Entre a fuga e o retorno: Érico Sachs no exílio na Alemanha (1970-1980)

 

APRESENTAÇÃO

Érico Sachs: Homenagem a um revolucionário (1922-1986)

Há 30 anos, no dia 9 de maio de 1986, morria no Rio de Janeiro um dos mais influentes líderes da “Política Operária” e do movimento revolucionário brasileiro: Érico Czaczkes Sachs.

Nascido em Viena em 1922, emigrou com sua mãe para a União Soviética em 1934, onde estudou na escola de língua alemã de Moscou, a Escola Karl Liebknecht, também conhecida como a “escola dos sonhos”. A instituição enquadrava-se na política soviética de promover a igualdade entre as inúmeras nacionalidades do país e era destinada, em princípio, a acolher os filhos da minoria alemã da URSS. Posteriormente, abrigou também os filhos dos comunistas de língua alemã que fugiam do fascismo. Por sua qualidade e por seu ensino de vanguarda, caracterizado por abrigar experiências pedagógicas ambiciosas para a época, como a abolição das notas, a promoção do sentimento coletivo por meio de trabalhos de grupo e a relação amigável entre alunos e professores, a escola também era muito procurada por pessoas que não tinham ascendência alemã.

De volta a Viena, após os expurgos stalinistas de 1937 e o fechamento da Escola Karl Liebknecht, Érico e sua mãe presenciaram a anexação da Áustria à Alemanha Nazista, em março de 1938. A vida naquele país se tornou impossível para eles, tanto por serem comunistas, como por sua ascendência judaica, dois motivos que, isoladamente, já seriam suficientes para merecer a perseguição dos fascistas.

Érico, então com 16 anos, conseguiu fugir para a França, disfarçado de excursionista, cruzando a pé a região de florestas entre a Alemanha e a Bélgica, contando com o apoio de contatos que possuía. Na França, conheceu o dirigente e teórico comunista alemão August Thalheimer e tornou-se o mais jovem membro da Oposição do Partido Comunista daquele país (KPD-O), cuja direção encontrava-se no exílio, após a ascensão de Hitler ao poder. Esse encontro marcou-o profundamente e foiresponsável pela formação ideológica crítica e independente, que constituiu a tônica da sua atuação política posterior.

A instabilidade da situação europeia fez com que ele e a mãe saíssem da França e viajassem para o Brasil, em maio de 1939, país onde um tio paterno já havia se estabelecido. Érico trabalhou até 1948 como gráfico, participando da organização do sindicato da categoria e, depois de aprender e dominar o português, dedicou-se ao jornalismo, em especial à cobertura da situação internacional, nos jornais “Correio da Manhã”, “Correio do Povo”, “Diário da Noite” e “Jornal do Commercio”.

O registro mais antigo da atuação política de Érico no país provém de um depoimento de Antônio Candido, no qualele relata a sua participação, já no final de 1942, no “Grupo Radical de Ação Popular” (GRAP), integrado porquatro estudantes de direito, um jornalista e o próprioÉrico, descrito por Candido como litógrafo e “marxista estrito”, que os iniciava em teóricos desconhecidos, como Thalheimer e Brandler. O grupo mantinha discussões políticas e preparava documentos de oposição ao Estado Novo.

Em 1957/58, Érico ingressou no Partido Socialista Brasileiro, segundo ele próprio porque a entidade não possuía ainda uma linha política estabelecida, permitindo-lhe uma maior liberdade nas discussões internas e nos debates teóricos, com o objetivo maior de influenciar o partido como um todo. Realizava debates semanais para os jovens do Partido, mas nas eleições presidenciais de 1960 a Ala Jovem defendeu o voto nulo, o que entrou em choque com a liderança partidária, que se comprometera com a candidatura Lott, ocasionando o alijamento dos jovens do partido e impossibilitando a continuidade do uso de suas dependências para os debates políticos.

Em fevereiro de 1961, Érico participou do Congresso de fundação da “Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (ORM-Polop)”, cujas participantes provinham da Juventude Socialista do PSB do Rio de Janeiro, de círculos estudantis da Mocidade Trabalhista deMinas Gerais e da Liga Socialista de São Paulo, aos quais se agregaram alguns simpatizantes de Rosa Luxemburgotrotskistas e dissidentes do PCB.

