Fatos & Crítica 41: Os limites estreitos do governo Lula sob a hegemonia da centro-direita

Coletivo do CVM

 

O governo Lula está emparedado em muitas frentes. Em primeiro lugar, o capital financeiro, que domina o Banco Central, mantém a taxa básica de juros em 13,75% (a mais alta do mundo, quando descontada a inflação), com o objetivo declarado de frear a economia, aumentar o desemprego e, consequentemente, reduzir os salários, propiciando, ao mesmo tempo, altos rendimentos ao capital financeiro.

Em segundo lugar, o parlamento brasileiro é totalmente controlado pela direita mais reacionária. Apenas a frente parlamentar ruralista conta hoje com 300 deputados e 47 senadores (58% nas duas casas). A frente parlamentar evangélica é formada por 132 deputados e 14 senadores e a chamada “bancada da bala” – constituída por delegados da Polícia Civil, militares das forças armadas e policiais militares – conseguiu 259 assinaturas para a sua formalização na Câmara. Qualquer medida que favoreça minimamente os trabalhadores encontrará nesse ambiente tenaz resistência.

O governo tenta apelar para o fisiologismo dos congressistas, utilizando as emendas parlamentares como moeda de troca para a aprovação de seus projetos, mas parece não estar acertando na velocidade, no montante ou na seleção das emendas. Resultado: a iniciativa de mudança no novo marco do saneamento, que visava apenas dar maior fôlego às empresas estatais e frear as privatizações, foi rejeitada na Câmara dos Deputados por 295 votos a 136. E outras derrotas estão na fila, inclusive as relativas a medidas provisórias essenciais para o funcionamento do governo.

Em terceiro lugar, os militares saíram chamuscados dos episódios de 8 de janeiro e do apoio que deram a Bolsonaro e encontram-se agora retraídos e recolhidos aos quartéis. Mas que ninguém se iluda: apenas toleram o governo Lula por compreenderem que não há no momento condições objetivas e subjetivas para um golpe. Serão sempre uma espada pairando sobre a cabeça de qualquer governo que ameace o domínio social da burguesia, aguardando apenas a oportunidade certa.

Em quarto lugar, ao exercitar a cooperação antagônica[1] nas relações com o imperialismo, Lula colocou mais uma vez na ordem do dia a chamada política externa independente do Brasil e propôs-se até a fazer uma mediação entre a Ucrânia e a Rússia. Acabou dando declarações que desagradaram a ambos os lados, mas, especialmente, ao bloco imperialista ocidental liderado pelos Estados Unidos, acusado por Lula de alimentar a guerra. Agora as potências ocidentais devem estar reavaliando o apoio dado a ele nas eleições.

 

Panorama econômico

As condições econômicas para que o país cresça e sustente uma política governamental que ofereça mais empregos e melhorias salariais aos trabalhadores não são das mais propícias neste ano de 2023. Para começar, tudo indica que o mundo enfrentará uma recessão neste ano, que terá certamente um efeito no Brasil.

De fato, o produto interno bruto do país cresceu 2,9% em 2022, muito em função das medidas eleitoreiras do governo Bolsonaro e da recuperação pós-pandemia, mas a previsão para este ano é de um baixo crescimento, entre 1% e 2%, muito afetado pela alta taxa básica de juros. Prevê-se uma expansão da agropecuária, mas a indústria ainda não recuperou a produção de antes da pandemia e retraiu a uma taxa de -0,2% nos 12 meses concluídos em janeiro de 2023.

Reflexo desse baixo crescimento, a taxa de desocupação no primeiro trimestre alcançou 8,8%, superior aos 7,9% observados no trimestre anterior. Já a taxa de subutilização, que inclui aqueles que desistiram de procurar emprego e os subocupados, atingiu a considerável cifra de 18,9% no primeiro trimestre, superior aos 18,5% do trimestre anterior; e o rendimento médio, da ordem de R$ 2.880,00, praticamente não se alterou no período considerado.

A inflação medida pelo IPCA no mês de abril foi de 0,61%, chegando a 4,18% em doze meses, mas o mercado financeiro prevê que feche o ano em 6,05%. Embora preveja-se que a inflação dos alimentos em 2023 seja de 3,9%, inferior aos 13,2% do ano passado, é preciso ressaltar que ela chegou a 37% nos últimos três anos e que o peso desse aumento no orçamento dos trabalhadores continua a ser muito grande.

