Fatos & Crítica nº 1: Algo de novo na Europa
Nesta nova seção do Portal CVM, Fatos & Crítica, iremos abordar os assuntos de maior destaque da conjuntura nacional, do movimento operário e da conjuntura internacional. Iniciamos com o artigo de Lothar Wentzel, cujos artigos sobre o movimento operário europeu estão publicados em nosso Portal (Leia aqui "O movimento operário na Alemanha hoje" e "A Ucrânia na zona de tensão entre Rússia e o Ocidente". Lothar Wentzel deixa claro a forte probabilidade de confrontos do novo governo com a chamada Troika, sob hegemonia do imperialismo alemão. O Syriza, por ser uma organização heterogênea e semelhante ao PT, pretende se contrapor a esta dominação que asfixia os trabalhadores por meio de reformas legais. Como não tem maioria parlamentar, fez aliança com um partido de direita. O novo governo não irá suportar esse enfrentamento sem uma mobilização forte e independente dos próprios trabalhadores. Estes, por sua vez, parecem estar sob influência do velho estalinismo. É uma situação extremamente difícil. Coletivo CVM
Algo de novo na Europa
Lothar Wentzel
Há algo acontecendo na Europa. A vitória eleitoral do Syriza na Grécia colocou em questão, em grande medida, a política de austeridade na Europa, pela primeira depois de anos da crise financeira iniciada em 2008. Além disso, o Syrisa pressiona por uma política externa europeia mais independente dos EUA, em relação à Rússia.
O Syriza é para a Grécia um novo tipo de partido reformista de esquerda. Pode-se talvez compará-lo com o PT em seus primórdios. Diversas correntes de esquerda e da esquerda ecológica decidiram em conjunto se constituir em Partido e, após discussões acaloradas – abertas e democráticas – uniram-se em torno de um Programa.
Os membros desse Partido não provêm da elite dominante que até agora tem governado a Grécia. Trata-se principalmente de ativistas jovens. Mas o Syriza atraiu também experientes quadros de esquerda, que queriam se distanciar da corrupção geral reinante. O Partido é forte no movimento social e nas organizações de autoajuda (cooperativas, clínicas, etc.).
Como foi possível esse processo? Na Grécia existe um Partido Comunista, que vive totalmente no passado e ainda carrega claros traços stalinistas. Ele obtém ainda entre 5% e 6% dos votos, porque está enraizado nas famílias que lutaram do lado dos comunistas na Guerra Civil (1944-1949). Do outro lado, existia um Partido Socialdemocrata de direita (PASOK), totalmente integrado no carrossel da corrupção e com boas relações com a elite grega. No fundo, dominava completamente o país a elite grega (cerca de 2.000 famílias). Seus porta-vozes são os grandes armadores, as pessoas mais ricas do país.
Entre a direita socialdemocrata e o PC ortodoxo havia um espaço político no qual, desde 2000, o Syriza se desenvolveu. Nos protestos contra a brutal política de austeridade da União Europeia, ele alargou fortemente o seu enraizamento. Nas eleições de semanas atrás ele recebeu 36% dos votos. Se forem contados os outros partidos de esquerda (PC com 6%, pequenos partidos com 3%), a esquerda alcançou cerca de 45% dos votos. Ela se impõe principalmente nas grandes cidades. No campo, os partidos burgueses são mais fortes. Assim, existe bastante base de massas para uma política reformista, pois muitos seguidores dos partidos burgueses também são contrários à política de austeridade.
Depois das eleições, o Syrisa – que infelizmente obteve apenas 149 das 300 cadeiras no Parlamento – precisou fazer uma coalizão com os populistas de direita, pois o PC sectário se negou a isso. Eles só fazem aliança quando podem determinar a linha sozinhos. Os outros partidos socialistas infelizmente não ultrapassaram a barreira de 3% para serem representados no Parlamento. Existem determinados pontos em comum com os populistas de direita: também eles são contra a política de austeridade e a corrupção e querem que finalmente os ricos venham a pagar impostos. Trata-se de uma pura aliança de conveniência, mas que pode funcionar por algum tempo.
O que quer o Syriza: querem que a dívida pública grega seja parcialmente abatida. O sistema fiscal deve obrigar os riscos a pagar impostos realmente, pela primeira vez. A fuga de capitais para o exterior deve ser gravada e tributada. O orçamento militar deve ser radicalmente reduzido. O estado deve ser organizado efetivamente. Deve-se voltar atrás com a privatização da propriedade estatal. Pessoas sem seguro de saúde devem ser seguradas às custas do Estado. As pessoas que não podem mais pagar suas hipotecas devem receber créditos estatais. Programas de investimento devem recolocar a economia em marcha.
O Syriza não quer o socialismo, mas a redistribuição da renda e a reconstrução do estado social. Há para ele um espaço de negociação, especialmente via política fiscal e mudança no orçamento do Estado. É um Programa de um partido reformista de esquerda – mas é o único possível hoje.
Os Estados da União Europeia só aguardam. Eles não querem nenhum abatimento na dívida, mas conceder um certo alívio. Em Espanha, Portugal, França e Itália, mas também na Escandinávia, há uma simpatia significativa pelo governo do Syriza. Portanto, eles não vão ser combatidos logo de saída e têm alguma margem de manobra. É de grande significado político para a Europa que o novo governo da Grécia coloque em questão toda a política de austeridade.
Até que enfim pintou uma luz no final do tunel o Syriza está sinalizando que se poderá acabar a politica de dizer sim senhor aos alemães e aos americanos vamos acompanhar os desdobramentos.