A partir de 1960, foram editados os boletins políticos denominados “Política Operária”, logo transformados em jornal impresso (3 números), revista e novamente em jornal, em 1964. Como jornalista do “Correio da Manhã”, aproximou-se em 1963-64 do movimento dos sargentos e, pouco depois do golpe, em maio de 1964, foi preso por seis semanas em função dessas relações, respondendo a um inquérito policial militar.

Em setembro de 1969, voltou a ser preso, mas conseguiu fugir da prisão do DOPS do Rio de Janeiro, na madrugada de 8 para 9 de outubro do mesmo ano, utilizando uma corda que havia sido apreendida pela polícia e que estava guardada no mesmo recinto para o qual havia sido transferido para interrogatório. Segundo relatório da própria Polícia, Érico utilizou a corda para descer por um basculante, chegar ao teto da garagem do edifício e, daí, ganhar a via pública. Alguns dias depois, com o auxílio de companheiros, conseguiu se asilar na Embaixada do México e, cinco meses depois, obteve um salvo-conduto para viajar para a Cidade do México.

Érico residiu no México até outubro de 1970, tendo obtido abrigo na casa da pintora Sita Garst, filha de August Thalheimer. Foi lá que redigiu um dos seus trabalhos mais importantes: “Caminho e Caráter da Revolução Brasileira”. Do México, decidiu transferir-se para a Alemanha Ocidental por uma série de fatores: como havia trabalhado como tradutor na Embaixada desse país no Rio de Janeiro, tinha contatos que poderiam facilitar-lhe o exercício do mesmo ofício em instituições públicas alemãs; além disso, a concentração de exilados brasileiros na Europa Ocidental era maior do que no México e, por último, havia no país uma pequena organização política que se situava dentro das tradições da KPD-O, o grupo “Arbeiterpolitik” (Política Operária, em alemão), com a qual pretendia estabelecer contato.

De fato, já em abril de 1971, conseguiu emprego como jornalista na seção brasileira do serviço de radiodifusão alemã para o exterior, a “Deutsche Welle”, e em outubro de 1972 foi admitido como “Lektor” de português no Instituto de Tradução da Universidade de Heidelberg. Consta que Érico foi o primeiro e até hoje o único docente daquela prestigiosa Universidade que, por sua vida atribulada, sequer havia concluído o ensino fundamental.

Na Alemanha, Érico organizou grupos de formação política, congregando estudantes alemães, latino-americanos e de outros países, organizou um arquivo com os principais textos de autoria de Thalheimer e Brandler e influiu também no debate político brasileiro, por meio da publicação da revista “Marxismo Militante – Exterior”, que era editada pelo grupo de exilados da “Política Operária” e distribuída clandestinamente no Brasil. Seus vínculos com o país também se davam por meio de correspondência ou contatos pessoais com militantes da organização que podiam viajar legalmente para a Alemanha.

Em 1980, Érico retornou ao Brasil, após a promulgação da Lei da Anistia. Do Rio de Janeiro, concentrou suas energias na fusão dos grupos remanescentes da “Política Operária” e na atuação organizada dos seus participantes dentro do Partido dos Trabalhadores, cuja fundação saudou e não teve dúvidas em apoiar desde o início. Apesar de sua experiência política, não se interessou em ocupar cargos no Partido, mas sim em fortalecer os seus núcleos operários, como parte dos esforços para promover a independência política dos trabalhadores, sem a qual não via futuro possível.

Participou do Núcleo dos Jornalistas e da seção do Rio de Janeiro da Fundação Wilson Pinheiro. Nessa época, redigiu “Qual é a herança da Revolução Russa?”, importante texto que faz um balanço da União Soviética e do seu significado para o movimento comunista internacional.

Érico sofria de diabetes há bastante tempo e a sua saúde era frágil. Os seus últimos anos combinaram os problemas de saúde com a precariedade de suas condições de vida e a frustração de não conseguir reorganizar e dar um papel à “Política Operária” na nova situação conjuntural, caracterizada pela existência do Partido dos Trabalhadores e da CUT.

Assim, depois um curto período de internação, Érico Czaczkes Sachs veio a falecer no Rio de Janeiro, em 9 de maio de 1986, aos 64 anos de idade.

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O Centro de Estudos Victor Meyer, cujas finalidades incluem a preservação e a difusão da herança política da “Política Operária”, decidiu comemorar os 30 anos da morte de Érico Sachs com a edição de um livro denominado “ÉRICO SACHS / ERNESTO MARTINS – UM MILITANTE REVOLUCIONÁRIO ENTRE A EUROPA E O BRASIL”.

