1968: A greve geral e a revolta estudantil na França
ESPECIAL CVM 1º DE MAIO !
Para a comemoração do 1º de maio de hoje, o CVM publica uma série de artigos sobre a luta da classe trabalhadora contra o Capital e seu Estado.
O artigo “1º de maio de 68: os trabalhadores expulsam governador e pelegos da praça” foi publicado no periódico Movimento Operário – Jornal de Luta dos trabalhadores – nº 4, em maio de 1968 pelo POC , Partido Operário Comunista (1968-1970). Registra a manifestação operária na Praça da Sé no passado recente em nosso país, numa demonstração de que os interesses dos trabalhadores não se misturam com os dos patrões. Um gesto na direção oposta da conciliação de classes que tanto as lideranças neopelegas acenam para os trabalhadores nos dias de hoje. O 1º de maio de 68 foi marcado também pela grande greve dos metalúrgicos de Minas, que naquele momento rasgou na prática a “lei trabalhista” feita para cercear a luta por aumento salarial. CVM
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Parte 1: Desenvolve-se uma situação revolucionária
Peter Schwarz
23 de junho de 2008
O seguinte artigo é o primeiro em uma série de quatro artigos.
É provável que não haja um evento histórico que tenha chamado tanto a atenção do público quanto o aniversário dos levantes de 1968. Nas últimas semanas, centenas de artigos, entrevistas, documentários e filmes foram lançados sobre os protestos estudantis e sobre as lutas operárias que ocorreram naquele ano. Certamente, na Alemanha, o aniversário teve mais cobertura do que qualquer outro a que se compare.
Como se explica este interesse pelos eventos de 1968?
A resposta tem menos a ver com o passado do que com o presente e o futuro. O ano de 1968 não foi caracterizado apenas por meras “revoltas estudantis” que balançaram os EUA, Alemanha, França, Itália, Japão, México e muitos outros países. Ele foi o prelúdio da maior ofensiva da classe trabalhadora internacional desde o fim da Segunda Guerra. Esta ofensiva durou sete anos, assumindo em diversas ocasiões formas revolucionárias, forçando a renúncia de governos, trazendo abaixo ditaduras e abalando o sistema de dominação burguesa em suas bases.
Isto foi mais visível na França, onde em maio de 1968 dez milhões de trabalhadores tomaram parte em uma greve geral, ocuparam fábricas e levaram o governo do General Charles de Gaulle a ficar de joelhos. Em 1969, as chamadas greves de setembro aconteceram na Alemanha, e a Itália sofreu um “outono quente” de confrontos industriais. Os EUA presenciaram imensas passeatas do movimento de direitos humanos contra a guerra e rebeliões em guetos urbanos. Na Polônia e Tchecoslováquia – a Primavera de Praga – trabalhadores se revoltaram contra a ditadura stalinista. Nos anos 70, ditaduras de direita foram derrubadas na Grécia, Espanha, e Portugal. Durante o mesmo período, o exército americano sofreu uma derrota humilhante no Vietnã.
O pano de fundo destes eventos era a primeira crise profunda da economia capitalista desde a Segunda Guerra. Em 1966 uma recessão abalou a economia mundial. Em 1971, o governo americano quebrou o lastro existente entre o dólar e o ouro, despindo, assim, a base do sistema monetário inaugurado em Bretton Woods em 1944, que havia estabelecido os moldes para o boom do pós-guerra. Em 1973, a economia mundial afundou-se ainda mais na recessão.
A onda de protestos, greves e revoltas internacionais deixou sua marca. Em uma série de países os salários e as condições de trabalho melhoraram, muitas vezes em níveis consideráveis. O movimento de 68 também deixou rastros na esfera cultural e na vida social como um todo. Varreu a atmosfera sufocante e claustrofóbica dos anos 50 e 60,
trazendo melhorias importantes nos direitos das mulheres e das minorias. Universidades foram expandidas e se abriram a camadas mais amplas da sociedade. Porém, o domínio capitalista e as relações de propriedade mantiveram-se intactas. A burguesia foi forçada a fazer concessões políticas e sociais, mas manteve-se no poder.
No final da década de 70 começou a contra-ofensiva. Margaret Thatcher chegou ao poder na Grã Bretanha, Ronald Reagan nos EUA e Helmut Kohl na Alemanha. Concessões sociais foram revertidas e os ataques à classe trabalhadora intensificaram-se.
Hoje as nuvens negras estão no horizonte novamente e o abismo social é mais fundo do que nunca. Milhões estão desempregados ou trabalham em subempregos. No leste europeu e na Ásia um imenso exército de trabalhadores está sendo explorado com salários miseráveis. A recente crise financeira demonstra que um colapso do sistema bancário internacional é cada vez mais provável. As tensões entre as grandes potências são crescentes e as guerras imperialistas, como a do Iraque, estão mais uma vez na agenda internacional. O resultado inevitável será o de novos conflitos e lutas de classe.
Este é o principal motivo do atual interesse nos eventos de 1968. Eles podem se repetir sob uma forma diferente. Enquanto a classe dominante tenta se preparar para isso, os trabalhadores e a juventude também devem se preparar tirando as lições da experiência de 1968.
