Programa de Proteção ao Emprego ou ao Patrão?

por CVM

O governo federal ensaia a Medida Provisória do chamado Programa de Proteção ao Emprego (PPE), onde o respeito do título à prática fica somente na aparência. Até então, as negociações indicam a possibilidade de que as empresas, em ditos tempos de crise, poderão reduzir a carga horária dos trabalhadores e, naturalmente e para a felicidade dos patrões, os salários.

As crises econômicas são características intrínsecas ao capitalismo, e quem historicamente paga por elas são os trabalhadores que tem (I) ou seus empregos cortados ou (II) redução de direitos através da flexibilização no emprego. O chamado Programa de Proteção ao Emprego nada mais é do que a sutil proteção ao patronado em detrimento das condições de trabalho e salário.

Inspiração no caso Alemão

Desde 2012 o governo brasileiro estuda medidas para a proteção do emprego, ano em que enviou para a Alemanha uma delegação de técnicos, empresários e sindicalistas com objetivo de compreender o que eles estavam fazendo neste sentido. Os resultados estão num relatório do CNI, intitulado “Crises Econômicas e Flexibilidade no Trabalho – os casos da Alemanha e do Brasil” . O relatório, escrito do ponto de vista do governo e dos empresários, exalta o programa alemão existente, comparando com o cenário brasileiro.

No modelo alemão existem os Conselhos de Empregados, ocupados por trabalhadores e destinados basicamente a organizar a produção dentro da empresa. São impedidos, por lei, de iniciarem greves ou boicotes. A existência destes conselhos diminui o número de categorias alcançadas por acordos coletivos trabalhistas. Neste cenário, favorece-se o a dessindicalização, sendo que os processos de negociação são realizados: ou via os Conselhos de empregados, ou pelos sindicatos (pelos acordos coletivos que conhecemos no Brasil), ou de maneira descentralizada. A tabela abaixo resume a situação da Alemanha nos antigos lados Ocidental e Oriental:

Quadro Proteção Emprego

 

As medidas de flexibilização do emprego adotadas na Alemanha nos anos da crise de 2008/2009 deixaram mais de 300.000 desempregados. Os empregos mantidos pelas medidas de proteção trabalhista auxiliaram na manutenção dos chamados empregos dos núcleos, aqueles de carteira assinada, deixando a revelia as demais modalidades, que são maioria na Alemanha e, principalmente, no Brasil.

Os ensaios do Governo para o PPE

Em nota publicada pelo Jornal O Globo, comenta-se sobre a implementação da Medida Provisória, com a possibilidade de corte de até 50% da carga horária, com redução proporcional nos salários. Dirigentes da CUT e da Força Sindical se pronunciaram a favor da proposta. Em nota publicada pela CUT no dia 28 de Maio deste ano, seus dirigentes afirmam que as medidas de proteção a serem adotadas, baseadas no modelo alemão, partem do princípio de que atualmente se gasta muito dinheiro para manter o trabalhador fora do seu emprego e que o objetivo é mantê-los no emprego.

A discussão, tendo como princípio uma prática de colaboração de classes  entre trabalhadores e patrões, passou por dois pontos essenciais: (I) uma estratégia de longo prazo para construir uma “indústria inovadora, de alto valor agregado e mais criativa”; e (II) “um programa de proteção ao emprego” como uma resposta ao momento de crise.

Sobre o primeiro ponto, para estes representantes sindicais, a busca pelo aumento de produtividade na indústria passou a ser uma bandeira de interesse dos trabalhadores. Ocorre que isso também é sinônimo de aumento da exploração e tem como consequência direta a redução de postos de trabalho. Isso espelha os interesses de uma pequena fração de operários mais qualificados, que preservariam seus empregos, provavelmente com um salário ligeiramente acima da média. Sobre o segundo ponto, o patrão estaria autorizado a reduzir a carga horária dos trabalhadores, com o consequente corte de salário. A proposta é que as horas não custeadas seriam pagas por um “fundo que é bancado pelo Estado e pelos empresários para manter o trabalhador empregado…”.

Com tudo isto o cenário está armado: nos ditos tempos de crise, e em nome da produtividade e “proteção ao emprego”, a empresa poderá reduzir a carga horária dos trabalhadores e reduzir os salários. As horas não trabalhadas poderão variar de 20% a 50% e serão pagas por um fundo (FAT) mantido pela empresa e pelo governo federal, sendo que a participação do governo pode variar de 60% a 80% (Site do SMABC, em 30/05/2014). Agora nos perguntamos: quem irá manter este fundo senão os mesmos trabalhadores (com seu trabalho diário e impostos) que irão receber este “benefício” em ditos tempos de crise? Adicionalmente, no que já foi ensaiado entre CUT e governo, não existe absolutamente nenhuma medida que impeça o patronado de, a revelia deste PPE, simplesmente demitir o seu trabalhador!

Podemos resumir a proposta da seguinte forma: a manutenção dos empregos no PPE, não pode ser vista como uma negociação “de igual para igual” com os empresários, em que todos os lados ganham. Lembra a parceria entre a galinha e o porco para produzir o café da manhã: a primeira, representada pelos empresários, entra com os ovos; o segundo, representado pelos trabalhadores, entra com a carne. Vejamos as vantagens de cada uma das partes:

– Para os empresários:

1.    Arcam apenas com uma pequena parcela dos salários e despesas indiretas, correspondentes às horas não trabalhadas. A parte do leão fica por conta do FAT, um fundo cujos recursos são teoricamente dos próprios trabalhadores;

2.    Deixam de pagar as verbas necessárias para as demissões em massa. Em caso de recuperação da economia, não precisam fazer dispêndios para a contratação de mão de obra extra;

3.    Podem utilizar o tempo vago para melhorar a formação profissional do trabalhador e, mais adiante, fazer com que produza mais em menor tempo, com mais qualidade e menos desperdício, aumentando os lucros (e permitindo a dispensa de outros trabalhadores).

4.    Mesmo dando tão pouco para tanto benefício, não são obrigadas por lei a entrar no PPE, entram se acharem que lhes é benéfico. E, ao entrar, se comprometem por apenas 6 meses, prorrogáveis por mais 6. Depois disso, se a crise perdurar ou se o interesse mudar, pois a empresa pode aproveitar a conjuntura adversa para se tornar mais “inovadora” e “criativa”, produzindo mais com menos operários, então a porta da rua estará escancarada para a passagem da mão de obra que se tornou supérflua.

– Para os trabalhadores:

1.    Mantêm os seus empregos com salário reduzido e com benefícios cortados por até 12 meses. Se tudo correr bem e a crise for superada, voltam à situação normal de exploração, podendo ser demitidos a qualquer momento. Se correr mal, terão apenas adiado a entrada no inferno do desemprego. Além disso, estão se submetendo a uma nova legislação do trabalho, que pode ser o início de uma onda de outras medidas de “flexibilização”, destinadas a cortar direitos.

Os passos iniciais para mais um pacote de reformas que reduzem direitos históricos estão sendo dados. O Programa de Proteção ao Emprego pode ser chamado, sem medo de erro, de Programa de Proteção ao Patrão. Cabe aos setores combativos ficarem atentos às próximas ações. O sindicalismo independente de patronado e de governo deve continuar afirmando:

“Nenhum direito a menos, avançar nas conquistas!”

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