O livro é constituído de três partes: uma de responsabilidade dos companheiros do Brasil, centrada na importância de Érico e da “Política Operária” para omovimento revolucionário do país, outra, que incluidepoimentos pessoais, de autoria dos companheiros alemães que o conheceram durante o seu exílio, e uma terceira, na qual o próprio Érico expõe as suas concepções políticas, representadas por dois de seus mais importantes textos: “Caminho e Caráter da Revolução Brasileira” e “Qual é a Herança da Revolução Russa?”.

O objetivo era lançar o livro neste 9 de maio, mas, infelizmente, isso não foi possível por diversas razões, entre elas o infortúnio do súbito falecimento, no dia 30 de abril em Recife, do nosso companheiro Ivaldo Pontes, autor, organizador e um dos maiores entusiastas da publicação.

Assim, antecipando o lançamento, o CVM decidiu comemorar os 30 anos da morte de Érico Sachs com a publicação no nosso portal de um dos artigos que constituirão o livro: “Entre a fuga e o retorno: Érico Sachs no exílio na Alemanha (1970-1980)”, de autoria dos companheiros Elke Stichs e Lothar Wentzel. O lançamento da edição completa, em papel e em meio digital, ficará para os próximos meses e será dedicada à memória de Ivaldo Pontes, que tanto lutou por sua realização. ​​​​​(CVM, 09/05/2016)

 

Entre a fuga e o retorno: Érico Sachs no exílio na Alemanha (1970-1980)

Por Elke Stichs e Lothar Wentzel

 

Na noite de 8 para 9 de outubro de 1969, Érico Sachs pôde fugir da prisão no Rio de Janeiro, onde fora preso em setembro daquele ano. Para isolá-lo de outros prisioneiros, ele havia sido encarcerado em um local de interrogatório dotado de uma janela de ventilação pouco segura, que dava para o exterior do prédio. Érico conseguiu descer pela janela,utilizando uma corda, alcançar o teto de uma garagem e, daí, escapar para a rua. Em seguida, passou à condição deprocurado no Rio, com um mandato de prisão. De início, Érico ficou escondido entre amigos. Depois, sob condições aventurescas – disfarçado de mulher – ingressou na Embaixada Mexicana, onde lhe foi concedido asilo diplomático.

Evidentemente, as autoridades militares brasileiras ficaram embaraçadas com o sucesso de sua fuga e recusaram-lhe por cinco meses a autorização de viagem para o México. Durante esse tempo, ele não tinha permissão de deixar o terreno da legação diplomática. O embaixador mexicano, em contrapartida, ofereceu-lhe um lugar em sua mesa de refeições. A cozinha era excelente, o que lhe compensou um pouco o fato de encontrar-se detido.

Em fevereiro ou março de 1970, Érico obteve o salvo-conduto e voou para o México. Na capital do país, foi acolhido pela filha de August Thalheimer, a pintora Sita Garst. Thalheimer havia sido a cabeça teórica da Oposição do Partido Comunista Alemão (KPO) e morreu no exílio em Cuba, em 1948. Mas Érico não podia ficar ali por muito tempo.

Ele precisava encontrar uma forma de ganhar a vida, conservando, ao mesmo tempo, sua independência política.Não podia contar com a sua sustentação por uma organização política. Naturalmente, queria manter a ligação com o Brasil. Isso era mais fácil, naquela época, a partir da Alemanha do que de um país latino-americano. Além disso, precisava tomar cuidado com a saúde problemática. Já então, sofria de diabetes em estado progressivo. Outra questão que pode ter tido um papel importante era a expectativa de obter asilo político. Finalmente, pesou sua grande proximidade com a cultura germânica e com a rica herança do movimento operário de língua alemã.

Érico se decidiu, assim, pela República Federal da Alemanha.Antes, ele havia trabalhado como tradutor para a embaixada do país no Brasil. Por isso, tinha contatos com a Alemanha e podia esperar trabalhar como tradutor em instituições públicas. Na época, não havia muitas pessoas na Alemanha que dominassem como língua materna tanto o português brasileiro, quanto o alemão. Além disso, havia na Alemanha Ocidental uma pequena Organização que se situava dentro da tradição da KPO, o Gruppe Arbeiterpolitik (Grupo Política Operária). 