Esta série de artigos concentra-se nos eventos da França. Nela, a luta de classes irrompeu à superfície de forma explosiva em maio e desbancou por completo a tese da Nova Esquerda, de que a classe trabalhadora havia sido integrada com sucesso ao capitalismo através do consumo e da mídia. O que em janeiro parecia ser uma disputa relativamente inofensiva entre estudantes e governo transformou-se, dentro de poucas semanas, em uma situação revolucionária. O país estava paralisado, o governo impotente e os sindicatos haviam perdido o controle da situação. Ao final de maio, a classe trabalhadora não só estava na posição de forçar a renúncia do governo liderado pelo presidente de Gaulle, como também de derrubar o sistema capitalista e estabelecer seu próprio poder. Isto teria mudado fundamentalmente o curso dos eventos políticos ao redor da Europa, tanto no leste quanto no oeste.
Tal desenvolvimento foi barrado pelo Partido Comunista Francês (PCF) e sua central sindical aliada, a CGT (Confédération Générale du Travail), que se recusou estritamente a tomar o poder e usou de toda sua influência para estrangular o movimento de massas. O Partido Comunista recebeu um apoio adicional do Secretariado Unificado (SU) pablista liderado por Ernest Mandel e suas sucursais francesas (o Partido Comunista Internationalista, PCI, liderado por Pierre Frank e a Juventude Comunista Revolucionária, JCR, liderada por Alain Krivine). Por 15 anos os pablistas haviam atacado sistematicamente as tradições marxistas do movimento trotskista. Agora eles desorientavam e enganavam os estudantes que buscavam uma alternativa ao stalinismo ao fazer apologia a Che Guevara e ao ativismo de tipo anarquista como modelos de atuação.
A primeira parte desta série trata do desenvolvimento da revolta estudantil e da greve geral até seu ponto alto no final de maio. A segunda parte examina a maneira com a qual o Partido Comunista e a CGT ajudaram o General Charles de Gaulle a retomar o controle da situação. A terceira parte lidará com o papel dos pablistas e a quarta tratará da Organização Comunista Internacionalista (OCI), liderada por Pierre Lambert. A OCI, na época ainda seção oficial francesa do Comitê Internacional da Quarta Internacional, adotou uma posição centrista em 1968 e logo depois acabou seguindo atrás do Partido Socialista.
A França antes de 1968
A França nos anos 60 é caracterizada por uma profunda contradição. O regime político é autoritário e extremamente reacionário. Sua personificação é o General de Gaulle, que parece vir de outra era e representar inteiramente em sua pessoa a Quinta República. De Gaulle tem 68 anos de idade quando eleito presidente em 1958 e 78 quando renuncia em 1969. No entanto, sob o regime fossilizado do velho general, uma rápida modernização econômica está acontecendo, alterando fundamentalmente a composição social da sociedade francesa.
No final da Segunda Guerra, grandes regiões da França sustentam-se na agricultura, com 37% da população tirando seu sustento da terra. Nos 20 anos que se seguiram, dois terços dos fazendeiros franceses deixaram suas terras e mudaram-se para as cidades, onde – juntamente com trabalhadores imigrantes – adicionaram às fileiras da classe trabalhadora uma camada social jovem e politizada, difícil de ser controlada pela burocracia sindical.
Após o fim da Guerra da Algéria, em 1962, a economia francesa cresce rapidamente. A perda de suas colônias força a burguesia francesa a orientar sua economia mais fortemente em direção à Europa. Em 1957, a França já havia assinado o Tratado de Roma, documento fundador da Comunidade Econômica Européia, antecessora da União Européia. A integração econômica da Europa favorece a construção de novos ramos da indústria, que compensam o declínio das minas de carvão e de outras velhas indústrias além do esperado. Na área de automóveis, aeronaves, tecnologia espacial, armamentos e energia nuclear, com o apoio do governo abrem-se novas fábricas e companhias. Elas são normalmente localizadas fora dos centros industriais tradicionais e mais adiante estarão entre as fortalezas da greve geral de 1968.
A cidade de Caen na Normandia é exemplar neste sentido. O número de habitantes cresce entre 1954 e 1968 de 90.000 a 150.000, dos quais metade tem menos de 30 anos de idade. Saviem, uma parceira da automotiva Renault, emprega em torno de 3.000 trabalhadores. Eles decretam greve em janeiro, quatro meses antes da greve geral, ocupando a fábrica temporariamente e engajando-se em uma acirrada batalha com a polícia.
Nota-se uma radicalização também dentro dos sindicatos. A antiga central sindical católica, a CFTC (Confederação Francesa de Trabalhadores Cristãos), racha e a maioria dos membros se reorganiza em uma base laica na CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho), que reconhece a “luta de classes” e, no início de 1966, aceita agir em unidade com a CGT.
O estabelecimento de novas indústrias traz consigo um crescimento exaltado no setor educacional. Novos engenheiros, técnicos e trabalhadores especializados são requisitados com urgência. Somente entre 1962 e 1968, o número de estudantes dobra. As universidades estão lotadas, mal equipadas e, como as fábricas, controladas por uma administração patriarcal de valores antiquados.