Buscando espaço para aumentar os investimentos públicos, o governo propôs o fim da política de “teto dos gastos”, implementada pelo governo Temer, que limitava as despesas às do ano anterior, apenas reajustadas pela inflação. O “teto de gastos” já havia sido bastante transgredido no governo Bolsonaro, e isso facilitou a sua substituição por uma regra fiscal que permitisse algum aumento real de gastos, desde que inferior ao aumento das receitas no mesmo período.

O novo “arcabouço fiscal” acabou recebendo o aval do capital financeiro e das diversas frações burguesas, que viram nele uma proteção para o sacrossanto pagamento dos encargos da dívida pública. A nova regra configura um dos poucos consensos que o governo conseguiu até agora e a proposta foi aprovada no Congresso por larga margem, com a introdução de proibições no caso do não cumprimento da meta fiscal, entre elas: criar cargos, funções e planos de carreira na administração pública, criar ou majorar auxílios, reajustar despesas obrigatórias e conceder ou ampliar incentivos fiscais.

Esse pequeno espaço para investimentos gerado pela nova regra fiscal dependerá muito do aumento das receitas. O governo mira em ampliar a arrecadação de impostos em diversos setores ou reduzir isenções fiscais em outros, mas isso encontrará certamente forte resistência das diversas frações da burguesia atingidas, que utilizarão seus representantes no parlamento para barrar essas iniciativas.

Submetida ao impacto dos juros altos e das limitações aos empréstimos externos, decorrentes da recessão mundial, é improvável que a pequena brecha para os investimentos públicos aberta pela nova regra fiscal, beneficiando projetos na construção civil, indústria automobilística e infraestrutura venha a fazer diferença e que a economia cresça em ritmo que diminua significativamente o desemprego e propicie um aumento do rendimento dos trabalhadores em 2023.

 

Panorama político

Depois do desgaste sofrido pelo fracasso do golpe de 8 de janeiro, o bolsonarismo tentou voltar à ofensiva propondo a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre os atos golpistas, com o objetivo de constituir um palanque que imputaria o quebra-quebra nas sedes dos três poderes ao próprio governo petista, acusado de deixar o caos ocorrer de propósito, para tirar proveito político.

Para reforçar a versão, foram vazados da Polícia Federal para a imprensa vídeos captados pelas câmeras do Palácio do Planalto mostrando o comandante do Gabinete de Segurança Institucional e outros funcionários do órgão circulando tranquilamente no meio da turba que invadiu e depredou o imóvel. Posteriormente, com o exame da totalidade dos vídeos, alguns desses funcionários foram identificados e caracterizados como remanescentes da antiga administração, ou seja, eram bolsonaristas. Com isso, a versão ficou bastante prejudicada.

Para dificultar ainda mais a ofensiva bolsonarista, foram revelados vídeos em que o antigo Ministro das Minas e Energia e outros militares tentavam resgatar joias provenientes da Arábia Saudita, avaliadas em R$ 16,5 milhões, retidas no Aeroporto de Guarulhos pela Receita Federal, que seriam um “presente” dos sauditas destinado à primeira-dama. Depois disso, mais dois estojos de joias valiosas da mesma procedência foram identificados, agora na posse de Bolsonaro, e tiveram que ser devolvidos ao erário público. Tanta generosidade vinda dos árabes coincide com a realização de negócios suspeitos, como a venda abaixo do preço da Refinaria de Mataripe.

E se tudo isso fosse pouco, o ajudante de ordens de Bolsonaro, Tenente-coronel Mauro Cid, o mesmo que agiu para a recuperação das joias para seu chefe, foi preso sob a acusação de fraude em cartões de vacinação de sua família e a de Bolsonaro. Ao ser examinado o seu celular, apareceram várias mensagens relacionando o ajudante de ordens com o golpe de 8 de janeiro e agora a investigação sobre os mandantes dos “atos antidemocráticos” começa a chegar bem próxima do capitão.

Com esse conjunto de fatos desfavoráveis, a bancada bolsonarista na Câmara se retraiu e deixou de insistir na instalação da CPI dos atos golpistas, onde o governo, aliás, acabou constituindo maioria. Passou a investir, então, em outra comissão, destinada a investigar agora as ocupações realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores sem Terra (já é a quarta que o MST enfrenta em sua história). Nessa CPI a oposição tem maioria e para presidente foi designado um deputado bolsonarista que está sendo processado por participar dos atos golpistas. Para relator foi nomeado o notório Ricardo Salles, aquele mesmo que ocupou o cargo de ministro do Meio Ambiente no início do governo Bolsonaro, cuja principal obra foi o desmonte da política ambiental.

Tudo isso revela que o bolsonarismo não está morto e que fará de tudo para criar obstáculos ao governo. Aliado às big techs e aos evangélicos (que temiam que trechos da Bíblia fossem proibidos nas redes) obrigou o relator a postergar a votação na Câmara do projeto de lei que visa combater as fake news.