A esperança de poder encontrar asilo político na República Federal mostrou-se ilusória. Ele havia fugido da Áustria em 1938, por perseguição política e racial. A Áustria pertencia na época ao Reich Alemão e a República Federal assumia-se como sua sucessora legal. Mas isso não foi de forma alguma considerado no seu caso. Ele também não contava com isso.Vindo de uma ditadura militar, nem mesmo como refugiado político ele foi reconhecido imediatamente.  Recebeu somente uma autorização de permanência e tinha que se comunicar regularmente com a polícia. Também não podia deixar sem permissão o seu local de destino. Somente em 1978, pouco antes do retorno ao Brasil,  recebeu um status de permanência um pouco mais seguro.

Érico chegou na Alemanha em 17 de novembro de 1970. Ele foi para Colônia, onde tinha a possibilidade de trabalhar como tradutor na Deutsche Welle, emissora que podia ser captada no mundo inteiro e que tinha como propósito divulgar notícias da pátria para os alemães no exterior. Também possuía emissões em muitas línguas, inclusive o português, que tinham como propósito transmitir uma boa impressão da Alemanha às pessoas de todo o mundo. Érico ficou empregado ali por alguns meses, como tradutor e jornalista. Dificilmente tevealguma influência na configuração do programa para o Brasil.Contudo, traduzia para o português brasileiro poesias e textos do famoso poeta e crítico social Heinrich Heine, que também era amigo de Marx e Engels.

Novembro, o mês da chegada de Érico, é o mais escuro na Alemanha. Os dias são curtos, faz frio e chove muito. Érico recebeu um pequeno apartamento de duas peças em Colônia. No início, usava ainda um aquecedor elétrico para complementar o aquecimento central. Ele abrigava em seu pequeno apartamento um companheiro brasileiro da Polop. Luís havia sido torturado e se encontrava muito instável psicologicamente: dificilmente podia ficar sozinho e, por isso,  dava muita preocupação a Érico. Mais tarde, afirmou que as primeiras semanas na Alemanha representaram um choquepara ele. Provavelmente, só aí ficou claro o que havia perdido no Brasil e o peso de sua separação do movimento político de lá.

Érico conseguiu, de forma relativamente rápida, entrar em contato com o Grupo Arbeiterpolitik na Alemanha. O Grupo ainda tinha nessa época alguma influência na Alemanha Ocidental, com pequenos círculos em uma série de cidades, entre elas Colônia. Érico pôde construir uma ligação estreita com alguns companheiros da cidade, operários e estudantes que viviam juntos numa comunidade. Estava praticamente todos os dias com eles como convidado, tendo se tornado um componente importante de sua vida em comum.

Um deles, Rolf, que hoje vive como pintor em Berlim, descreve o Érico daquela época como alguém muito fechado em relação a assuntos pessoais. De si próprio, só falava o estritamente necessário. Talvez isso fosse uma consequência da vida na ilegalidade. Além disso, falava baixo e era reservado. Nas discussões políticas, comportava-se de início, na maioria das vezes, um pouco na defensiva, deixando os outros desenvolverem os seus pensamentos. Então, começava a colocar questões para aguçar os problemas. Só depois dava uma determinada direção à discussão, com suas próprias contribuições. Rolf descreve-o como uma pessoa a quem teve a sorte de conhecer. Érico conduziu-o pouco a pouco de seu ingênuo radicalismo de esquerda para uma posição socialista politicamente clara. Ele teria sido uma espécie de pai adotivo político, a quem agradece até hoje as bases de sua visão de mundo.

A relação com a direção do Grupo Arbeiterpolitik, entretanto, não se desenvolveu de forma muito feliz. Os companheiros tinham ideias pouco desenvolvidas sobre as lutas de classes na América Latina. Porém, antes de tudo, viam Érico como uma possível concorrência na liderança do grupo. Na sua trajetória de emigração, em Paris, ele havia conhecido pessoalmente August Thalheimer e Heinrich Brandler, as duas cabeças políticas da Oposição Comunista (KPO), e tinha um conhecimento excepcional da teoria e da história do movimento operário europeu.  Além disso, em muitas questões ele defendia posições diferentes do Arbeiterpolitik:por exemplo, ele via – com razão – o processo político na União Soviética de forma claramente mais crítica. Pelo medo de concorrência, o círculo interno do Arbeiterpolitik empreendeu uma política de exclusão em relação a Érico, em vez de aproveitar seu grande conhecimento e sua vasta experiência. Apesar disso, muitos companheiros que o haviam conhecido mais de perto mantiveram contato com ele.