A oposição às más condições de educação e ao autoritário regime universitário – dentre outras coisas, a proibição a moradores da residência estudantil de visitar residências do sexo oposto – é um fator importante na radicalização dos estudantes, que logo ligam tais questões a questões políticas. Em maio de 1966 ocorre a primeira manifestação contrária à guerra no Vietnã. Um ano depois, em 2 de junho de 1967, o estudante Benno Ohnesorg é morto a tiro pela polícia de Berlim, e os protestos estudantis alemães ecoam na França.
No mesmo ano os efeitos da recessão mundial são sentidos e têm um impacto de radicalização sobre os trabalhadores. Por anos, os níveis de vida e as condições de trabalho têm estado abaixo do ritmo do desenvolvimento econômico. Salários estão baixos, as horas de trabalho longas e dentro das fábricas os trabalhadores não possuem direitos. Agora o desemprego e a carga de trabalho são crescentes. As indústrias mineradoras, do aço e têxteis estão se estagnando.
A liderança dos sindicatos organiza protestos burocratizados, de cima para baixo, para não perderem o controle. Mas os protestos locais são construídos pela base e brutalmente reprimidos pela polícia. Em fevereiro de 1967, os trabalhadores da manufatura têxtil Rhodiacéta na cidade de Besançon são os primeiros a ocuparem sua fábrica, protestando contra demissões e exigindo melhores condições de trabalho.
Produtores rurais também protestam contra a queda em seus rendimentos. Em 1967 vários protestos rurais no oeste da França se transformam em batalhas nas ruas. De acordo com um relatório policial da época, os fazendeiros são “numerosos, agressivos, organizados e armados com vários projéteis: pregos, paralelepípedos, estilhaços metálicos, garrafas e pedregulhos.”
No início de 1968, a França parece relativamente calma em sua superfície, mas abaixo dela as tensões sociais estão fermentando. O país inteiro aparenta um barril de pólvora. Tudo que é necessário para causar uma explosão é uma faísca repentina. Esta faísca foram os protestos estudantis.
Revolta estudantil e greve geral
A Universidade de Nanterre está entre os colégios que foram abertos nos anos 60. Construída sobre terreno que antes pertencia às forças armadas há apenas cinco quilômetros de Paris, ela foi aberta em 1964. Ela é cercada por vizinhanças pobres, chamadas “bidonvilles”, e fábricas. Em 8 de janeiro de 1968, os estudantes em protesto confrontam o ministro da juventude François Missoffe, que está na região para inaugurar uma nova piscina.
Apesar de o incidente ser, em si mesmo, relativamente insignificante, as medidas disciplinares aplicadas contra os estudantes, assim como as repetidas intervenções policiais, intensificaram o conflito e fizeram de Nanterre o ponto de partida de um movimento que se alastrou rapidamente pelas universidades e escolas secundaristas de todo o país. No centro de seu movimento estão as reivindicações por melhores condições de aprendizado, livre acesso à universidade, mais liberdades políticas e pessoais, a libertação dos estudantes detidos, assim como a oposição à guerra americana contra o Vietnã, na qual, no fim de janeiro, inicia-se a Ofensiva Tet.
Em algumas cidades, como Caen e Bordeaux, trabalhadores, estudantes universitários e secundaristas tomam as ruas conjuntamente. Em 12 de abril ocorre uma marcha em Paris em solidariedade ao estudante alemão Rudi Dutschke, que levou um tiro de um fascista enraivecido em uma rua de Berlim.
Em 22 de março, 142 estudantes ocupam o prédio da administração da Universidade de Nanterre. A administração reage fechando completamente a universidade por um mês inteiro. O conflito chega então à Sorbonne, a mais velha universidade da França, localizada no Quarteirão Latino (Quartier Latin) de Paris. Em 3 de maio, representantes de diversas organizações estudantis se reúnem para discutir como a campanha deve prosseguir. Enquanto isso, grupos de extrema direita estão protestando do lado de fora. O reitor da universidade chama a polícia, que procede desocupando o campus. Uma imensa e espontânea manifestação irrompe. A polícia reage brutalmente e os estudantes reagem erguendo barricadas. Até o final da noite, cerca de cem estudantes são feridos e mais outras centenas são presos. Um dia após as prisões, 13 estudantes recebem sentenças cruéis baseadas exclusivamente em depoimentos de policiais.
O governo e a mídia se esforçam por retratar as batalhas urbanas no Quarteirão Latino como obra de arruaceiros e grupos radicais. O Partido Comunista também se junta ao coro contrário aos estudantes. Sua segunda figura mais importante, Georges Marchais, que mais tarde se tornaria o secretário geral do partido, dispara um ataque violento contra os estudantes “pseudo-revolucionários” na primeira página do jornal do partido L’Humanité. Ele os acusa de legitimar os “provocadores fascistas”. Marchais está acima de tudo revoltado pelo fato de os estudantes “distribuírem panfletos e outros materiais de propaganda em números cada vez maiores nas portas das fábricas e nos bairros de trabalhadores imigrantes.” E ameaça: “Esses falsos revolucionários têm que ser denunciados, porque estão objetivamente servindo os interesses do regime gaullista e dos grandes monopólios capitalistas.”