Outro exemplo é o caso dos simpatizantes do bolsonarismo no agronegócio, que convidaram o capitão para a abertura de um grande evento em Ribeirão Preto e, com isso, inviabilizaram a ida do Ministro da Agricultura ao local. Lá Bolsonaro foi recebido entusiasticamente como um herói pelos fazendeiros.

Fustigado sem trégua pela extrema direita e chantageado sem pausa pelo “Centrão”, o governo teria que se apoiar nas massas trabalhadoras para contrabalançar essas forças políticas e viabilizar seus projetos. Mas aí está a sua fraqueza: não quer correr o risco de afugentar a “frente ampla” que o elegeu e o monitora e, além disso, não se interessou em construir bases junto aos trabalhadores que pudessem, eventualmente, prestar-lhe algum apoio político nessa hora.

Resta então a distribuição de algumas migalhas, toleradas pela burguesia, como o aumento de R$ 18,00 no salário-mínimo, à guisa de “aumento real”, a continuação do Bolsa Família com pequenas melhorias em relação ao Auxílio Brasil de Bolsonaro, e o aumento do funcionalismo público sem recuperação completa das perdas ocorridas nos anos anteriores.

 

Panorama sindical

Com uma correlação de forças tão desfavorável, o governo não tenciona propor a revogação da funesta reforma trabalhista de Temer nem a não menos danosa reforma previdenciária de Bolsonaro.

As principais centrais sindicais (CUT, Força Sindical e UGT) aproveitam a existência de um governo que não as hostiliza, como os anteriores, para equacionar o gravíssimo prejuízo financeiro aos sindicatos causado pela reforma trabalhista, que aboliu o imposto sindical. A ideia é restabelecer a contribuição negocial definida pelas assembleias, proposta que já recebeu cinco votos favoráveis em julgamento no Supremo Tribunal Federal.

Outras modificações pontuais na legislação trabalhista estão sendo propostas, como o restabelecimento da participação dos sindicatos na homologação das dispensas, o direito ao dissídio na Justiça do Trabalho e a volta da ultratividade, ou seja, da vigência do acordo coletivo anterior enquanto não for substituído por outro.

Ao invés de fomentarem a organização pela base e pautarem suas finanças na contribuição regular e voluntária dos seus associados, os sindicatos pleiteiam o caminho confortável das contribuições compulsórias e da preservação do seu monopólio de representação, com a manutenção da unicidade sindical definida em lei.

Para aumentar o seu poder e centralizar a estrutura sindical, a CUT, Força Sindical e UGT discutiram a criação de um “Conselho de Autorregulação das Relações de Trabalho”, que incluiria uma “Câmara dos Trabalhadores”, cuja presidência seria exercida por rodízio das três maiores centrais. Tal câmara substituiria o Ministério do Trabalho na aferição da representatividade dos sindicatos. A proposta previa ainda a extinção das Federações e Confederações no prazo de 10 anos.

Evidentemente que a proposta encontrou forte oposição das demais centrais sindicais, que enxergaram nela um movimento para subordiná-las às três mais importantes, levando-as à perda de protagonismo e a uma provável extinção.

Ou seja, a tutela do Ministério do Trabalho sobre os sindicatos seria substituída em parte pela tutela da cúpula burocrática das três principais centrais, acostumada ao conforto das finanças compulsórias e dos acordos trabalhistas limitados, negociados por cima e sem luta.

Para não dizer que nada está fazendo em relação à reforma trabalhista de Temer, o governo federal editou o Decreto nº 11.477, de 06/04/2023, criando um Grupo de Trabalho Interministerial tripartite, formado por 12 representantes do governo, 12 dos empresários e 12 das centrais sindicais, para “tratar sobre a democratização das relações do trabalho e fortalecer o diálogo entre o governo federal, os trabalhadores e os empregadores”, emitindo um relatório ao final de 90 dias. A política petista de conciliação de classes terá a oportunidade de ser exercitada em toda sua plenitude nesse Grupo de Trabalho. Os resultados, provavelmente, serão de pouca valia para os trabalhadores, pois dificilmente os representantes da burguesia estariam dispostos a renunciar aos aspectos mais relevantes de uma reforma trabalhista que foi aprovada no Congresso e feita sob medida para atender a todos os interesses da classe dominante.

 

Movimento dos trabalhadores

Segundo o DIEESE, nos primeiros quatro meses deste ano, 69,8% das negociações coletivas foram fechadas acima do INPC, com um aumento real médio de apenas 0,79%; 22,1% foram iguais ao índice inflacionário e 8,1% ficaram abaixo da inflação.