Érico ficou especialmente irritado com a forma como o Grupo Arbeiterpolitik lidava com a sua herança histórica. Apesar de, naquela época, muitos jovens do movimento estudantil teremum grande interesse sobre a história do movimento operário, trabalhava-se muito pouco com essa herança. Daí que Érico tivesse bastante contato com Peter, que organizava um arquivo da KPO com muito empenho pessoal, mas cujo trabalho era pouco valorizado.

Os temores do círculo interno do Arbeiterpolitik eram injustificados. Desde o início, Érico tencionara concentrar o seu trabalho político visando o Brasil, tanto quanto fosse possível. Ele se via como membro da Polop no exílio. Vivia na Alemanha, mas com o rosto voltado para o Brasil. Ele absorvia todas as informações que podia receber do país. Mas não era fácil obter dados confiáveis sobre a resistência à ditadura militar. Os emigrados da Polop na Europa formavam uma rede e trocavam suas informações. Havia ligações também com muitos outros refugiados políticos. Érico viajava muito e recebia hóspedes frequentemente, para manter-se atualizado sobre a situação política.

Para Érico, naturalmente, o mais importante eram as visitas dos companheiros do Brasil, com as quais podia se informar em primeira mão sobre a situação. Por meio deles tinha contato com o estado da discussão política da época e podia dar conselhos, a partir de suas próprias experiências. Muitas vezes eles traziam consigo do Brasil documentos microfilmados. Especialmente importantes para ele foram as visitas de Sérgio, com quem estabeleceu uma firme relação de confiança política. Com outros, mantinha contato por cartas, em especial com Victor. Ambos, Sérgio e Victor, eram amigos pessoais e políticos de Érico.

Dos emigrados políticos que viviam na Europa, era muito ligado a Norma, uma confidente pessoal de muitos anos, que morava em Paris. Uma outra companheira, Marina, havia ido para o Chile quando a Unidade Popular governava. Ela conseguiu fugir para a França depois do golpe militar. Também a ela Érico se sentia estreitamente ligado. Em 1972, chegaram na Alemanha mais dois companheiros, Alice e José Luís. Viveram, de início, em Colônia e depois em Berlim, até o seu retorno ao Brasil. Eles se visitavam mutuamente e mantinham estreito contato.

Entre os emigrados de esquerda que viviam na Europa Ocidental ocorriam debates exacerbados, o que é normal no exílio. A questão central dizia respeito à estratégia que poderia ser usada para superar a ditadura militar. Depois de a estratégia de guerrilha ter falhado, havia uma forte corrente que queria tentar conter os militares por meio de uma aliança com a burguesia. Érico, que havia rejeitado a estratégia de luta armada, porque a correlação de forças não estava madura para isso, criticou igualmente a nova estratégia de Frente Popular. Para ele era decisivo que a classe operária se organizasse de forma independente e não subordinada à burguesia. Primeiro era preciso que ela aprendesse a agir autonomamente em defesa de seus interesses. Somente depois, se necessário, pode estabelecer alianças também com partes da burguesia. Porém, ela precisa estar consciente de que essas alianças não são duradouras. Junto com outros emigrados, ele publicou uma posição conjunta (a „Resolução de Friburgo“), que reafirmou esse ponto de vista.

Érico se interessava muito pelos movimentos de libertação nos países coloniais, como a Argélia e a Síria – porém, em especial, nas colônias de língua portuguesa de Guiné-Bissau, Moçambique e Angola. A Revolução dos Cravos em Portugal, em 1974, e a independência das colônias fez surgir grandes esperanças. Érico acompanhou esse processo detalhadamente e viajou em 1975 a Portugal, para formar uma imagem própria da situação.

Quando Érico se pôs a caminho de Portugal, a ditadura franquista ainda governava a Espanha. Só depois de esperar muito na embaixada espanhola em Paris é que ele recebeu um visto de trânsito. Em Portugal, já havia então muitos brasileiros no exílio, tendo Érico se encontrado com diversos companheiros. Alguns tencionavam viajar para Moçambique ou Argélia. Essa opção ficou também na mente dele como uma possibilidade, caso a ditadura no Brasil ainda durasse muito.