Mas suas iscas não foram mordidas. O país está chocado com as ações violentas da polícia que são transmitidas pelas estações de rádio. Os eventos agora recebem um impulso próprio. Os atos em Paris ficam maiores a cada dia e se espalham a outras cidades. Eles são direcionados contra a repressão policial e exigem a soltura daqueles estudantes presos. Estudantes secundaristas também tomam parte na greve. No dia 8 de maio ocorre uma primeira greve geral de um dia no oeste da França.
A partir da noite de 10-11 de maio o Quarteirão Latino está envolto pela “Noite das Barricadas.” Dezenas de milhares de pessoas se fecham em barricada no bairro da universidade, que é então invadido pela polícia usando gás lacrimogêneo às duas da manhã. Centenas de pessoas são feridas.
No dia seguinte, o Primeiro Ministro Georges Pompidou, que acaba de voltar de uma visita diplomática ao Irã, anuncia a reabertura da Sorbonne e a libertação dos estudantes em custódia. Porém, suas ações não conseguem mais controlar a situação. Os sindicatos, incluindo a CGT dominada pelo Partido Comunista, conclamam uma greve geral para o dia 13 de maio contra a repressão policial. Os sindicatos temem perder controle sobre os trabalhadores engajados caso não atuem dessa forma.
O chamado de greve é recebido com uma enorme repercussão. Muitas cidades testemunham os maiores protestos de massas desde a Segunda Guerra. Somente em Paris 800.000 pessoas vão às ruas. Reivindicações políticas vêm à tona. Muitos reivindicam a derrubada do governo. Durante a noite, a Sorbonne e outras universidades são reocupadas pelos estudantes.
O plano dos sindicatos de limitar a greve geral a um só dia não consegue se materializar. No dia seguinte, 14 de maio, os trabalhadores ocupam a fábrica Sud-Aviation, em Nantes. A fábrica permanece sob controle dos operários por um mês, com bandeiras vermelhas tremulando sobre o prédio da administração. O diretor regional, Duvochel, é mantido refém pelos ocupantes por 16 dias. O gerente geral da Sud-Aviation nesta época é Maurice Papon, um colaborador nazista, criminoso de guerra e chefe da polícia parisiense em 1961, quando foi responsável pelo assassinato de pessoas que protestavam contra a guerra da Algéria.
Operários de outras fábricas seguem o exemplo da Sud-Aviation, e uma onda de ocupações avança sobre o país de 15 a 20 de maio. Em todos os lugares bandeiras vermelhas são erguidas e em muitas fábricas a gerência é mantida em cativeiro. As ações afetam centenas de fábricas e escritórios incluindo a maior fábrica do país, a fábrica principal da Renault, em Billancourt, que havia desempenhado um papel fundamental na onda de greves de 1947.
Inicialmente, os trabalhadores levantam reivindicações imediatas, que se diferenciam de lugar a lugar: remuneração mais justa, diminuição das horas de trabalho, nenhuma demissão, mais direitos aos trabalhadores da fábrica. Comitês de ação e de trabalhadores surgem nas fábricas ocupadas e arredores atraindo residentes locais, estudantes universitários e secundaristas junto aos operários e trabalhadores da administração em greve. Os comitês tomam responsabilidade pela organização de greves e desenvolvem-se em fóruns de intenso debate político. O mesmo é válido para as universidades, que estão em grande parte ocupada por estudantes.
Em 20 de maio o país inteiro está paralisado, atingido por uma greve geral – mesmo não tendo os sindicatos e nenhuma outra organização lançado um chamado a esta greve. Fábricas, escritórios, escolas e universidades estão ocupados, a produção e o sistema de transportes paralisados. Artistas, jornalistas e até mesmo jogadores de futebol juntam-se ao movimento. Dez milhões de pessoas, das 15 milhões da força de trabalho francesa, estão envolvidas na ação. Estudos posteriores revisaram este número para 7-9 milhões, mas, ainda assim, esta continua sendo a maior greve geral da história da França. “Somente” três milhões de trabalhadores haviam tomado parte na greve geral em 1936, enquanto que 2,5 milhões de trabalhadores participaram da greve geral de 1947.
A onda de greves atinge seu pico entre 22 e 30 de maio, mas chega a durar até julho. Mais de 4 milhões de trabalhadores permanecem em greve por mais de três semanas e 2 milhões por mais de quatro semanas. De acordo com o Ministério do Trabalho francês, um total de 150 milhões de dias de trabalho são perdidos em 1968 devido a greves. Em comparação com a greve de mineiros na Grã-Bretanha em 1974, que levou o governo conservador de Edward Heath abaixo, resultou em um total de 14 milhões de dias de trabalho perdidos.
Em 20 de maio o governo perde o controle sobre o país. A reivindicação pela renúncia de de Gaulle e seu governo (“dez anos é demais”) já está disseminada. Em 24 de maio, de Gaulle tenta retomar o controle da situação através de um discurso televisionado à nação. Ele promete um plebiscito dando aos estudantes e trabalhadores mais direitos em empresas e universidades. Mas sua aparência só demonstra impotência. Seu discurso não causa nenhum impacto.
