Reflexões sobre o texto de Michael Roberts quanto ao resultado das eleições alemãs

Lothar Wentzel

 

A análise de Michael Roberts (ver nota do CVM) é muito interessante e contém muitas observações corretas, mas não aborda o ponto crucial do problema.

Roberts constata um forte deslocamento para a direita. As direitas radicais até agora estavam divididas em diferentes partidos, que compreendiam cerca de 10% dos votos. A novidade é que elas se juntaram num partido (AfD) que agora obteve 12,6%. Isso ainda não significa um forte deslocamento para a direita.

Os votos se redistribuíram de novo no campo burguês, tendo o lado da direita liberal ganhado em influência. O que é mais característico é uma insatisfação geral dirigida contra os partidos do governo. O número de eleitores que não compareceram às eleições continuou alto como antes.

A propósito, os membros da AfD começam agora novamente a se dividir, por isso vale a pena examinar mais de perto os seus eleitores:

  •  Na antiga DDR (Alemanha Oriental) a participação relativa dos eleitores de direita é de duas a três vezes maior do que na Alemanha Ocidental, apesar de quase não haver estrangeiros por lá. O fracasso da DDR deixou atrás de si uma grande desorientação política. Movimentos sociais como os de estudantes, de mulheres ou ecológicos nunca existiram ali. Há pouca experiência com a auto-organização das pessoas e o pensamento autoritário é fortemente difundido. Economicamente, o leste ainda não atingiu a unificação  com o oeste. O pensamento nacional tem ali um grande significado, pois a nação  comum é o fundamento ideológico para exigir a continuidade do apoio financeiro da parte ocidental. O medo de que o apoio do oeste vinha a diminuir, por causa do dinheiro recebido pelos „refugiados“,  foi promovido pela direita. Ali também sobrevivem ambientes „conservadores“, que se sentem fortemente repelidos pelo ambiente liberal nas grandes cidades alemãs-ocidentais, a exemplo da igualdade de direitos para os homossexuais.
  •  Os operários votaram proporcionalmente mais na AfD (cerca de 19%) que o resto da população. Muitos operários se sentem como perdedores do desenvolvimento dos últimos anos, apesar de os seus salários reais terem aumentado um pouco.  É difícil conseguir um posto de trabalho seguro no núcleo sólido da força de trabalho.  Quase sempre as admissões só ocorrem com trabalho temporário. Um papel importante cumpriu a extensão da idade de aposentadoria, agora para 66 anos e, depois, para 67. Os operários não conseguem chegar a essa idade em seu emprego e têm que aceitar cortes nos benefícios, por causa das aposentadorias precoces, receando passar miséria na velhice. Há ainda também uma verdadeira concorrência em torno de postos de trabalho e de habitação com os imigrantes. A socialdemocracia implantou reformas trabalhistas já nos anos 2002-2004, que conduziram ao crescimento do trabalho precário. Por isso, eles não têm mais nenhuma autoridade junto a muitos operários. O Partido da Esquerda (Linkspartei) levantou essas questões, mas ainda não está suficientemente enraizado na classe operária. Na Grã-Bretanha, Corbyn mostra como se pode levantar politicamente essas questões na esquerda. Isso faz falta na Alemanha. Muitos operários têm a sensação de não ter mais nenhuma voz. Por isso eles votam frequentemente no partido que protesta mais alto contra essa situação.
  •  Cerca de um terço dos quase 3 milhões de alemães, que no início dos anos 90 emigraram da Rússia para a Alemanha, votaram na AfD. Eles veem ameaçado o seu status de imigrantes alemães privilegiados e trazem uma forte orientação autoritária de seus tempos de União Soviética.
  •  Em ambientes conservadores, como por exemplo nas pequenas aldeias, a população se coloca bastante distanciada em relação aos processos multiculturais e à liberalização da sexualidade nas grandes cidades alemãs. Para ela, o seu modo de vida „alemão“ conservador deve ser mantido.
  •  As elites econômicas alemãs estão em sua grande maioria orientadas para o comércio mundial e interessadas numa forte União Europeia. Mas há uma minoria que continua com um pensamento nacional-alemão. Aqui também a AfD conseguiu apoiadores.

A maioria do AfD é composta por eleitores de protesto e não de eleitores convictos. O partido é muito heterogêneo, abrigando de conservadores a radicais de direita. Ele é frouxamente organizado e determinado por inúmeras lutas de frações. Não é um movimento firme, como foram os partidos fascistas. Porém, até agora não era possível na Alemanha –  também por conta da intensa preocupação com o seu passado –  que um partido de direita tivesse assento no parlamento.  Esse limite agora caiu.

O desenvolvimento político na Alemanha está em aberto. De fato, a Alemanha possui o maior setor de baixos salários, depois dos EUA, compreendendo 23% da mão de obra ocupada, mas a economia cresce e o desemprego cai. A desigualdade das condições de vida é sentida cada vez mais como uma injustiça. Tudo dependerá de os trabalhadores conseguirem se organizar politicamente, não em torno da questão nacional, mas sim em torno da questão social.

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Nota do CVM: Michael Roberts é economista britânico. Ele tem estudado os mecanismos do sistema financeiro internacional no “interior da caverna do dragão”, ou seja, no centro financeiro de Londres. Tem sido um seguidor da visão marxista da sociedade por mais de 40 anos. É autor de “A Grande Recessão” e “A Longa Depressão”, livros publicados no Brasil.

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