Essa pequena melhora é reflexo da recuperação do mercado de trabalho observada após a pandemia, de um lado, e de uma inflação mais baixa, em comparação com a do ano passado. A média dos pisos salariais continuou muito pequena, da ordem de R$ 1.529,32 (apenas 17,46% superior ao salário-mínimo de R$ 1.320,00). A melhora nos salários provavelmente continuará não sendo significativa neste ano, em função do já referido aumento da taxa de desocupação.

Como também já observamos, a indústria ainda não recuperou a produção de antes da pandemia e alguns setores se ressentem da diminuição de demanda por conta do alto patamar das taxas de juros, que tornam os financiamentos proibitivos para os bens de maior valor.

A indústria automobilística é um desses setores prejudicados. A Mercedes-Benz de São Bernardo do Campo, por exemplo, suspendeu o contrato de trabalho de 1.200 trabalhadores (lay off), por dois a três meses, em 14 de abril, depois de já ter dado férias coletivas para 300 no início do mesmo mês, em função da diminuição da demanda.

No setor público, algumas categorias começaram a se movimentar, como os professores da rede estadual do Rio de Janeiro, que decidiram numa assembleia com 1000 participantes entrar em greve para que o reajuste do piso nacional dos professores fosse estendido para os que ganham acima do piso. Também entraram em greve os professores da rede municipal de São Paulo e do Distrito Federal, reivindicando melhores condições salariais e de trabalho.

Na Companhia Siderúrgica Nacional, o sindicato conseguiu unificar a campanha salarial com outros quatro sindicatos, entre eles o Metabase de Congonhas (Minas Gerais), e o de portuários do Rio de Janeiro, reivindicando turno de 6 horas, plano de saúde nacional, Participação nos Lucros e resultados (PLR), fim do banco de horas, recuperação do recreio dos trabalhadores, entre outros itens. A união dos cinco sindicatos foi rechaçada pela CSN, que sequer recebeu a comissão de negociação conjunta.

A reivindicação da PLR é um tiro no pé, pois, em geral, está condicionada ao aumento do ritmo de produção, com todas as consequências nefastas que isso tem para a saúde do trabalhador, em função do aumento da exploração. Apesar disso e visando atender aos interesses mais imediatos dos que recebem a PLR, Lula anunciou no Dia do Trabalhador que seu governo estudava conceder uma isenção da cobrança de Imposto de Renda sobre essa “participação nos lucros”.

É preciso reconhecer a tentativa de unificação da luta na CSN, ao congregar categorias de municípios e estados diferentes, mas é preciso frisar que a unificação deveria ser pela base e compreender também outras empresas, pois esse é o caminho para elevar a solidariedade entre os trabalhadores e ganhar força na luta coletiva.

Também têm sido observados movimentos grevistas em empresas terceirizadas, onde toda a sorte de abusos é costumeiramente praticada contra os trabalhadores. É o caso dos terceirizados da Companhia de Eletricidade da Bahia (COELBA) que entraram em greve contra o atraso no pagamento dos salários.

Por último, cabe fazer referência às ocupações realizadas pelo MST em diversos latifúndios e propriedades do governo, no “Abril Vermelho”, mês que marca o aniversário do massacre de 21 trabalhadores rurais em Eldorado dos Carajás, em 1996. Alguns membros do governo, como o Ministro das Relações Institucionais Alexandre Padilha e o Ministro da Agricultura, e mesmo deputados do próprio PT, criticaram as ocupações como inoportunas, dentro da linha de não causar fissuras na frente ampla governamental com partidos burgueses, todos eles defensores incondicionais da propriedade privada.

 

Perspectivas

Por isso, os trabalhadores não devem esperar nada do governo atual, além de migalhas localizadas, que estão longe de resolver os seus problemas.

A única saída para que os trabalhadores pesem politicamente nesta e em outras conjunturas, é a sua organização pela base, de forma independente do Estado e dos partidos burgueses e pequeno-burgueses, e em defesa de seus interesses próprios. Essa é a condição primordial para que possamos um dia abolir o sistema capitalista e edificar no país uma sociedade socialista.

Coletivo do CVM – 24/05/2023

Nota:
[1] Conceito criado por August Thalheimer, sobre a relação entre os países imperialistas após a 2ª Guerra Mundial, quando a hegemonia americana se impôs sobre os demais. O conceito foi adaptado por Érico Sachs para as relações entre a burguesia brasileira e o imperialismo americano.

Leia aqui o F&C 41 em PDF

 

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