Nas três primeiras semanas de maio, uma situação revolucionária que possui poucos precedentes na história se desenvolveu na França. Com uma direção determinada, o movimento poderia ter selado o destino político do governo de Gaulle e da Quinta República. As forças de segurança ainda pairavam sobre o regime, mas elas raramente resistiriam a uma ofensiva política sistemática. O próprio tamanho do movimento teria causado um impacto corrosivo em suas fileiras.
Parte 2: A traição do PCF e CGT
Peter Schwarz
25 de junho de 2008
Esta é a segunda parte de uma série dividida em 4 partes, que trata dos acontecimentos de Maio/Junho de 1968 na França. A primeira parte é sobre a situação revolucionária que se desenvolveu, estando posta no dia 23 de junho de 2008, conduzida pelo avanço da revolta estudantil e da greve geral até seu ponto crítico no fim de maio. A segunda parte expõe como o Partido Comunista Francês (PCF) e a central sindical controlada por ele, a CGT, permitiram que o presidente Charles de Gaulle retomasse o poder. A terceira parte trata da ação dos Pablistas; a quarta irá discorrer sobre a Organização Comunista Internacionalista (OCI), de Pierre Lambert.
A França está paralisada desde 20 de maio de 1968. Dois terços de todos os assalariados participam da greve geral; estudantes ocupam as universidades. No momento, o destino de de Gaulle e seu governo está nas mãos do Partido Comunista Francês (Parti Communiste Français – PCF) e da CGT (Confederation Generale de Travail – Confederação Geral do Trabalho) controlada por ele. São eles que garantem a sobrevivência política do presidente Charles de Gaulle e salvam a Quinta República. Em 1968, o PCF continua sendo uma força política considerável, com cerca de 350.000 membros e tendo 22,5% dos votos em 1967. Embora o número de membros da CGT tenha caído desde 1948, de 4 milhões para 2,3 milhões, esta ainda era a principal central sindical dos setores mais importantes da economia. O seu Secretário – Geral, Georges Séguy, é membro do Bureau Político do PCF.
Como já vimos, o PCF e a CGT reagiram aos protestos estudantis de forma explicitamente hostil. O famigerado artigo de 3 de maio, no qual Georges Marchais ridiculariza os estudantes chamando-os de baderneiros e agentes gaullistas não seria a exceção, mas sim a regra. O jornal do PCF l’Humanité não se cansa de suas críticas contra a “esquerda radical” (gauchistes) – entre os quais se incluem todos aqueles que se opõem a linha direitista do PCF. A CGT se recusa a participar de manifestações conjuntas entre trabalhadores e estudantes, e instrui seus membros a manterem os estudantes – que estão tentando avançar o contato com os trabalhadores – longe das fábricas.
As ocupações de fábricas e as greves gerais se desenvolveriam à revelia dos interesses da CGT e por fora dela. A ocupação da Sud-Aviation, que se tornou um modelo para todas as outras ocupações, surge através de uma iniciativa da central sindical Force Ouvrière, que tem influência entre os grupos de salários mais baixos e é liderada em Nantes por um trotskysta, o membro da OCI Yves Rocton. Apesar da CGT não impedir as ocupações, ela tenta mantê-las sob controle e limitá-las meramente às demandas econômicas. Opõe-se ao estabelecimento de um comitê central de greve e rejeita a colaboração com forças que sejam externas à fábrica. Recusa-se a sancionar a detenção dos chefes.
No dia 16 de maio, a liderança da disputada central sindical CFDT (Confédération Française Démocratique du Travail – Confederação Francesa Democrática do Trabalho) publica uma declaração, na qual tenta exercer sua influência sobre a onda de ocupações. Contrastando com a CGT, ela é favorável à revolta estudantil, a qual diz ser diretamente contra “as incrustadas e asfixiantes estruturas de classe de uma sociedade na qual eles não podem exercer seus anseios.” A CFDT levanta a palavra de ordem de “auto-gestão” das fábricas: “a monarquia administrativa e industrial deve ser substituída por estruturas administrativas baseadas na auto-gestão.”
O líder da CGT, Séguy, reage com raiva e ataca publicamente a CFDT. Ele rejeita as tentativas de dar ao crescente movimento qualquer orientação comum, única, não importando quão limitada ela fosse. A demanda da CFDT, que neste momento está sob influência do partido de esquerda-reformista de Michael Rocard, o PSU (Parti Socialiste Unifié – Partido Socialista Unificado) dirige-se para um beco sem saída. O PSU não questiona nem o governo capitalista nem a dominação do mercado capitalista.
No dia 25 de maio, a CGT finalmente apressa-se em apoiar diretamente o governo acuado. Às 15 horas, representantes do sindicato, associações patronais e o governo reúnem-se no Ministério do Trabalho, na Rue de Grenelle. Seu objetivo é assegurar a ordem nas fábricas o mais rápido possível. Embora todos os sindicatos estejam representados, as negociações são conduzidas quase que exclusivamente por dois homens: o primeiro ministro Georges Pompidou e o cabeça da CGT, Georges Séguy.