Profissionalmente, Érico tentou, tão rápido quanto possível, escapar da fábrica ideológica da Deutsche Welle. Ele se candidatou a professor de tradução alemão-português na Universidade de Heidelberg. Havia na Alemanha Ocidental desde 1967/68 um grande movimento da nova geração contra o modo de vida capitalista, a opressão do Terceiro Mundo e a Guerra do Vietnã. Isso modificou fundamentalmente a situação nas universidades. Nas faculdades de ciências sociais havia a „paridade tripartite“, isto é, todas as decisões – até a contratação de professores – eram tomadas em proporções iguais pelos professores, pelos assistentes e pelos representantes dos estudantes. Depois que foi ressaltado que Érico era um refugiado político de esquerda do Brasil, ele atraiu de imediato a simpatia dos estudantes para o seu lado.Com o apoio fechado dos estudantes e a ajuda de alguns docentes, Érico conquistou o posto.

Em 1º de outubro de 1972, Érico assumiu o cargo de Lektor de português no Instituto de Tradução, na Seção de Linguística Aplicada, ministrando 16 horas por semana e ganhando mais ou menos tanto quanto um professor do ensino fundamental. Era uma interessante atividade, que Érico exercia com prazer.Ele não queria fazer carreira, e sim ganhar o seu sustento com o trabalho, mas tinha também o propósito de ensinar bem, tendo exercido essa atividade até o seu retorno ao Brasil. Érico foi o primeiro e até hoje o único docente na Universidade de Heidelberg que, por causa de sua vida movimentada, nunca havia podido concluir o ensino fundamental.

Érico abriu mão de seu apartamento em Colônia e mudou-se para Heidelberg. Lá, ele possuía apenas o endereço de dois companheiros, uma professora primária, que vivia com um operário. Fez contato com eles. Nessa visita, deparou-se na cozinha com uma jovem mulher que o conquistou imediatamente. Elke havia acabado de concluir os seus estudos e conseguido um cargo de professora primária na cidade vizinha de Mannheim. Ela havia se separado do marido e vivia só com suas duas crianças. Estudara em Heidelberg, o movimento estudantil também a havia atraído, tendo atuado na área de influência da Liga dos Estudantes Socialistas Alemães (SDS), que era o motor político do movimento estudantil. Essa organização dividiu-se em duas frações em Heidelberg: uma corrente maoísta e outra que queria se posicionar nos conflitos atuais dos operários. Elke participou desta última. Havia, assim, uma certa proximidade com as posições de Érico e, naturalmente, muita coisa para discutir. Ambos também tinham interesses culturais comuns e gostavam de ir juntos ao cinema. Assim, foram ficando gradativamente mais próximose, no verão de 1973, começaram suas primeiras viagens conjuntas.

Mais tarde, viajaram repetidamente para Paris, Berlim e Zurique. Em Paris, para trocar novidades com Norma e visitar outros contatos, como, por exemplo, os companheiros espanhóis do POUM. Em Berlim, para conduzir reuniões intensivas com Alice e José Luís e, na parte oriental da cidade, visitar o Teatro Brecht e comprar livros em condiçõesfavoráveis.  Em Zurique, Érico possuía endereços de sebosmuito bons, onde o seu foco era a procura de livros sobre o movimento operário.

Em 1974, Elke e Érico se mudaram para um apartamento nas proximidades de Heidelberg, onde se iniciou uma nova etapa de vida para ele. Pela primeira vez, sentia-se um pouco mais em casa na Alemanha. O apartamento em comum tornou-se um ponto de encontro político, principalmente para estudantes da América Latina. Ele recebia muitas visistas e gostava de viajar. Apenas uma cidade ele não visitou, apesar das muitas insistências de Elke: sua cidade natal, Viena. Provavelmente, as lembranças das hostilidades antissemitas em sua juventude eram tão fortes que ele decidira interiormente nunca mais rever Viena.

