972. Ele significou o preparo de uma contraofensiva da burguesia no final dos anos 70, em resposta ao aumento das lutas operárias após a greve geral de 1968. A contraofensiva acabou destruindo grande parte da indústria siderúrgica do norte da França, com o fechamento de fábricas e demissões em massa que assolaram essas regiões.
O Partido Comunista Francês (PCF) de estirpe stalinista e seus dirigentes sindicais, aterrorizados pela iniciativa revolucionária das massas operárias em 1968, continuaram a sua integração dentro do aparelho do Estado, pelo viés de uma aliança com o Partido Socialista (PS). Ao mesmo tempo, uma camada antigamente radical de estudantes ligados a movimentos pequeno-burgueses, como a Liga Comunista Revolucionária (antecessor do Novo Partido Anticapitalista) ou Luta operária, encontrou emprego e renda na mesma burocracia.
Estes partidos, que servem de apoio ao PS e à administração reacionária do presidente François Hollande, agora insistem em dizer que apenas os sindicatos podem direcionar as lutas operárias. Isso demonstra como a “esquerda” pequeno-burguesa como um todo, tornou-se tal qual a burocracia sindical, uma força reacionária e subserviente às conspirações dos banqueiros e da aristocracia financeira.
[1] MEDEF, Mouvement des Enterprises de France, maior organização patronal da França.(Nota do tradutor)
[2] “des grèves avec séquestration” – greve na qual os operários tomam os dirigentes e patrões como reféns.(Nota do tradutor)