Séguy quer um aumento salarial linear, sem reduzir a diferença salarial entre as diversas categorias, o que trabalhadores de diversas fábricas exigiam. Além disso, a posição dos sindicatos tem de ser reforçada. Sobre esta questão, ele tem o apoio de Pompidou contra as associações patronais. “O governo está convencido de que a integração da classe operária através dos sindicatos, que têm o treinamento necessário e a influência apropriada, contribuem para o bom funcionamento da fábrica” é a formulação dada na ata de reunião.
Ao lado de Georges Pompidou, ao lado do governo, na mesa de negociação, está outro futuro presidente, Jacques Chirac, assim como um futuro primeiro ministro, Edouard Balladur. Assim como o atual presidente da França, Nicolas Sarkozy, eles todos apóiam o acordo no momento e utilizam os sindicatos para “integrar” a classe trabalhadora. O termo “Grenelle” tem se tornado sinônimo de negociações de alto nível entre governo, sindicatos e associações patronais.
Somente após 2 dias os negociadores entram num acordo. De manhãzinha, na segunda-feira de 27 de maio, eles assinam o “Pacto de Grenelle”. Nele estão inclusos um aumento salarial de 7%, um aumento no salário mínimo de 2,22 para 3 francos a hora de trabalho e a permissão legal para o estabelecimento dos sindicatos nas fábricas. A CGT abandona sua exigência inicial por escala móvel de salários, pagamento integral dos dias parados e a retirada das regras do governo em relação à seguridade social. Depois de saber que o PSU de Rocard, a CFDT e a UNEF (Union Nationale dês Étudiants de France – União Nacional dos Estudantes da França) estão planejando uma manifestação sem nenhum acordo prévio com o PCF e a CGT, Séguy promove um acordo imediato, fechado através de uma conversa cara a cara com Jacques Chirac.
Às 7h30min da manhã, Séguy e Pompidou aparecem diante da imprensa e anunciam o Pacto de Grenelle. Séguy explica: “O trabalho pode começar novamente sem demora”. Ele vai pessoalmente para Billancourt, com o propósito de tentar vender o acordo para os trabalhadores na fábrica da Renault. Mas os trabalhadores julgam o pacto como uma provocação e não estão preparados para serem comprados por poucos francos. Séguy é vaiado e encara um coro enfurecido. A mensagem se espalha rapidamente pelo país e ninguém está disposto a trair a luta. A manchete do Le Monde do dia seguinte diz: “CGT, incapaz de induzir grevistas a retomarem o trabalho.”
A questão do poder está posta
Neste momento a crise política chega a seu ponto mais alto. Todo país está em alvoroço. O governo foi perdendo cada vez mais sua autoridade, e a CGT o seu controle sobre os trabalhadores. Ninguém tem a menor dúvida de que a questão de quem exerce o poder, de fato, no país, está sendo, agora, abertamente posta.
Os social-democratas, que por muito tempo mantiveram-se cautelosamente na retaguarda, agora erguem suas vozes. Desde quando se tornou questionável se de Gaulle poderia manter-se no poder, preparativos para um governo alternativo burguês foram feitos. François Mitterrand organiza uma entrevista coletiva no dia 28 de maio, que é transmitida detalhadamente pela televisão. Ele defende um governo interino, assim como uma nova eleição presidencial, na qual ele será um candidato.
Mitterrand encabeça a Federação Democrática e Socialista de Esquerda (FGDS), uma aliança de partidos liberais e social-democratas que tinha desacreditado a si próprios na 4ª República e não tinha qualquer base nas massas. Em 1965, Mitterrand tinha enfrentado de Gaulle nas eleições presidenciais, apoiado também pelo PCF.
O PSU, a CFDT e a união estudantil UNEF depositam suas esperanças em Pierre Mendès-France. Em 1936, Mendès-France, então membro dos Socialistas Radicais, um partido puramente burguês, aderiu ao governo de frente popular de León Blum. Durante a guerra, apoiou o General de Gaulle. Na Quarta República, ele organizou a retirada das tropas francesas do Vietnã como chefe do governo em 1954, ganhando a aversão da direita. Em 1968 ele é próximo do PSU.
A orientação à esquerda pronunciada por Mendès-France faz com que o PCF o considere como um arquiinimigo. O alarme soa na sede do PCF no dia 27 de maio, quando ele é visto numa grande reunião entre o PSU, a CFDT e a UNEF, no estádio Paris Charléty. O medo do PCF era que Miterrand e Mendès-France pudessem formar um novo governo, sem que obtivesse qualquer influência nele.
No dia 29 de maio, o PCF e a CGT organizam sua própria manifestação em Paris; várias centenas de milhares de pessoas marcham na capital, levantando a seguinte palavra de ordem: “Por um governo popular.” O PCF nem sequer sonhava com a tomada revolucionária do poder. Sua exigência de um “governo popular” é uma tentativa para apaziguar os ânimos revolucionários das fábricas, sem levantar questões sobre as instituições da Quinta República. A CGT enfatiza sua rejeição a uma ação revolucionária insistindo na necessidade de “mudanças democráticas”.
O chefe de polícia de Paris mais tarde relata que ele não tinha preocupações quanto à manifestação da CGT e do PCF; ele esperava uma clássica e disciplinada manifestação sindical, que foi o que aconteceu. Mas o governo não tem certeza se os organizadores têm a situação sob controle. Tropas paramilitares estão em alerta e tanques estão estacionados no subúrbio de Paris como precaução.