No apartamento comum, como era típico dele, Érico logo reuniu em torno de si um círculo de formação política. O programa incluía uma perspectiva abrangente do desenvolvimento do marxismo e do movimento operário. Era construído historicamente e começava com os movimentos democrático-burgueses que ocorreram por volta de 1848 na Europa. O “Manifesto Comunista“, que apareceu nessa época, formou o ponto de partida da teoria marxista. Os processos históricos e as controvérsias político-teóricas eram investigados sempre em sua relação recíproca. Seguiram-se a Comuna de Paris, o desenvolvimento da socialdemocracia alemã e as condições especiais do movimento revolucionário russo. Paralelamente a isso, foram avaliados a crítica de Marx e Engels à socialdemocracia, o debate sobre uma transformação reformista ou revolucionária da sociedade e as controvérsias entre Rosa Luxemburgo e Lenin sobre a relação do partido com a classe operária. Assim, avançava-se para o imperialismo, a revolução russa, o fascismo, a guerra civil espanhola , a revolução chinesa, até as controvérsias  entre os diferentes países que se reivindicavam socialistas.

Érico dava um grande valor à capacidade de análise crítica independente. Cada membro do círculo recebia um tema que devia ser trabalhado de maneira autônoma. Ele fornecia apenas referências bibliográficas. Na discussão, se comportava reservadamente de início e, no máximo, colocava algumas questões. Só no final entrava em cena e fazia um resumo do seu pensamento. O círculo de discussão permaneceu unido até o seu retorno ao Brasil. O núcleo interno era formado por Line, do Paraguai; Clemenca, do Peru; Eduardo, do Chile; Linda, da Argentina; Alice, José Luís e Carlos, do Brasil; Suhil, da Síria; Betty, sua amiga alemã e Elke. Era um círculo aberto, onde participavam também aqui e ali outros companheiros.

O que foi feito desse grupo tão heterogêneo? Quase todos retornaram a seus países de origem e se tornaram ativos em diferentes contextos políticos. No decorrer dos anos, as ligações entre eles se perderam. Alice e José Luís faleceram. Suhil trilhou um caminho especial. Ele era o aluno mais próximo e o confidente de Érico nesse círculo. Suhil permaneceu na Alemanha e, com o nome de Rafik Schami, tornou-se um escritor conhecido e importante da língua alemã.

O grupo não era apenas um círculo de discussão, mas também um círculo de amigos. Nos fins de semana, encontravam-se na casa de Érico, cozinhavam juntos e escutavam música latinoamericana. Érico apreciava isso. Gostava de gente. Procurava e amava as conversas. Passeios solitários na natureza não lhe atraíam. Ele precisava de vida social, gostava de comer e beber bem com outras pessoas. Também ouvia a música brasileira tradicional, que ele valorizava muito. Uma vez ou outra entusiasmava-se com o jeitinho „tropical“ brasileiro, que seria tão positivamente diferente da rigidez e da precisão alemãs.

Mas essa alegria de viver não era realmente desprovida de preocupações. Sempre era sobreposta por notícias de perseguição, tortura e morte de companheiras e companheiros em luta contra a ditadura militar no Brasil. Depois dessas notícias, havia com frequência dias em que ele ficava completamente deprimido. O sentimento de sua impotência e desamparo diante desses crimes não o abandonava. À noite, eram frequentes os pesadelos.

Além disso, carregava o fardo de ter deixado sua velha mãe para trás, no Rio. A relação com ela era mais do que a habitual relação mãe e filho, era também uma relação política intensa. A mãe de Érico era de Moscou e tinha uma ligação estreita com o movimento operário russo e com o Partido Bolchevique. Um irmão participou da guerra civil russa do lado dos bolcheviques e foi morto. Apesar de viver em Viena, tinha forte interesse em relação ao desenvolvimento da União Soviética. Nas lutas de fração no Partido Comunista, ela se orientava pela corrente em torno de Bukharin, que queria trilhar etapas realistas, com base numa avaliação objetiva do estágio de desenvolvimento do país. Isso deveria acontecer com uma forte participação da população trabalhadora e o mínimo de coerção possível. Desse modo, já bem cedo Érico entrou em contato com as controvérsias na esquerda. Posteriormente, ele mesmo veio a se expressar sobre o programa político de Bukharin valorizando-o muito. Não poder estar junto com a sua mãe na velhice deprimia-obastante.