No dia 30 de maio, o Comitê Central do PCF reúne-se para discutir a situação. Uma gravação dessa reunião confirma que o partido rejeita qualquer ambição de assumir o poder sozinho e está estritamente preocupado com a preservação da ordem existente. Seis meses depois, uma afirmação do Comitê Central justifica essa atitude com as palavras: “A correlação de forças não permitiu que a classe trabalhadora e seus aliados tomassem o poder político em maio passado.”
Na reunião do dia 30 de maio, o secretário-geral Émile Waldeck-Rochet declara sua disponibilidade para participar de um governo provisório sob François Mitterrand, se ele conceder ao PCF influência suficiente. Este governo deverá cumprir três tarefas, diz ele: recuperar o funcionamento do Estado novamente, responder às legítimas exigências dos grevistas e realizar com êxito as eleições presidenciais.
No entanto, a garantia de eleições parlamentares imediatas é a opção preferida do PCF. Um orador do partido resume a atitude geral: “nós só podemos nos beneficiar a partir de uma eleição geral.”
A situação nesse dia esteve por um fio. O General de Gaulle desapareceu na noite anterior sem deixar rastros, fugindo para Baden-Baden, onde manteve conversas com o General Massu, comandante das tropas francesas na Alemanha. Massu é conhecido por seu papel na guerra da Argélia. Questiona-se até hoje se de Gaulle estava planejando sua fuga ou apenas estava procurando apoio. Em sua biografia Massu afirma que aconselhou de Gaulle a retornar a Paris e abordar publicamente o povo francês.
Na tarde do dia 30 de maio, de Gaulle faz um pronunciamento no rádio. A república está em perigo e precisa ser defendida, disse ele. Ele anuncia a dissolução do parlamento e chama novas eleições para os dias 23 e 30 de junho. No mesmo instante, várias centenas de adeptos do general estão manifestando-se no Champs Elysées sob as cores nacionais francesas.
O PCF apóia a decisão de de Gaulle na mesma noite e a apresenta como o resultado do sucesso de sua própria política. Proferem seu apoio à estrutura legal da Quinta República e buscam aproximar-se dos gaullistas pela proclamação da união “entre bandeira vermelha e a bandeira tricolor da nação.” No dia 31 de maio, o líder da CGT, Georges Séguy anuncia seu acordo com as eleições. “A CGT não dificultará a condução das eleições”, diz ele, o que, levando-se em consideração a paralisia que toma conta do país, significa abandonar a greve geral. “É do interesse dos trabalhadores manifestarem sua vontade por mudanças.”
A CGT agora usa toda sua energia para acabar com as greves e as ocupações muito antes da data das eleições, algo que só é capaz de fazer com dificuldade. Mas, gradualmente, o front da greve desagrega-se. Trabalhadores voltam ao trabalho após a conclusão dos acordos nas fábricas, a maior parte dos setores militantes está isolada, e a polícia começa a evacuar as universidades. No dia 16 de Junho, trabalhadores da Renault-Billancourt retomam o trabalho, uma semana antes das eleições – o mesmo dia em que a Sorbonne é evacuada.
No entanto, ainda leva semanas até que as últimas greves e ocupações acabem, e o país não voltou, de fato, à calma nos meses e anos seguintes. Mas a classe trabalhadora perdeu uma oportunidade de tomar o poder. Michel Dreyfus, autor de uma obra sobre a história da CGT, resume a atitude da mais influente central sindical no momento culminante da greve da seguinte forma: “A CGT evitou intencionalmente o confronto com o Estado em maio de 1968, quando a correlação de forças parecia estar a seu favor.”
O contra-ataque da direita
Nas primeiras semanas de maio, a direita estava completamente paralisada e isolada. Agora, graças à ajuda do PCF e CGT, ela gradualmente recupera sua iniciativa e autoconfiança. Com o início da campanha eleitoral, a luta sai das ruas e das fábricas e caminha para as urnas, beneficiando de Gaulle e seus aliados. Eles agora estão numa posição para trazer as seções mais passivas e mais recuadas da sociedade para dentro do jogo, apelando para os temores da “maioria silenciosa”.
Os primeiros esforços nesse sentido já podem ser vistos em maio. O governo exerce estrita censura sobre os meios de comunicação através do Estado (não existem emissoras privadas neste momento). No dia 19 de maio, a televisão é banida por espalhar informações que podem ser úteis à oposição. No dia 23 de maio, são desligadas as freqüências usadas por emissoras estrangeiras que podiam ser recebidas na França, e cujos jornalistas estão noticiando ao vivo as manifestações.
No dia 22 de maio, o governo retira de Daniel Cohn-Bendit sua autorização de residência. O líder estudantil, que tem um passaporte alemão, vem de uma família judia que fugiu para a França para escapar dos nazistas. O fim do regime nazista deu-se somente há 23 anos, e o simbolismo desta medida pode ser visto por todos. Há uma insatisfação massiva e os protestos estudantis tornam-se mais radicais. Novamente há violentos combates de rua. Uma vez que a CGT continua a isolar os estudantes, e rejeitar qualquer ação conjunta, naturalmente os estudantes agirão sem a proteção dos trabalhadores – o que só serve para agravar a situação.