Nessa situação, ajudava-o o fato de que, pela primeira vez desde sua juventude, vivia numa família. No dia a dia, Érico era incrivelmente simples. Não deixava ser servido, ao contrário, sentia-se corresponsável por tudo e tinha cuidado também com a casa. No entanto, alguma coisa ele teve que aprender. No início, ele tentou cortar a grama com um facão, até que um vizinho piedoso emprestou-lhe um cortador de grama. De manhã, na maior parte das vezes, ele estava na Universidade e, à tarde, em casa. Na presença de outros, ele podia trabalhar de forma muito concentrada.  Elke e Érico tinham um escritório comum, no qual, às tardes, trabalhavam silenciosamente: ela corrigia trabalhos de casa e ele cuidava de sua correspondência. À noite, as visitas eram frequentes.Érico gostava de manter a sua casa aberta e receber visitantes e hóspedes. Era um anfitrião generoso e criava uma atmosfera aberta e cordial, na qual o círculo de amigos se sentia bem.

Érico era um grande escritor de cartas, o que era típico dos intelectuais políticos de seu tempo. Em suas cartas, desenvolvia sua posições cuidadosamente e de forma muito sistemática. Ao escrever cartas, era também o professor político, que queria ganhar os outros para as suas ideias. Além disso, escrevia contribuições para a revista „Marximo Militante“ e outros artigos e trabalhos teóricos.

Um capítulo difícil eram as doenças de Érico. Já no Brasil ele tivera diagnóstico de diabetes e precisava tomar injeções diariamente. Além disso, tinha pressão sanguínea alta e cataratas nos olhos. Por isso, por duas vezes foi operado na Alemanha. O problema é que ele tinha pouco cuidado com sua saúde. Gostava de fumar e também bebia álcool. A „vida dupla“ intensiva: de um lado, a integração na realidade alemã, na Universidade e na nova família e, de outro, sua ocupação com a conjuntura brasileira levaram-no a negligenciar seus problemas de saúde e, muitas vezes, a colocá-lo nos limites de sua condição física. Quando ele retornou ao Brasil, podia-se notar o seu envelhecimento. Ele também não tinha nenhuma ilusão de que teria mais muitos anos pela frente.

Ouvia-se sempre de Érico que para ele estava claro que, havendo de novo a possibilidade, retornaria ao Brasil. Mas, nesse ínterim, havia criado raízes na Alemanha. Houve sinais de que ficava indeciso quanto a não permanecer em Heidelberg. Mas quando eclodiram as grandes greves de 1978/79 no ABC e começaram as fraturas na ditadura militar, ele ficou eletrizado. Sua previsão de que só a classe operária seria capaz de realmente abalar a ditadura se realizou. Desse processo surgiu um novo partido de esquerda, o PT, de cujo desenvol-vimento queria participar.

Nessa época ele decidiu finalmente retornar ao Brasil. Não era típico de Érico incluir outros em tais decisões, ainda que lhe fossem muito próximos. Essa decisão conflituosa, ele tomou sozinho. Para ele estava claro o que deixava para trás. A decisão não lhe deve ter sido fácil.

Érico e Elke discutiram longamente, se deveriam ir juntos para o Brasil. Elke tinha o seu trabalho e seu círculo de amizades em Heidelberg. Antes de tudo, seus filhos viviam aqui. Por isso, ela decidiu ficar, ainda que pudesse imaginar uma vida no Brasil. Foi uma decisão difícil para ambos. Depois desses longos conflitos internos, os dois estavam ao mesmo tempo aliviados e profundamente tristes.

Érico esperou primeiro para ver como a ditadura militar se comportaria em relação aos emigrados políticos. Emigrados com menores implicações retornaram da Europa para o Brasil e informaram aos demais que as autoridades militares não haviam tomado nenhuma ação contra eles. Dessa forma, osoutros avaliavam se o tempo para a viagem de regresso não teria chegado.  Apesar disso, todo retorno era associado a um risco. No início de 1980, Érico não resistiu mais. Demitiu-sedo trabalho, fez um grande pacote de livros e os despachou.

Então, chegou a hora da separação. Percebia-se o quão difícil foi a despedida para ele, pois, antes do embarque, estava mais uma vez doente. Finalmente, reuniram-se seus amigos mais próximos no Aeroporto de Frankfurt para lhe dizer adeus. Foi uma despedida emocionante.

Érico nunca mais retornou à Alemanha. Em seus seis anos restantes, ele concentrou toda a sua energia no movimento operário brasileiro. A Alemanha foi uma escala em sua vida.De fato, ainda houve algum contato por meio de visitas, mas a Alemanha se moveu rapidamente para uma área periférica de sua visão. De novo, estava no território que ele queria, com a luta, ajudar a moldar: o movimento operário brasileiro.

 

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