No dia 24 de maio violentos combates deixam duas vítimas. Em Lyon, um policial morre, em Paris um jovem manifestante é morto. O choque é grande e a mídia começa uma campanha ensurdecedora contra os “perpetuadores da violência estudantil.”
Alguns gaullistas criam um Comitê pela Defesa da República (CDR), que colabora com elementos da extrema direita do meio argelino-francês. A propósito, estes últimos consideravam de Gaulle um traidor, uma vez que ele garantiu a independência da Argélia, mas o perigo da revolução serviu para unir as diferentes frações da direita. No dia 30 de maio gritos de “Algérie française” (Argélia é francesa) combinam-se com os símbolos do gaullismo no Champs Elysées. A primeira grande manifestação de apoio a de Gaulle tinha sido preparada em conjunto. No dia 17 de junho, de Gaulle retribui com o perdão do General Raoul Salan assim como de 10 outros membros da organização terrorista OAS, que em 1961 tinham organizado um golpe contra ele na Argélia.
Com o início da campanha eleitoral, os órgãos de repressão estatal começam a agir com mais autoconfiança. No dia 31 de maio, o Ministro do Interior Christian Fouchet é substituído por Raymond Marcellin, que é saudado por de Gaulle com as seguintes palavras: “Finalmente, um verdadeiro Fouché” – uma referência a Joseph Fouché, que, após o declínio da Revolução Francesa de 1789, tornou-se ministro da polícia sob o Diretório e sob Napoleão, criando um amplo e temido aparato de opressão.
Marcellin age com extrema dureza. No dia em que ele é nomeado, piquetes são retirados das ruas, a partir dos depósitos de combustível, a fim de garantir o abastecimento e por o tráfego em movimento novamente. No dia 12 de junho, ele proíbe todas as manifestações de rua durante a campanha eleitoral. No mesmo dia, ele emite um decreto dissolvendo todas as organizações revolucionárias e expulsando 200 “estrangeiros suspeitos” do país. A proibição atinge a trotskista OCI, sua juventude e outras organizações estudantis como a JCR (Jeunesses Communistes Révolutionnaires – Juventude Comunista Revolucionária) de Alain Krivine, o anarquista “Movimento 22 de Março” de Daniel Cohn-Bendit, assim como organizações maoístas. O Renseignements Généraux (serviços secretos internos) é ordenado a observar e coletar informações sobre todos os membros de todas as organizações.
Marcellin permanece no cargo por seis anos e nesse tempo é capaz de desenvolver a polícia, o serviço secreto e a CRS (polícia especializada em conter manifestações) nos moldes de um aparato de guerra civil fortemente preparado. Ele dobra os gastos com a força policial, a equipa com moderna tecnologia e armas, assim como, recruta 20.000 novos policiais.
Os gaullistas conduzem uma campanha eleitoral baseada no medo. Eles salientam o perigo de uma guerra civil, advertem sobre uma tomada totalitária e comunista do poder e professam a unidade da república e da nação. Partidos de oposição e sindicatos unem-se a esse coro. A agitação contínua do PCF contra a “esquerda radical” é trigo para os moinhos da propaganda da direita. Na televisão, na véspera da eleição, François Mitterrand protesta: “Desde o primeiro dia, apesar dos ataques, só temos pensado na unidade da pátria e na preservação da paz.”
A eleição é um desastre para a esquerda oficial. Os gaullistas e seus aliados recebem 46% dos votes, o PCF, como o partido de oposição mais forte, recebe apenas 20%, muito menos que no ano anterior. O sistema de eleição proporcional mostra que, quando se trata da atribuição de assentos, o resultado é ainda mais devastador. Quatro quintos dos lugares vão para os partidos burgueses de direita – 59% para os gaullistas, 13 para os liberais e 7 para partidos do centro. A FGDS (Fédération de la Gauche Démocrate et Socialiste — Federação da Esquerda Democrática e Socialista) de Mitterrand tem 12% dos lugares e o PCF somente 7%. Sobretudo as áreas rurais conservadoras votam esmagadoramente pela direita; enquanto muitos dos mais ativos elementos – estudantes secundaristas, universitários, jovens trabalhadores e imigrantes – não são permitidos a votar. A idade oficial para o voto é de 21 anos e as regras eleitorais não foram atualizadas antes da rápida convocação das eleições.
Dois meses depois do início da crise revolucionária, a burguesia restabeleceu mais uma vez seu controle sobre o poder. Ela agora tem tempo para calmamente substituir de Gaulle e desenvolver um novo mecanismo político com o qual possa garantir seu domínio e manter a classe trabalhadora sob controle pelas próximas décadas – o Partido Socialista de Mitterrand. Para isso, deve pagar um preço econômico: o Pacto de Grenelle finalmente entra em vigor e a classe trabalhadora experimenta uma clara melhoria de seu padrão de vida nos próximos anos. Essas melhorias, no entanto, não duraram e agora foram vorazmente tomadas de volta.